«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

ENTENDA O TERROR: Por que Paris? O que é o Estado Islâmico?

O que se sabe sobre os ataques na França

Série de atentados terroristas realizados pelo Estado Islâmico
deixou ao menos 129 mortos
TORRE EIFFEL
O mais importante e famoso símbolo de Paris iluminado com as cores francesas
para homenagear as vítimas dos atentados terroristas.
Foto: Benoit Tessier - REUTERS

Na sexta-feira 13, Paris voltou a ser alvo de um ataque terroristas com múltiplos atentados ocorridos em seis locais. Ao menos 129 pessoas morreram.

Autoridades europeias investigam o caso e buscam suspeitos de realizarem o ataque ou terem conexão com os terroristas. O que já se sabe sobre o caso:

1. Autoria

O Estado Islâmico divulgou um vídeo reivindicando a autoria dos atentados na França

2. Balanço

Segundo procurador-geral francês, 129 pessoas morreram e 352 ficaram feridas, sendo 99 em estado grave

3. Locais atacados

La Belle Equipe, Boulevard Voltaire, Casa de shows Bataclan, Pizzaria La Casa Nostra, Le Carillon e Le Petit Cambodge, Stade de France

4. Terroristas

Ismael Omar Mostefai: francês, 29 anos, se explodiu em Bataclan. Bilau Hadif: estava com 2 homens-bomba no estádio. Ibrahim Salah: se explodiu no Boukevard Voltaire. Ahmad Al Mohammad: francês, 28 anos, atacou o estádio. Samy Aminour: atacou o Bataclan

5. Foragido

França confirmou que busca pelo 8.º suspeito de ter participado dos ataques e lançou uma ordem de busca e detenção contra Abdeslam Salah, de 26 anos, nascido em Bruxelas. Ele teria dois irmãos envolvidos nos ataques também: um preso na Bélgica e um morto

6. Prisões

Sete pessoas foram presas na Bélgica desde sábado em conexão com os atentados. Na França, em 48 horas, 168 operações de busca e apreensão acabaram com 23 presos, 104 em prisão domiciliar e 31 armas apreendidas

7. Mentor

Bélgica e França identificam o suspeito de ser o cérebro dos ataques em Paris: Abdelhamid Abaaoud, 28 anos e nascido em Molenbeek, periferia de Bruxelas. Com origens marroquinas, o jovem era considerado o maior recrutador de europeus para lutar na Síria

8. Veículos

Seat Leon de cor preta: teria sido usado em 2 atentados, na Rue La Fontaine-au-Roi, onde fica a pizzaria, e na Rue de Charonne, onde fica o Le Belle Equipe. Volkswagen Polo preto: encontrado perto da casa de shows Bataclan, usado para levar terroristas

9. Resposta

No domingo 15 de novembro, a França realizou diversos ataques com 10 aviões militares contra posições do EI na Síria

10. Vítimas

Das 129 pessoas mortas nos ataques, 103 já foram identificadas. Uma lista oficial com os nomes ainda deve ser divulgada

11. Alerta

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, diz que novos ataques contra a França e outros países europeus podem ocorrer

Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Internacional – 15 de novembro de 2015 – 10h31 – Internet: clique aqui.

PARA ENTENDER O TERROR!

Estado Islâmico nasceu em 1999 e cresceu
com guerras no Iraque e Síria

DIOGO BERCITO 
ABU MUSAB AL-ZARQAWI
Considerado o "pai" do Estado Islâmico, foi morto em 2006

O pai do Estado Islâmico foi o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, um radical como diversos em sua geração, cuja formação se deu no Afeganistão durante o conflito com a antiga União Soviética.

Em 1999, Zarqawi fundou o Al-Tawhid wa al-Jihad (Monoteísmo e Jihad, em árabe).

Em menos de duas décadas, a organização iria se tornar globalmente conhecida como Estado Islâmico, com um histórico de crucificar crianças, escravizar mulheres e decapitar inocentes.

