«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O QUE PENSAR SOBRE A DIVULGAÇÃO DE NOVOS ESCÂNDALOS NO VATICANO?

O novo Vatileaks: contas secretas, astúcias
e gastos faraônicos

Giacomo Galeazzi
Vatican Insider
04-11-2015

A revolução da sobriedade de papa Francisco tem muitos pesos nas asas.
Os documentos contidos nos livros VIA CRUCIS, de Gianluigi Nuzzi, e AVARIZIA, de Emiliano Fittipaldi, iluminam realidades inéditas e narram outras que já tinham vindo à tona nos últimos meses. 
Título do mais recente livro do jornalista italiano GIANLUIGI NUZZI:
"VIA CRUCIS - A partir de gravações e documentos inéditos,
a difícil luta de Papa Francisco para mudar a Igreja"

Documentos reservados sobre a riqueza, os escândalos e as inconsistências entre a “Igreja pobre e para os pobres” de Bergoglio e o ritmo real da vida no Vaticano de hoje. Em conjunto, os livros traçam com tons obscuros um panorama inquietante. Desde os enormes apartamentos de 500 metros quadrados dos cardeais da cúria até o “tesourinho” eclesiástico de 4 bilhões de euros em propriedades imobiliárias. Segredos que não foram considerados tão reveladores sobre a situação do Pontificado a ponto de merecer um pré-lançamento por parte dos principais meios de comunicação dos Estados Unidos, que nunca dão descontos à Igreja. Eles não encontraram nada de novo neles ou nenhum dado alarmante.
GIANLUIGI NUZZI
Jornalista italiano investigativo, nascido em Milão, 1969, autor de vários livros
sobre escândalos no Vaticano

Casos novos dignos de nota

Algumas situações já eram do conhecimento de todos. Por exemplo, o luxuoso apartamento do ex-secretário de Estado Tarcisio Bertone, a má gestão da saúde católica desde a Idi até o Hospital do Padre Pio em San Juan Rotondo, passando pelos conflitos internos pela gestão das finanças vaticanas na cúpula vaticana (cardeais: Pell, Calcagno, Parolin). A este quadro descrito pelos meios de comunicação nos últimos meses, o livro de Nuzzi acrescenta gravações de encontros reservados entre prelados e o Papa (“os custos estão fora de controle, existem armadilhas”, disse Francisco).

Balanços não oficiais, campos propícios para a corrupção e a criminalidade. Além disso, não são nenhuma novidade as:
  • pompas das hierarquias,
  • a fábrica de santos,
  • as esmolas dos fiéis que não serão destinadas à beneficência,
  • o buraco negro das aposentadorias ou
  • os venenos daqueles que sabotam as reformas.

Na pesquisa de Fittipaldi fala-se de dinheiro, imóveis, esbanjamentos. Mas também de negócios sujos e de privilégios. O IOR [espécie de “banco” do Vaticano], que se ocupa da gestão de quatro fundos de caridade, não deu nem em 2013 nem em 2014 um único euro aos necessitados ou à solidariedade, apesar de ter ativos de dezenas de milhões de euros.
 
Título do livro mais recente do jornalista italiano Emiliano Fittipaldi:
"AVAREZA: os papéis que revelam riqueza, escândalos e segredos
da Igreja de Francisco"
Gastos na cúria

Pequenas astúcias que se convertem em negócios. Como os combustíveis: garantem enormes margens de lucro, escrevem os analistas da Ernst&Young. Como se sabe, no Vaticano há dois postos de combustíveis, e o preço para os clientes é 20% menor em relação ao preço cobrado na Itália. Fittipaldi reconstrói o marco geral: há 550 cartões de crédito que permitem comprar gasolina: 1.800 litros ao ano, 27 mil usuários. Muitos não estão autorizados. Mas não há apenas dois novos livros que fazem surgir novos escândalos financeiros na cúria.

Suspeitas sobre a APSA

De acordo com o documento interno, publicado pela agência Reuters, a APSA (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica) teria sido utilizada para lavar dinheiro de procedência duvidosa do Banco Vinnat, de Giampietro Nattino, o banqueiro sobre o qual o agente imobiliário Stefano Ricucci disse em um interrogatório do Ministério Público: “Quem é Nattino? Você quer que me matem hoje? Esqueça. Eu digo por mim mesmo, mas se quiser continuar, faça-o. Faça o que achar melhor, mas protejam 600 pessoas. E quem vai me proteger?”.

