«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A graça de um papa como Francisco

França, Itália, Europa e a graça de Francisco

Eugenio Scalfari
Jornal “La Repubblica” – Roma (Itália)
22-11-2015

Papa Francisco. Nunca houve um papa como ele. Digo mais: um Pastor, um Profeta, um revolucionário: em nome da sua fé e em cerca de dois bilhões de cristãos que habitam o planeta, deslocados em quase todos os continentes.
PAPA FRANCISCO: recordando que Deus é Misericórdia!

Nestes dias turbulentos, todos nos fazemos muitas perguntas: por que ocorrem fatos tão horríveis, massacres de inocentes, decapitações transmitidas pela televisão, medo das pessoas, serviços secretos mobilizados, bombardeios aéreos, vigilância inutilmente reforçada, na Europa, na Bélgica, no Iraque, na Síria, na Turquia, no Egito, no Líbano, no Mali, em Bangladesh, em meio mundo, com previsões de outros tantos horrores na Itália do Jubileu?

Eu também estou profundamente chocado e preocupado, mas não surpreso, e a razão é esta: eu sei há algum tempo que a história da humanidade, desde que ela existe, é dominada pelo poder e pela guerra. O amor e a paz são dois sentimentos alternativos que, de vez em quando, interrompem os dois primeiros, mas são interrupções breves, pausas de repouso muitas vezes abaladas. Dentro de muitos de nós, o amor e a paz são sentimentos permanentes, mas o poder e a guerra sempre têm a melhor em toda a parte, em qualquer época, em qualquer país e em qualquer tempo. E o motivo é simples: nós, ao contrário de outros seres vivos, temos um "ego".

E esse "ego", assim que nasce dentro de nós, precisa ter absolutamente um território seu, conquistá-lo, defendê-lo, ampliá-lo. Precisa emergir em todos os níveis sociais e tenta fazê-lo como pode, seja pobre ou rico, de pele negra ou branca ou mulata, homem ou mulher.

Os animais, para satisfazer as suas necessidades primárias, também devem lutar para conquistar a presa, presa também eles de outros animais. Poder e guerra também são para eles instintos dominantes, mas não são conscientes disso. Nós sim, nós somos "ego" em cada instante da nossa existência, e esse é o motor que nos anima e determina o nosso destino. O Fatum [o Destino]. Lembram-se? Os deuses olímpicos da cultura grega levavam a melhor não só sobre os homens, mas também sobre outros deuses.

Zeus sabia que devia respeitar o Destino que era muito mais do que um deus: era a lei que domina o Cosmos e, portanto, poder e guerra, a lei da natureza é essa. O antídoto não é o amor e a paz, que, como eu já disse, são intervalos breves, pausas de repouso; mas é a liberdade, a liberdade consciente. E a beleza não como ideal romântico, mas lírico e profundamente evocativo: a música, a dança, o conhecimento.

Liberdade e beleza, esses são os valores, onde o "ego" não é apagado, de fato, mas, ao contrário, potencializado e afastado da busca do poder, resgatado pela perversão da guerra e guiado para aquele além-do-homem que, no Zaratustra de Nietzsche, é o último e mais excelso nível que a nossa espécie pode alcançar e que deveria unir todos os homens de boa vontade. 
A EUROPA, OS ESTADOS UNIDOS E A CULTURA OCIDENTAL
são os alvos preferidos e prioritários do Estado Islâmico

A Europa é hoje o objetivo do terrorismo liderado pelo Estado Islâmico que, doravante, chamaremos de Califado. Nós somos apenas o seu alvo, eles atacam onde quer que possam, mas é a Europa o terreno escolhido e com ela os Estados Unidos da América. Enfim, o Ocidente, a civilização ocidental em todas as modalidades que essa civilização exprime, nas suas religiões, na sua economia, nos comportamentos das pessoas comuns e de suas classes dirigentes.

O Califado é, por sua vez, uma classe dirigente composta por poucas pessoas, não mais que uma centena, em grande parte proveniente:
  • do exército iraniano de Saddam Hussein,
  • dos muezim afegãos,
  • dos talibãs doutrinados por Bin Laden e pela Al Qaeda; árabes sobretudo, mas também
  • paquistaneses e sauditas.