No período, estendeu seu território no oeste da Síria e no norte do Iraque para algo entre 90 mil km² (uma Jordânia) e 250 mil km² (Reino Unido), conforme a estimativa.

As ações terroristas de Zarqawi foram marcadas pela sua interpretação restrita do que é o islã. Ao contrário de outros líderes fundamentalistas, ele levou ao extremo a ideia de "takfir" –declarar um muçulmano apóstata e, assim, justificar sua morte.

O Iraque, após a invasão americana de 2003, era terreno fértil para a ideologia do Al-Tawhid wa al-Jihad. Ali, a organização passou a se chamar Al Qaeda no Iraque.

Zarqawi aproveitou-se das rivalidades locais para estimular a violência sectária entre sunitas e xiitas. No caos, pensava, triunfaria.

Organizações como a Al Qaeda insistiam em que a criação de um Estado islâmico era um objetivo futuro, quase idealizado. Zarqawi, por outro lado, acreditava que poderia estabelecê-lo a partir da desordem política.

Não à toa a revista oficial do Estado Islâmico hoje cita Zarqawi em todas as suas edições, nas primeiras páginas: "A fagulha foi acendida aqui no Iraque e seu calor vai continuar a intensificar-se, se Deus assim permitir".

Zarqawi foi morto em 2006 por duas bombas lançadas por um avião americano, cada uma pesando 230 quilos. Sua liderança foi herdada por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Baghdadi, por sua vez mortos em 2010.
ABU BAKR AL-BAGHDADI
Atual líder supremo do Estado Islâmico, autodeclarado "califa"

A organização terrorista passou a ser controlada por Abu Bakr al-Baghdadi, uma misteriosa figura com uma biografia ainda carcomida por lacunas. De formação religiosa e passagem pela prisão durante a presença americana, Baghdadi espalhou sua sombra pela região.

Mais uma vez, o caos. A guerra civil na Síria, respingada no vizinho Iraque, lançou a região em novos conflitos sectários a partir de 2011.

Dois anos depois, a organização terrorista trocaria seu nome para Estado Islâmico no Iraque e no Levante.
Samir Abd Muhammad al-Khlifawi (morto em janeiro de 2014),
mais conhecido pelo nome de guerra Haji Bakr

SADDAM

Uma das figuras centrais nesse processo foi Haji Bakr. Antes membro da Inteligência de Saddam Hussein, Bakr estruturou as forças do Estado Islâmico, incluindo ex-militares iraquianos entre os líderes. Ele morreu em janeiro de 2014, no norte da Síria.

Fortalecidos, militantes infiltraram-se em cidades sírias e iraquianas, aproveitaram-se das vistas grossas dos governos regionais e, em junho de 2014, moveram as peças no tabuleiro: conquistaram a cidade de Mossul, no Iraque.

Ali, em 29 de junho, Baghdadi declarou seu califado.

A organização passou a ser chamada Estado Islâmico, agora com pretensão global. Em vestes negras, Baghdadi discursou na Grande Mesquita de al-Nuri. Declarou-se califa de todos os muçulmanos.

Ao dizer-se representante do islã e definir todos os outros governos regionais como apóstatas, o Estado Islâmico tornou-se inimigo de potências como a Arábia Saudita.

Apesar dos bombardeios constantes de forças ocidentais, a organização terrorista mantém o controle territorial.

Financiada por meios que incluem o tráfico de petróleo e a venda de reféns, o Estado Islâmico reúne uma multidão de militantes –cuja estimativa ainda varia enormemente.

Um relatório recente afirma que 30 mil milicianos estrangeiros viajaram à Síria e ao Iraque desde 2011. Alguns deles, descontentes com a exclusão social. Outros, seduzidos pela aventura. Muitos, como o belga Brian de Mulder, filho de uma brasileira, foram convencidos pelo projeto de califado baseado na religião.

Em cidades como Raqqa e Mossul, esses guerreiros vivem a partir de regras restritas que proíbem fumo, mistura entre os sexos e música.