Dois milhões de euros teriam sido transferidos para a Suíça poucos dias antes que o Vaticano impusesse novas normas contra a lavagem de dinheiro e vigiasse minuciosamente as transferências. De maio de 2000 até o dia 29 de março de 2009, a carteira [conta corrente] “339” era de Nattino. A origem e o destino dos fundos seriam “duvidosos”, pode-se ler no relatório dos investigadores vaticanos, que tem 33 páginas. Esta informação foi repassada depois para os investigadores italianos e suíços, para que pudessem, por sua vez, verificá-la.

A APSA ocupa-se também das finanças e dos fundos da Santa Sé. Um caixa forte que ainda está sob a lupa. 
EMILIANO FITTIPALDI
Jornalista investigativo italiano, nasceu em Nápoles, em 1974, trabalha atualmente para a revista
"L'Espresso" da Itália
Traduzido do italiano por André Langer. Acesse a versão original deste artigo clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 5 de novembro de 2015 – Internet: clique aqui.

“Vatileaks? O Papa desfez equilíbrios atávicos, talvez corruptos, e há reações pesadas”

Entrevista com Andrea Riccardi
Historiador da Igreja e fundador da Comunidade de Santo Egídio

Andrea Carugati
L’Huffington Post – Itália
03-11-2015

«Esta crise não existe e não existirá» 
ANDREA RICCARDI
Historiador italiano da Igreja e fundador de uma associação leiga dedicada à promoção da paz e da justiça:
"Comunidade de Santo Egídio"

«Não há dúvida, também neste caso, como aconteceu no último ano do pontificado do Papa Bento XVI, há aqueles que de dentro querem construir um cenário de “crise de governo” no Vaticano. Penso na fuga de notícias, mas também as alusões à saúde do Papa. Mas acho que esta crise não existe e não existirá».

Mais uma vez temos a fuga de notícias. Parece que nada mudou...

Andrea Riccardi: Um velho vaticanista commo Benni Lai dizia que no Vaticano há muita fofoca porque os padres não têm em casa mulher para poder conversar sobre o que ocorreu no trabalho... mas, é claro, trata-se de uma explicação muito leve para descrever o que realmente está acontecendo. Desenha-se um cenário, que me parece, não corresponde ao que é verdadeiro, que visa dar uma ideia de um Vaticano sem um governo forte, ou então, que seja impossível reformar.

Acho que aconteceram coisas graves, mas circunscritas. E, sobretudo, relativas à esfera econômica sobre a qual se abateu a foice de Francisco. O Pontífice mexeu com equilíbrios atávicos, algumas vezes, corruptos, e isto suscitou reações pesadas no interior da Cúria. Os documentos que estão no centro das fugas de notícias são todas de tipo econômico e isto confirma que o desafio se dá neste terreno. É aqui que está a areia movediça. Daqui é que se fala de uma crise de governo ou de um Papa que não sabe escolher as pessoas certas. O Papa governa de maneira forte e com sucesso, mas podem acontecer incidentes.

As duas pessoas presas foram nomeadas durante o seu pontificado...

Andrea Riccardi: A senhora Chaouqui não tinha uma posição tão importante que tivesse de ser escolhida pelo Pontífice. Quanto ao padre Vallejo Balda, ele já estava na Cúria e o seu nome foi sugerido pelo então arcebispo de Madri (cardeal Rouco). Mas o Papa não o quis como número dois de Pell (o cardeal “ministro da Economia do Vaticano”). Assim, não se pode falar de nomeações erradas, ainda que isto também possa acontecer... 
PADRE LUCIO ÁNGEL VALLEJO BALDA e FRANCESCA CHAOUQUI
Ambos investigados por vazamento de documentação sigilosa referente
à administração econômica do Vaticano

Mas parece haver uma forte contradição entre a espiritualidade da Igreja de Francisco e estes fatos tão terrenos...