Bin Laden, a quanto se saiba, era profundamente religioso, mas os dirigentes que compõem o Califado não o são absolutamente, mesmo se fingem sê-lo. As células que o Califado dirige têm, talvez, um verniz de religiosidade fundamentalista. O seu grito de guerra é “Alá Akbar” [Deus é grande!] e muitos deles chegam ao ponto de se explodirem sonhando com um além onde as virgens lhes aguardam como prêmio. Mas a grande parte dos terroristas espalhados pela Europa não tem qualquer vocação religiosa. São os jovens das periferias, a segunda ou terceira geração dos subúrbios que não puderam ou não desejaram integrar-se com a sociedade com a qual convivem. Alguns estudaram, outros não, mas todos se sentem enganados, muitos recorrem à droga e/ou à aventura, ao ódio, às armas, são estes o seu modo de sobrevivência, mais a exclusão aumenta, mais a polícia torna-se a inimiga deles, mais é fácil recrutar-lhes para os mensageiros do Califado.

Os subúrbios são o terreno de cultura dos terroristas e o “Eu” joga aqui a sua mais secreta e perversa partida. O “Eu” dos excluídos reclama uma satisfação, um território psicológico, a esperança de não ter medo, mas de incuti-lo nos outros. Sejam esses outros cristãos ou ateus ou islâmicos, mas integrados e não excluídos: estes são o seu alvo. Alvos anônimos, não os conhecem, mas são, de todo modo, outros e diversos deles e, portanto, para matar. Para difundir o medo e satisfazer, assim, o seu horrível “Eu”.
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Abu Bakr al Bagdadi - se autoproclamou Califa - é o líder supremo do Estado Islâmico

Observando bem, também o “Eu” do Califa e de seus companheiros é bastante desenvolvido, deseja poder, riqueza, prazeres. Deriva da Al Qaeda, mas é bem diferente em relação a Bin Laden. Cruel tanto quanto ele ou mais que ele, mas extremamente mais sofisticado. Não é de todo impossível que se torne um verdadeiro e próprio Estado árabe sunita. No fundo, Ibn Saud* começou assim a sua carreira e transformou uma tribo em um reino entre os mais poderosos do Oriente Médio. A sua família já conta com cerca de trezentas pessoas, possui muitos bancos, empresas, alianças de negócio em todo o Ocidente, na França, na Inglaterra, na Itália, na América, na Alemanha, em todos os lugares. Detesta os xiitas, mas se distingue também dos sunitas. Entre os chefes do Califado é um exemplo a ser imitado e, talvez, a ser conquistado. Sem sangue, possivelmente. O sangue escorre em outros lugares.

Devido o fato da França ser o principal terreno de batalha do Califado e das suas milhares de células europeias, essa nação, além de contar com o maior número de vítimas inocentes, assumiu a condução da Europa. O presidente Hollande compreendeu imediatamente que, infelizmente para os franceses, o papel de líder da Europa era o aspecto politicamente e, mesmo, economicamente positivo e ele demonstrou de sabê-lo assumir perfeitamente, a partir dos símbolos até a concreta ação política.

Entre os símbolos, há um que, pessoalmente, me comove não somente agora, mas desde sempre, toda vez que acontece de escutá-la: La Marseillaise [A Marselhesa]**, hino nacional até agora, mas europeu no período das guerras contra as monarquias absolutas da Europa, quando a grande Revolução liderada pelos girondinos e por Danton bloqueou a invasão dos monarcas europeus e o exército republicano comandado por Kellerman venceu a batalho de Valmy.

Toda vez que na França há um atentado, o povo se reúne nas praças e entoa a Marselhesa enquanto, contemporaneamente, a canta a Assembleia Nacional. Assim ocorreu após o atentado ao Charlie Hebdo, mas agora é cantada pelos jogadores de futebol antes do início das partidas em muitos países europeus, foi entoada em Londres na Câmara dos Comuns no salão de Westminster, na Itália em uma espécie de sessão conjunta das Câmaras, enfim, transformou-se em um hino europeu no lugar do Hino à Alegria da sinfonia de Beethoven.
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Jogadores cantam o hino nacional francês: A Marselhesa

Por fim, há outro personagem que é fundamental para superar essa trágica situação: o Papa Francisco. Nunca houve um papa como ele. Digo mais: um Pastor, um Profeta, um revolucionário: em nome da sua fé e em cerca de dois bilhões de cristãos que habitam o planeta, deslocados em quase todos os continentes.