Mas, apesar da ideia corrente de que o Estado Islâmico tenha devolvido a região à Idade Média, seu território é governado por um emaranhado de instituições públicas apropriadas por terroristas a partir das estruturas modernas que existiam ali.

Assim, numa imitação perversa, moedas foram cunhadas, passaportes foram impressos, multas de trânsito foram emitidas e currículos escolares foram modificados.

UTOPIA

O califado islâmico que esses militantes querem estabelecer no Oriente Médio é uma construção idealizada do modelo político surgido no século 7 no que é hoje a Arábia Saudita. O "califa", como explica o próprio termo em árabe, era o "sucessor" do profeta Maomé, que havia unificado a região em torno da religião islâmica.

Invasões e crises dinásticas levaram à constante reformulação de como se poderia administrar uma comunidade de muçulmanos. O califado do século 7 transformou-se, progressivamente, em uma utopia, o espelho de dias de esplendor e justiça.

Diversos pensadores voltaram a essa ideia durante a história. Mas, com o esfarelamento do Império Otomano, no início do século 20, o califado foi oficialmente abolido. E, apesar de Baghdadi, segue extinto para as principais lideranças islâmicas e quase totalidade dos muçulmanos.

Não, porém, para o Estado Islâmico – organização terrorista cujo obituário, diante dos fatos recentes, ainda não pode ser escrito.

Estado Islâmico

A bandeira segue a tradição da cor preta associada aos primeiros anos do islã. Suas palavras dizem “Não há um deus a não ser Deus, e Maomé é seu mensageiro”

O QUE É O ESTADO ISLÂMICO
É uma organização terrorista que declarou, em 29 de junho de 2014, um califado em um território entre a Síria e o Iraque

QUAL É O OBJETIVO
A meta do Estado Islâmico é estabelecer um califado — Estado regido pela lei do islã, a sharia–, e governar todos os muçulmanos 

O LÍDER
Abu Bakr al-Baghdadi. Nascido de família salafista (vertente  estrita do islã). Juntou-se à Al Qaeda no Iraque em 2003 

DE ONDE VEM O DINHEIRO
O EI controla poços e refinarias de petróleo, lucrando com o seu contrabando. Também cobra impostos e obtém dinheiro de resgates

Principais opositores

Estados Unidos, Rússia e França
Têm realizado ataques aéreos em posições do Estado islâmico

Exército iraquiano
Disputa o domínio do país com o Estado Islâmico

Peshmergas (forças curdas)
Defendem cidades curdas dos avanços do EI no Iraque

Exército sírio
Envolvido na guerra civil tem no EI seu mais forte adversário

Cronologia
  • 1999
    O jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, radical envolvido no conflito entre Afeganistão e URSS, funda o Al-Tawhid wa al-Jihad (Monoteísmo e Jihad, em árabe)

  • 20 de março 2003
    Coalizão liderada pelos EUA invade o Iraque para impedir suposto programa nuclear do regime de Saddam Hussein. Guerra durou até 2011, quando governo americano iniciou retirada das tropa

  • 2004
    Zarqawi prega lealdade a  Bin Laden e a organização passa a se chamar Al Qaeda no Iraque (AQI)

  • 2006
    Zarqawi é morto por ataques americanos e Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Baghdadi assumem a liderança do grupo, que passa a se chamar Estado Islâmico no Iraque (ISI)

  • 2010
    Com a morte dos dois líderes, a organização passa a ser conduzida por Abu Bakr al-Baghdadi, que havia sido mantido preso pelos EUA entre 2005 e 2009

  • Março de 2011
    Começa a guerra civil na Síria, que opõe forças do ditador Bashar al-Assad, grupos rebeldes, curdos e radicais islamitas

  • Abril de 2013
    Baghdadi anuncia a fusão entre seus forças no Iraque e na Síria e a criação do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isis na sigla em inglês)

  • Junho de 2014
    Conquista a cidade de Mossul, no Iraque. No dia 29, Baghdadi declara a criação de seu califado
Fonte: Folha de S. Paulo – Mundo – Paris sob ataque – 16/11/2015 – 02h00 – Internet: clique aqui.