Andrea Riccardi: A contradição existe. O Vaticano é uma grande administração internacional, feita por homens, uma grande instituição com as suas debilidades. Mais ainda: é composta por tipos humanos muito diferentes, filhos de culturas, mentalidades e hábitos diferentes. Uma Cúria muito variada, filha de uma internacionalização que substitui a precedente, toda italiana. Uma instituição sujeita às mesmas leis das classes dirigentes e burocráticas do mundo, que nem sempre são de tão alto nível... acrescento que esta Cúria não está no Céu mas em Roma, e o clima que se respira nesta cidade, certamente, não é o melhor...

Antes o senhor falava da reforma da Cúria. Em que direção se moverá esta reestruturação?

Andrea Riccardi: Não é necessária somente uma reforma das estruturas ou do seu conjunto, mas também de uma revolução no recrutamento: é preciso ter a presença de mais mulheres e leigos na máquina administrativa. A burocracia é ainda muito clerical.

A senhora Chaouqui é uma mulher e leiga, mas o seu perfil, inclusive nas colunas sociais, parece ser pouco idôneo para a Igreja...

Andrea Riccardi: Não a conheço, mas recordo que ela não tinha um posto importante. Até agora o recrutamento é feito por cooptação clerical e isto é um limite. São necessárias regras: se numa grande empresa são revelados documentos reservados, imediatamente se demite.

O Vaticano nunca será uma simples empresa...

Andrea Riccardi: Mas chegou o momento de superar este ar de segredo que circunda o Vaticano. João Paulo II dizia que o segredo pontifício é conhecido por todos em Roma, menos pelo próprio Papa. Acho que a reserva deve ser mantida sobre algumas questões, mas sobre todo o resto deve haver mais publicidade e transparência. Caso contrário, qualquer folheto de um cardeal torna-se um caso...

Acho que Francisco, com o seu estilo de vida parco e com o discurso sobre a “esclerose” da Cúria romana, está indo nesta direção, ou seja, na direção do fim de uma ideia principesca destas funções. Ou seja, naquele discurso temos o programa do Pontificado, e é neste terreno que se colocam estes incidentes e talvez outros que acontecerão. É um caminho difícil.

É aqui que residem os riscos de uma “crise de governo” inclusive dentro da maioria que elegeu Bergoglio?

Andrea Riccardi: Sem dúvida, há muitas resistências. Pessoalmente, não ouvi bispos falar criticamente do Papa. Assim, acho que, hoje, há somente a vontade de prospectar este cenário, pois o seu governo é muito forte.

Pelo que se sabe de algumas antecipações do livro Avarizia [trad.: Avareza] do jornalista Fittipaldi, emerge que o apartamento do cardeal Bertone foi reformado com o dinheiro de uma fundação destinada a recolher fundos para o Hospital Bambin Gesù. São instantâneos que mostram uma Igreja opulenta, muito distante do espírito franciscano.

Andrea Riccardi: Uma coisa é a Igreja italiana, uma outra é o Vaticano. E a primeira, certamente, está melhor que a segunda. Não conheço o caso do Bambin Gesù, mas recordo que já Paulo VI tentou reorganizar a máquina econômica do Vaticano, mas houve o caso Marcinkus, muito mais grave do que o Vatileaks. Não é mistério que no último pré-conclave [reunião dos cardeais para se escolher o novo papa], no centro da discussão estava a exigência de mexer na máquina econômica...
 
Livros publicados nesta semana na Itália reportando condutas
suspeitas e pouco éticas de altas autoridades do Vaticano na condução da
administração econômica da Santa Sé.
A fonte para os livros teria sido documentos e gravações extraídos de
modo irregular e ilegal do Vaticano!
Permanece a sensação, amarga, de um Vaticano como qualquer conselho regional. Com despesas loucas...

Andrea Riccardi: A riqueza do Vaticano é um mito. Uma só diocese como a de Colônia, na Alemanha, é mais rica que o Vaticano... Quanto aos cardeais, ganham cinco a seis mil euros por mês. Isto é muito menos do que o estipêndio dos embaixadores e prefeitos. Não me parece que se possa descrevê-los com nababescos...

O senhor acha que nos últimos acontecimentos há um papel peculiar do Opus Dei?

Andrea Riccardi: Absolutamente, não. Citar sempre o Opus Dei faz parte da criação de um cenário à la Dan Brown [escritor norte-americano, autor do livro Código Da Vinci], que sempre está prospectando uma crise de governo. Um cenário alimentado por pessoas cansadas deste Pontificado, na Cúria e no mundo católico. Acho que há processos diferentes dentro do mesmo laboratório, mas Bergoglio na sua vida passada demonstrou que é capaz de colocá-los em ordem...