Francisco apela ao Deus único. Todas as religiões monoteístas devem se irmanar em nome do Deus único, que não é e não pode ser um Deus vingativo, mas é um Deus misericordioso e, como tal, deve ser adorado pelos fiéis dessas religiões, começando, obviamente, pelos cristãos, pelos muçulmanos, pelos judeus.

O Alcorão fala de "morte dos infiéis" e oferece aos fundamentalistas um pretexto para encobrir as suas ações criminosas com algumas passagens corânicas. Mas eles esquecem que o seu profeta Maomé, construtor da religião islâmica, colocou como primeiro ponto de referência Abraão.

No topo do Islã, portanto, está Abraão, que escutou da voz do Senhor a ordem de sacrificar o seu filho, Isaac. Essa ordem abalou o coração de Abraão profundamente, mas a sua fé o forçou à obediência: ele levou o seu filho consigo a uma colina e, ali, olhando para o céu acima dele, puxou uma faca das suas vestes para matar o filho, como lhe tinha sido ordenado por Deus.

Mas, naquele momento, a voz de Deus o deteve: "Eu queria ver a força da tua fé, mas eu quero que Isaac viva feliz, como eu e contigo. Acaricia-o, educa-o, e vocês dois serão por mim amados e iluminados".

Esse é o Deus de Abraão e de Isaac, e é um Deus misericordioso. Por isso, são blasfemos e condenáveis os terroristas do Califado que invocam Alá e, no Seu nome, matam centenas de Isaac, filho de Abraão e amado por Alá Akbar. O único Deus, que os judeus chamam de Javé ou Elohim, e os cristãos chamam de Pai.

É isso que Francisco prega, e esse é o tema do Jubileu da Misericórdia. A sua palavra, em um momento como este, é dirigida especialmente aos islâmicos, para que reconheçam o seu Deus misericordioso, que é o mesmo que todas as religiões monoteístas deveriam venerar.

* Abdalazize ou Abd al-Aziz Al Saud, mais conhecido como Ibn Saud (Riade, 24 de novembro de 1880 – Taif, 30 de Novembro de 1953), foi rei do Hijaz e do Nedj entre 1926 e 1932 e o primeiro rei da Arábia Saudita entre 1932 e 1953. Na historiografia saudita, ele é chamado o primeiro rei do terceiro estado Saudita (o primeiro durou de 1744 a 1818, e o segundo de 1819 a 1891). Ibn Saud era membro da família Al Saud que tinha governado praticamente toda a Arábia durante os cem anos anteriores ao seu nascimento. Porém, quando Ibn Saud nasceu a sua família tinha perdido a sua relevância em detrimento da família Al Rashid e este foi obrigado a exilar-se quando era ainda uma criança no Kuwait, onde cresceu na pobreza. Decidido a reconquistar as terras que a sua família tinha perdido, organizou com cerca de vinte homens a tomada de Riade. A cidade, que era dominada pela família Al Rashid, foi tomada em 1902. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, os ingleses reconheceram-no como emir de Hasa e de Nedj. Entre 1913 e 1926, Ibn Saud tomou Al-Hasa, o resto do Nejd e Hijaz (Fonte: Wikipédia).

** A Marselhesa foi composta pelo oficial Claude Joseph Rouget de Lisle em 1792, da divisão de Estrasburgo, como canção revolucionária. A canção adquiriu grande popularidade durante a Revolução Francesa, especialmente entre as unidades do exército de Marselha, ficando conhecida como A Marselhesa. Seu título era originalmente Canto de Guerra para o Exército do Reno. O hino foi composto a pedido do prefeito de Estrasburgo, Philippe-Frédéric de Dietrich, dias depois da declaração de guerra ao imperador da Áustria, em 25 de abril de 1792. O canto deveria ser um estímulo para encorajar os soldados no combate de fronteira, na região do rio Reno (Fonte: Wikipédia - neste link encontra-se, também, a letra completa em francês e a tradução em português).

Acesse a versão original, em italiano, deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 23 de novembro de 2015 – Internet: clique aqui.

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