Estado Islâmico surgiu da invasão do Iraque pelos EUA, diz autor americano

Entrevista com Todd Green

Claudia Trevisan
TODD GREEN
Professor de religião do Luther College (Iowa - EUA)

O que está na origem do surgimento do Estado Islâmico (EI) não é a religião muçulmana, mas questões políticas relacionadas ao histórico ocidental colonialista, ao apoio dos EUA a regimes autocráticos no Oriente Médio e à invasão americana do Iraque, avalia o professor de religião Todd Green, que acaba de lançar o livro The Fear of Islam: An Introduction to Islamophobia in the West (O Medo do Islã: Uma Introdução à Islamofobia no Ocidente).
“Não podemos contar a história do ISIS separada da política externa dos Estados Unidos”, disse ao Estado, usando uma das siglas pelas quais o grupo é conhecido. Segundo ele, a gênese do EI está na invasão do Iraque pelos Estados Unidos, que abriu caminho para o surgimento da Al Qaeda no Iraque, a organização precursora do grupo que hoje controle parte dos territórios daquele país e da Síria.

Professor de religião do Luther College, em Iowa, Green é crítico da ativista Ayaan Hirsi Ali, que nasceu na Somália, foi submetida à mutilação genital e hoje vive nos Estados Unidos. “Ela ignora a história de violência ocidental, incluindo o colonialismo”, afirma. “Ela coloca toda a culpa nos muçulmanos e no islã e há muitos no Ocidente que a adoram por isso.”

A seguir, trechos da entrevista:

O sr. escreveu um artigo no qual disse que perguntar se o Estado Islâmico é islâmico ou não é uma questão equivocada. Por quê?

Todd Green: É uma pergunta simplista e a resposta não é tão relevante como se supõe. O grupo muitas vezes invoca ensinamentos do islã para tentar justificar o que está fazendo. Mas isso não nos diz nada sobre o que realmente motiva o ISIS (outra sigla pela qual o grupo é conhecido).
A presunção por trás da pergunta é a de que se nós entendermos o aspecto religioso, nós entenderemos o que motiva o ISIS e poderemos derrotá-lo. Nós temos o mesmo pressuposto em relação à Al Qaeda.
A maneira mais fácil de complicar essa questão é perguntar como o islã pode produzir o ISIS e, ao mesmo tempo, Malala Yousafzai, a mais recente vencedora do Prêmio Nobel da Paz? Ambos se baseiam no islã como fontes de inspiração. O que o foco no islã realmente nos diz sobre o que move um grupo como ISIS? Há muitas forças mais complicadas, sociais, econômicas e políticas. São as condições políticas que levam à emergência do ISIS.
A pergunta também é problemática porque desvia nossa atenção de uma questão mais perturbadora: qual o papel da política externa dos Estados Unidos em criar as condições que levam ao surgimento do ISIS. Não haveria ISIS se não fosse pela invasão e ocupação do Iraque pelos EUA, que abriu a porta para a Al Qaeda no Iraque, o grupo precursor do ISIS. Não podemos contar a história do ISIS separada da política externa dos Estados Unidos.

A principal força é política?

Todd Green: Sim. E o mesmo ocorre com a Al Qaeda. Quando você lê e estuda os textos de Osama bin-Laden, vê que ele se refere com frequência à Palestina, às tropas americanas, à Arábia Saudita, a intervenções militares americanas, à história do colonialismo americano. Isso não torna o que ele faz correto, da mesma maneira que não justifica os atos do ISIS. Mas se nós queremos explicar como esses grupos emergem, nós precisamos ser honestos em relação às circunstâncias políticas que dão origem a eles.
Uma das histórias interessantes em relação ao ISIS envolve o jornalista francês Didier François, mantido em poder do grupo por cerca de dez meses e libertado há um ano. Quando ele fala de sua experiência, ele diz que quase todas as suas conversas com membros do ISIS eram políticas, não eram religiosas.
DIDIER FRANÇOIS
Jornalista francês que foi sequestrado pelo Estado Islâmico e, depois de passar dez meses
refém, foi libertado em abril de 2014

Se é uma questão política, qual a melhor maneira de enfrentá-la?

