Poder demais é sempre demais
Redação
Há uma máxima segundo a qual uma autoridade só abusa do
seu poder
quando tem poder demais
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IDEIA ANTIGA, BEM ANTIGA No tempo de Henrique II, rei da Inglaterra no século XII, surgiram os primórdios do habeas-corpus, e ninguém jamais ouvira falar de um exotismo como “direitos humanos” |
Um
delegado da Polícia Federal é encarregado de investigar o vazamento à imprensa
de uma informação oficial. Escolhendo um atalho, ele resolve pedir a quebra do
sigilo telefônico do jornalista que publicou a notícia, e uma procuradora da
República concorda com a iniciativa. Em Brasília, a juíza do caso aceita o
pedido e quebra o sigilo telefônico do jornalista. É uma violação flagrante do direito constitucional de manter fontes
jornalísticas em segredo.
Em
uma escola do Rio de Janeiro, uma faixa em que se lê “Fora Temer” é colocada no
portão de acesso à instituição. O pai de um aluno sente-se ofendido com a
mensagem e recorre à Justiça. O juiz afirma que os dizeres da faixa indicam uma
“doutrinação política e ideológica” e manda removê-la das vistas dos alunos. É uma violação flagrante da liberdade de
expressão.
Há
uma máxima segundo a qual uma autoridade só abusa do seu poder quando tem poder
demais. No Brasil de hoje, como se constata nos exemplos relatados acima,
pode-se até dispensar o requisito do poder excessivo. Mesmo com os poderes regulares, autoridades como delegados,
procuradores e juízes, para ficar nos casos em questão, extrapolam os limites
de suas funções e tomam decisões abusivas, ilegais, esdrúxulas.
É
um sintoma perigoso para qualquer regime democrático e, entre nós, infelizmente
não é algo acidental. Tome-se o festejado pacote
anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal e referendado por 2
milhões de assinaturas de cidadãos brasileiros, certamente tão
bem-intencionados quanto os próprios procuradores. O pacote lista medidas altamente positivas, mas esbarra em absurdos
autoritários. Entre eles, admite a apresentação de provas ilícitas contra o
acusado desde que colhidas de “boa-fé” e, pior ainda, reduz o alcance do habeas-corpus,
cuja essência é manter o direito de ir e vir a salvo do arbítrio, do abuso de
poder.
O
princípio central do habeas-corpus já existia na Inglaterra de Henrique II, em pleno século XII,
quando ninguém jamais ouvira falar em um exotismo chamado “direitos humanos”.
E, no entanto, os procuradores
brasileiros do século XXI acham que esse instrumento de nove séculos deve ser
limitado — numa era presidida pela noção de direitos humanos. O que há de
errado com eles?
O juiz Sergio Moro, que tem prestado
notáveis serviços no combate à corrupção pública, escreveu uma carta ao jornal Folha de S. Paulo para protestar contra um artigo que lhe
assestava críticas duríssimas — como se isso fosse inadmissível. Na carta,
Moro manifestou surpresa pelo fato de o jornal ter dado espaço a artigo com
“opiniões panfletárias-partidárias” impregnadas de “preconceito e rancor” e
achou ainda mais surpreendente que o autor do texto, o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite,
fizesse parte do conselho editorial do diário.
É desnecessário dizer que o
físico — e o padeiro, o músico, o banqueiro — tem direito de fazer as críticas
mais ácidas à atuação de uma autoridade pública, ainda que a autoridade em
questão seja o juiz Moro, cujo trabalho reacendeu a esperança nacional no fim
da histórica impunidade em relação aos crimes dos fortes.
Toda autoridade precisa ser
vigiada, contida nos excessos, precisa saber ouvir críticas, servir a quem lhe
paga o salário.
O único agente público que pode desfrutar de muito poder é o povo. Atribui-se a
Thomas Jefferson (1743-1826) afirmação que ele possivelmente nunca fez, mas
cujo conteúdo é oportuno lembrar: quando
o povo teme o governo, há tirania; quando o governo teme o povo, há liberdade.
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