Traduzido do italiano por IHU On-Line. Acesse a versão original deste entrevista, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 4 de novembro de 2015 – Internet: clique aqui.

Teologia e instituição:
Francisco e o Vatileaks 2.0

Massimo Faggioli*
L'HuffingtonPost.it
04-11-2105

Papa Francisco se sente imbuído de dois mandatos:
o primeiro dado pelos cardeais que o elegeram – reformar e limpar a Cúria Romana e
o segundo dado pelo “povo de Deus” de conduzir a Igreja a um caminho mais evangélico e misericordioso, menos institucional.
MASSIMO FAGGIOLI
Doutor em História da Religião e professor de História do Cristianismo no
Departamento de Teologia da University of St. Thomas, de Minnesota, Estados Unidos

Que a Cúria Romana é sinônimo de escândalos não é um fato novo. Em si mesma, a Cúria Romana é quase um gênero literário, mesmo antes de Lutero. O que é novo é a relação entre o papa e a Cúria Romana – e isso não depende dos detalhes sobre esta ou aquela revelação contida nos documentos furtados.

Há questões sobre as quais Bergoglio age por mandato quase explícito do conclave que o elegeu:
  • a reforma da Cúria Romana,
  • a transformação do IOR,
  • a limpeza daqueles que, na Igreja, em todos os níveis, manuseiam grandes quantidades de dinheiro.

Sobre essas questões, o Papa Francisco não tem dificuldade de invocar e mencionar explicitamente o consenso que emergiu entre os cardeais antes da sua eleição. O problema, até mesmo para alguns daqueles que o elegeram, é a profundidade e a radicalidade com que Francisco está interpretando esse mandato.

Bergoglio age e fala sem escrúpulos, mas sobretudo governa a Igreja "etsi Curia non daretur" [como se a Cúria não existisse], com um substancial apoio externo que lhe vem da autoridade e popularidade adquiridas nesses dois primeiros anos de pontificado.

Mas há outras questões sobre as quais o Papa Francisco atua para além ou sem um mandato explícito proveniente do conclave: viu-se isso no Sínodo, se verá isso no Jubileu (um jubileu que se anuncia muito mais austero do que os anteriores).

Nesse sentido, é evidente que o Papa Francisco age por força de dois mandatos diferentes:
  • o mandato do conclave: o de uma limpeza e uma reforma, mas sem exagerar ("Adelante, Pedro, con juicio", como dizia o chanceler Ferrer em Os noivos) e
  • um mandato que impropriamente poderia ser chamado de "popular" (divorciados recasados, homossexualidade, desideologização da Igreja).

Os dois mandatos não coincidem na mente de alguns eleitores do papa, e aqui estão, provavelmente, as raízes dos tremores secundários dirigidos à pessoa do papa (a carta dos cardeais no início do Sínodo, a falsa notícia sobre a sua saúde etc.).

Do ponto de vista da história da instituição da Cúria Romana, é muito interessante ver como Francisco está procedendo para separar não só a si mesmo de certos personagens, mas também para separar o primado do papa da Cúria Romana – uma Cúria que, por um longo tempo, fez-se escudo do primado do papa para fazer de tudo e até mais (inclusive teologicamente e não só para estranhos manejos financeiros e políticos).

Francisco vê as duas questões
  • moralização da Igreja no uso dos recursos e nos estilos de vida dos seus pastores, e
  • reorientação da Igreja em um sentido mais evangélico e menos institucional

como intimamente ligadas entre si. É uma das coisas mais óbvias e, ao mesmo tempo, mais difíceis.

É um desafio do qual foram poupados (por muitos motivos: uma relação diferente entre Igreja e política italiana e internacional, um sistema de informação diferente, uma era anterior ao escândalo dos abusos sexuais etc.) os pontificados até o Vaticano II (João XXIII e Paulo VI).

Os dois pontificados do pós-Vaticano II (João Paulo II e Bento XVI), porém, geriram de modo separado a questão institucional (interna) e a moral (a mensagem). Hoje, Francisco paga a conta por essa gestão, e isso joga uma luz sobre a crise que o pontificado tem desencadeado em alguns católicos ultraortodoxos (especialmente nos Estados Unidos, onde eu vivo e leciono).