Todd Green: Se vemos como um problema político, nós focamos em soluções políticas. Mas se vemos como um problema do islã, a resposta é a de que essa é uma questão que os próprios muçulmanos devem resolver. Os Estados Unidos tendem a ignorar essas realidades políticas. Se você lê o relatório da Comissão do 11 de Setembro, a conclusão final sobre por que ele ocorreu está relacionada ao islã, a um problema interno do mundo islâmico. Não há nenhuma reflexão naquele documento sobre o papel desempenhado pelos Estados Unidos, incluindo nosso apoio a regimes autocráticos e terríveis, que é amplamente conhecido no Oriente Médio.

E o conflito Israel-Palestina?

Todd Green: Até que haja uma boa solução para esse conflito sempre haverá tensões. Mas não vejo vontade política suficientes nos Estados Unidos para fazer o que é necessário para resolvê-lo. O apoio a Israel ainda é pouco questionado na elite política.

Qual é sua resposta para Ayaan Hirsi Ali (que nasceu na Somália e hoje vive nos EUA), para quem a violência do Estado Islâmico e de outros grupos extremistas tem raízes no islã e há uma necessidade de reformá-lo?

Todd Green: No meu livro eu falo bastante de Ayaan Hirsi Ali. Ela é uma ex-muçulmana que usa seu status de iniciada para criticar o islã. Sua audiência não são os muçulmanos. Sua audiência é o Ocidente. Mas quando examinamos seus argumentos, eles se desmontam rapidamente. Em primeiro lugar, houve vários movimentos de reforma do islã, principalmente a partir do século 19. Em segundo lugar, a ideia de que a violência é conectada de maneira orgânica ao islã pressupõe que 1,6 bilhão de pessoas no mundo interpretam os textos e tradições do islã da mesma maneira, o que não é verdade. Na última década, três vencedores do Prêmio Nobel da Paz eram muçulmanos. O Corão tem passagens que encorajam atos de violência ou guerra justificada, mas encontramos isso na Bíblia também.
Minha maior crítica em relação a Hirsi Ali é que ela ignora a história de violência ocidental, incluindo o colonialismo. Ela ignora a predominância do racismo na história do Ocidente. Ela coloca toda a culpa nos muçulmanos e no islã e há muitos no Ocidente que a adoram por isso.
Eu trato da questão da violência do islã no meu livro, mas também abordo a questão da violência ocidental. A percepção de muitos políticos e de pessoas como Ayaan Hirsi Ali é a de que o islã equivale à violência e o Ocidente, à paz. O Ocidente tem uma história de escravidão, de exploração de populações nativas e algumas tentativas de genocídio. Nós torturamos, e não apenas na guerra ao terror. Isso é violência e é parte da percepção que as pessoas têm dos Estados Unidos em outras regiões. Mas nós não falamos disso. Nós falamos do islã e a violência.
AYAAN HIRSI ALI
Escritora que nasceu na Somália (África), ex-muçulmana que escreve sobre o Islã.
Ayaan vive, atualmente, nos Estados Unidos.

E qual é a solução?

Todd Green: É necessário ter uma significativa reavaliação da política externa no Ocidente, em especial nos Estados Unidos. Nós temos um histórico muito ruim quando se trata de apoiar democracias no Oriente Médio. Nós favorecemos muitos regimes autocráticos em razão da estabilidade que eles nos oferecem.
Em casa, nós temos que construir mais relações entre muçulmanos e não-muçulmanos. Nos Estados Unidos quase dois terços da população diz que não ter uma relação pessoal com alguém que é muçulmano. Quando você não conhece um muçulmano, é fácil permitir que toda a sorte de desinformação preencha esse vácuo. Mas quando tem amigos, vizinhos e colegas de trabalho que são muçulmanos é mais fácil contextualizar a situação diante do ISIS [Estado Islâmico]. Outra questão é a educação. Nós não sabemos o suficiente sobre o islã.

O fracasso da Primavera Árabe acaba justificando essa visão mais realista e pragmática da política externa americana, não?

Todd Green: Certamente há muita desilusão com a Primavera Árabe. Mas seu fracasso não decorre do fato de a maioria da população não querer a democracia, mas sim do enraizamento desses regimes autocráticos no Oriente Médio e da ambivalência do Ocidente em relação a quem apoiar na região. No começo da Primavera Árabe no Egito, a administração Obama estava fortemente ao lado de (Hosni) Mubarak, que era um clássico ditador, com um histórico horrível na área de direitos humanos. Hillary Clinton o chamava de amigo da família. Só dias antes de ele deixar o poder é que os Estados Unidos começaram a adotar um tom diferente.
Quando olhamos para pesquisas Gallup, nós vemos que há uma grande parcela da população no Oriente Médio que quer democracia. Isso para mim é promissor. Mas regimes autocráticos enraizados não desaparecem facilmente.

Como o sr. define islamofobia?

Todd Green: Minha definição básica é o medo, hostilidade e ódio em relação aos muçulmanos e ao islamismo e as práticas discriminatórias e excludentes que decorrem disso. É um sentimento enraizado na mentalidade de muitos governos e nações ocidentais, onde essas ansiedades são proeminentes em amplos segmentos da população. Há uma longa história, que remonta à Idade Média e obviamente vem até o Século 21. Não é um medo novo, ainda que algumas das forças que o movam hoje sejam um pouco distintas do que eram 500 ou 600 anos atrás.
Livro de Todd H. Green - tradução do título:
"O medo do islã: uma introdução à
islamofobia no Ocidente"

E quais são essa forças?

Todd Green: Eu atribuo a atual islamofobia a três forças. A primeira é política. Há uma longa história de imperialismo ocidental que constrói os muçulmanos como o inimigo. Em parte pela percepção de que muçulmanos ficam no caminho de ambições imperialistas, seja no choque com o Império Otomano no século 16, no colonialismo europeu do início do Século 20 ou no imperialismo americano do século 21. Os muçulmanos são percebidos como um grande obstáculo e frequentemente são desumanizados.
As outras duas causas são a falta de conhecimento que muitos ocidentais têm em relação ao islã. Muito poucas pessoas nos Estados Unidos ou na Europa realmente sabem alguma coisa sobre tradições e história islâmicas. A maioria do que pensamos que sabemos vem principalmente da mídia, que tende a associar o islã à violência e ao terrorismo.
Ou vêm de pessoas dedicas a produzir medo, como Pamela Geller. É o que chamo no meu livro [foto ao lado] de indústria da islamofobia. Isso cria um vácuo de ignorância que faz com que seja mais difícil ver os muçulmanos como humanos, como pessoas que compartilham muitos dos valores, esperanças e medos que nós temos.

Qual o papel de Pamela Geller nessa indústria?

Todd Green: Às vezes me refiro a isso como islamofobia profissional. Quase sempre são ativistas ou blogueiros de direita, às vezes políticos na Europa e nos Estados Unidos, que ganham a vida demonizando e desumanizando muçulmanos. Nós não saberíamos quem eles são além de sua devoção a esse empreendimento. Não é um grupo de pessoas que ocasionalmente critica o islã. São pessoas que se beneficiam financeira e politicamente do esforço de demonizar muçulmanos.

O atentado contra a revista Charlie Hebdo na França e a tentativa de atacar o concurso de caricaturas de Maomé no Texas facilita a vida dos que promovem a islamofobia, não?