Na Igreja de Francisco, o problema teológico parece ser (para aqueles que são contrários às reformas à luz da pastoralidade de Bergoglio) a relação entre "doutrina" e "pastoral": são contrários porque veem a pastoralidade como enfraquecimento da doutrina, como se a doutrina possa ser independente do cuidado das almas.

Mas, para muitos escapa que há outra dimensão típica desse pontificado: com Francisco, estamos diante de uma nova relação entre teologia e instituição. Como eu escrevi em um artigo (muito longo), publicado em uma revista norte-americana no mês passado, ao longo dos últimos 50 anos, as mudanças na teologia da Igreja tiveram muito pouco impacto na estrutura da instituição, especialmente na Cúria Romana.

Francisco foi eleito no momento de crise mais evidente que surgiu daquela insalubre independência da instituição de uma sã teologia da Igreja. Foi isso que intuiu, ao renunciar, Bento XVI, preenchendo com essa decisão um atraso de 50 anos de duração.

Com todo o respeito por aqueles que acusam Bergoglio de ter trazido uma "guerra civil" na Igreja, foi Bento XVI e não o Papa Francisco que submeteram a Igreja a uma terapia de choque (e os católicos nunca deixarão de ser gratos a ele por isso).

A se julgar por tudo o que Francisco diz e faz hoje, é evidente que, para o primeiro papa plenamente pós-conciliar como Bergoglio, esse problema de separação entre teologia e instituição é muito claro. Uma reforma da Igreja em sentido "conciliar" (do Concílio Vaticano II) também significa coisas muito concretas e tangíveis, como, por exemplo, a gestão do dinheiro e da relação entre Igreja e política.

Basta ler o "Pacto das Catacumbas" [clique aqui – o texto encontra-se ao final da matéria], que permeou a Igreja latino-americana. Ele foi assinado por um grupo de bispos, nas catacumbas de Domitila, no dia 16 de novembro de 1965, às margens do Concílio Vaticano II.

O chamado "Vatileaks 2.0", a seu modo, é celebração e lembrança do Pacto das Catacumbas e da Igreja que virá.

* Massimo Faggioli, é historiador italiano, professor de História do Cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos Estados Unidos.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 5 de novembro de 2015 – Internet: clique aqui.

“Francisco assusta muitos. Essas manobras tem inspiradores até mesmo fora do Vaticano.”

Entrevista com Francesco Coccopalmerio
Cardeal e presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos

Orazio La Rocca
Jornal “La Repubblica” – Roma (Itália)
04-11-2015

Para o cardeal "ministro da Justiça" da Santa Sé, "querem fazer com que se veja que tudo vai mal para enfraquecer a figura do Santo Padre".
CARDEAL FRANCESCO COCCOPALMERIO
Presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos - Vaticano

Cardeal Coccopalmerio, duas pessoas presas no Vaticano, com a acusação de terem roubado documentos confidenciais. O que acontece do outro lado do Rio Tibre ? É só um roubo "banal" de segredos de ofício ou é uma manobra para condicionar o Papa Francisco?

Cardeal Coccopalmerio: «Eu não saberia dizer, pois não tenho elementos diretos para julgar. Mas certamente se trata de uma história que faz mal, desagrada a todos, começando pelo Santo Padre. Mas uma coisa é certa: o papa não vai se deixar condicionar por ninguém. Embora episódios semelhantes levem a pensar e a se perguntar se essas duas pessoas agiram sozinhas ou se foram manipuladas por alguém. É legítimo se perguntar, neste momento, quem está por trás do que aconteceu. Até mesmo fora do Vaticano.»

Fino jurista, colaborador durante anos do cardeal Carlo Maria Martini em Milão, o cardeal Francesco Coccopalmerio é o presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, quase uma espécie de "ministro" da Justiça vaticana. Muito estimado pelo Papa Francisco, o purpurado, mesmo sem esconder "dor e decepção com o que aconteceu", diz estar convencido de que "o processo de renovação, de limpeza e de transparência iniciado pelo pontífice não vai sofrer desacelerações, porque nenhuma manobra, embora dolorosa, poderá pará-lo".

Eis a entrevista.