Todd Green: É difícil não concluir que isso impulsiona a carreira de alguém como Pamela Geller. Eu acredito que ela explora esse tipo de tragédias. O concurso de caricaturas de Maomé no Texas era uma resposta ao tiroteio contra a Charlie Hebdo em Paris. De muitas maneiras, o evento era uma exploração da grande tragédia que ocorreu.
PAMELA GELLER
Ativista política norte-americana e comentarista

Como o sr. compara os dois episódios? Geller apresentou o seu evento como uma defesa da liberdade de expressão.

Todd Green: Eu não acredito que nenhum dos eventos deve ser tratado como uma questão de liberdade de expressão. Certamente não acredito que esse é o tipo de discussão que deveríamos ter em relação ao evento de Geller. Não era sobre liberdade de expressão. Geller gostaria que falássemos de que isso é um conflito entre a proibição da liberdade de expressão do islã. Mas não é sobre isso. É sobre ódio e é sobre isso que deveríamos falar em relação a Geller.
No caso do Charlie Hebdo é um pouco mais complicado porque a revista se dedica à sátira e ela não é dirigida apenas contra muçulmanos. Tenho uma série de críticas em relação à Charlie Hebdo e tenho uma divergência fundamental quanto à definição do que é sátira. E não penso que tudo o que eles fazem é sátira. Mas eles não criticam apenas muçulmanos, enquanto Geller só ataca muçulmanos.

Se o que Charlie Hebdo faz não é sátira, o que é?

Todd Green: É humor ruim. Não sei nem se humor é a palavra correta. Certamente é comentário político, mas na minha definição, sátira tem por alvo pessoas em posição de poder ou privilégio. E os muçulmanos na França e no restante da Europa não estão em posição de poder e privilégio. Eles integram comunidades marginalizadas, não têm muitos líderes proeminentes e tendem a não ter voz. Focar uma comunidade que já é marginalizada fica fora do propósito da sátira política. Sátira é realmente sátira quando atinge aqueles que estão em posição de poder e privilégio.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Blogs – Claudia Trevisan – 16 de maio de 2015 – 11h48 – Internet: clique aqui.

Resolvido o problema sírio, resolve-se o terrorismo?

Clóvis Rossi
Na cidade de Al Bab, no nordeste da província setentrional síria de Alepo, um prisioneiro
recapturado pelo Estado Islâmico é crucificado e torturado!

John Kerry, o secretário norte-americano de Estado, diz, com segurança e com razão: é impossível resolver o problema representado pelo Estado Islâmico sem antes resolver a questão síria.

Concordo, Kerry, mas há uma pergunta inevitável: resolvido o problema sírio, resolve-se realmente o problema do terrorismo?

Mikhail Bogdanov, vice-ministro russo das Relações Exteriores, parece achar que sim. Disse à Folha de S. Paulo que o problema sírio é de governança e, uma vez estabelecida esta, nos termos negociados em Viena no sábado, 14 de novembro, ela estaria assegurada, acha Bogdanov.

Em Viena, o que se acertou é um processo de transição, após um indispensável cessar-fogo, seguido de eleições dentro de 18 meses.

Aí a Síria teria um governo legítimo, o que lhe daria condições de estabilizar-se. Enquanto isso, no entanto, Bogdanov defende, como quase todo mundo, a continuação e/ou a intensificação das operações militares contra o Estado Islâmico (ele jura que a Rússia está operando contra os terroristas instalados na Síria, uma jura que não tem total credibilidade no Ocidente; os EUA, por exemplo, acreditam que a Rússia ataca todos os adversários do ditador Bashar al-Assad, terroristas ou não).

Muito bem, digamos que os caminhos Kerry e Bogdanov confluam e se inicie um processo de paz na Síria.

Combinaram com o Estado Islâmico? Não. Derrotá-lo militarmente exigiria pôr tropas em terra, o que é complicado, como admite Laurent Fabius, o chanceler francês: "Para uma intervenção militar por terra, seriam necessárias várias dezenas de milhares de homens, resultando, provavelmente, em pesadas perdas", disse ele em recente entrevista ao "Parisien".

Sem tropas em terra, é pouco provável que o Estado Islâmico permita a realização de uma eleição minimamente normal em prazo tão curto.