No entanto, as duas novas prisões, mas também as falsas notícias sobre a saúde do papa, a revelação da carta de "lamentações" escrita a Bergoglio por 13 cardeais durante o Sínodo ou a admissão pública de ter um companheiro gay feita por um prelado do ex-Santo Ofício, levam a pensar que Francisco deve se guardar seriamente do Palácio. O senhor não acha?

Cardeal Coccopalmerio: É verdade, trata-se de acontecimentos que levam a pensar. Mas eu não generalizaria. Ao contrário, o Santo Padre talvez deva se guardar de alguns, mas certamente não do Palácio inteiro [de toda a Cúria Romana – aqueles que trabalham no e para o Vaticano]. Isso certamente é verdade. Assim como é verdade que é bom começar a ver quem está por trás de outros Palácios, que, de fora do Vaticano, podem ter inspirado certas manobras, porque não há dúvida de que o papa já está começando a assustar alguns. Há um submerso que não conhecemos e sobre o qual é bom começar a prestar atenção. Uma encíclica como a Laudato si', para além dos elogios, certamente tocou os interesses de determinados ambientes. Muitos a aplaudiram, mas a muitos ela incomodou bastante.

A Santa Sé falou de "confiança do Papa traída". Não devemos nos esquecer que os dois presos não pertencem à velha guarda, mas são pessoas chamadas por Francisco para preencher cargos importantes. A suspeita, portanto, de que na própria Cúria alguém visa a desestabilizar a figura do pontífice com manobras pouco limpas realmente tem algum fundamento. O senhor não teme perigos desse tipo?

Cardeal Coccopalmerio: Eu não gostaria de falar sobre tentativas de desestabilização em curso. Com Bento XVI também houve uma história dolorosa de revelação de segredo pontifício. Repito, são casos que fazem mal, até porque dão a impressão, especialmente para quem não conhece diretamente os mecanismos da Santa Sé, de que tudo no Vaticano vai mal e que se tenta enfraquecer a figura do pontífice. Diante desses episódios, o impacto sobre a opinião pública pode ser muito negativo. É compreensível que as pessoas possam se perguntar o que está acontecendo no Vaticano.

Mas como o Papa Francisco reagiu a essas notícias? Se ele se sente cercado e traído, as suas reformas, talvez, poderiam sofrer uma parada. O senhor não teme isso?

Cardeal Coccopalmerio: Certamente desagradou-lhe tomar conhecimento do fato de que alguém roubou documentos confidenciais da Santa Sé para sabe-se lá quais motivos. Mas, conhecendo-o bem, eu sei que ele nunca vai parar. O papa tem coragem, não se deixa condicionar, é um Pai que ama os seus filhos e se deixa amar, e as pessoas entenderam isso imediatamente. Mas ele também é um governador no sentido mais completo do termo e, quando ele está certo de que deve fazer um ato de governo pelo bem da Igreja, ele segue em frente seguro. As dificuldades não o detêm, ao contrário, ele se torna ainda mais forte. E não há nenhuma tentativa de desestabilização que possa bloqueá-lo. É verdade, porém, que são os seus discursos e as suas intuições pastorais, sempre alinhados com a tradição doutrinal da Igreja, que começam a incidir, e talvez alguns tenham medo disso. Como se viu no Sínodo.

No Sínodo, porém, também houve divisões e muitos contrastes.

Cardeal Coccopalmerio: O Sínodo foi um alto momento de debate entre posições até mesmo diferentes, não com choques, mas com debates construtivos. O Santo Padre, depois, sabiamente amalgamou as várias almas com base na sua experiência pastoral. Basta lembrar o que ele disse no seu discurso na conclusão dos trabalhos da última sessão sinodal sobre o conceito de doutrina e pessoa. A doutrina tradicional, lembrou ele, está clara, todos a conhecemos, não precisa ser repetida. Mas se você fizer da doutrina algo de estático, como uma pedra a ser jogada contra alguém, isso pode fazer mal, não está certo. A doutrina, ao contrário, deve calar nos sofrimentos cotidianos das pessoas. Não deve ser estática, distante das pessoas, daqueles que vivem na dificuldade e pedem para ser ajudados e apoiados à luz que vem do Evangelho. Essa abertura foi vista por alguns dos Padres sinodais como um perigo de "sujar" a "pureza" da doutrina. Mas não é assim.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original desta entrevista, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 5 de novembro de 2015 – Internet: clique aqui.

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