Mesmo na hipótese de que o grupo terrorista seja desalojado dos territórios que ocupa na Síria e no Iraque, o problema do terrorismo não desapareceria.

Seria simplesmente deslocado das decapitações no Oriente Médio para, por exemplo, explosões na França. Como informa o "Financial Times" deste fim de semana, a França calcula que existam 571 cidadãos do país lutando por organizações terroristas, o que inclui 246 que já retornaram ao seu país.

Como os atentados da sexta-feira envolveram, ao que tudo indica, apenas oito terroristas, há 30 vezes mais "soldados" já disponíveis em solo francês.

Na verdade, são muitos mais, sempre segundo o "Financial Times": cidadãos franceses envolvidos em células terroristas (adormecidas, mas facilmente mobilizáveis) são cerca de 2.000, e há outros 3.800 que mostram sinais de radicalização islamista.

Em outros países europeus e mesmo nos Estados Unidos, há um "exército de reserva" em condições de atacar a qualquer momento e que terá sangue nos olhos se o Estado Islâmico for expulso do seu autodenominado califado.

Entende-se, nesse cenário sombrio, por que os líderes do G20, que são as grandes potências mundiais, não estão conseguindo ir além de declarações óbvias de condenação à barbárie.

Fonte: Folha de S. Paulo – Colunistas – 16/11/2015 – 02h00 – Internet: clique aqui.

Por que a França?

Gilles Lapouge
Socorro a uma das vítimas feridas em ataques terroristas em Paris
Sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Todos os jornais franceses apareceram ontem com suas primeiras páginas em cor negra sobre a qual se destacavam, em enormes caracteres brancos, um título curto, às vezes, uma única palavra: "Horror!" ou "Carnificina". E também: "Terror em Paris", "A guerra em plena Paris".

Depois, vieram os editoriais e os artigos. E sempre a tentativa desesperada de encontrar adjetivos ou substantivos adequados para relatar os fatos. Tudo convém: infâmia, vergonha, ignomínia etc. Mas as palavras são dramaticamente insuficientes, impotentes.

Essa profusão de termos e a sua inutilidade constituem a primeira lição da noite de morte e luto. Para dar uma noção do que ocorreu no Stade de France, nas ruas do bairro da Republique ou no Bataclan, não há palavras. É o fim das palavras. Da linguagem. Como se a linguagem humana fosse incapaz de retraçar fatos como esses. Como se os dicionários mais completos só conseguissem traduzir o que se passou pelo vazio, o silêncio.

Claro que não podemos evitar lembrar de outra tragédia na França, em janeiro deste ano: o assassinato por jihadistas de jornalistas do semanário Charlie Hebdo. E é verdade que um fato se espelha no outro. Um como o outro, esses ataques foram cometidos pela mesma besta imunda.

Contudo, a diferença é grande. O massacre no Charlie Hebdo tinha um alvo claro e um motivo reivindicado - castigar um jornal que havia publicado por diversas vezes caricaturas ferozes sobre o profeta Maomé.

Na noite de sexta-feira, os assassinos obedeceram um protocolo diferente: assassinar aleatoriamente. É a guerra. Mas contra quem? Contra o ser humano.
MAPA COM OS LOCAIS DOS ATAQUES TERRORISTAS EM PARIS
Sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Tudo isso ocorreu em Paris. Ou seja, à identidade de seres humanos, as vítimas do Estado Islâmico, é preciso acrescentar mais uma particularidade: elas vivem na França. Quer dizer que os jihadistas do Estado Islâmico [EI] quiseram punir especialmente, entre os humanos, os humanos ocidentais, e, entre os ocidentais, humanos franceses.

A França é detestada pelos homens da morte - tanto quanto os EUA. As razões? 

[1ª] A mais inteligível é o envolvimento de Paris na coalizão contra o EI liderada pelos americanos. No Iraque, e na Síria aviões Rafale e Mirage franceses bombardeiam posições do grupo extremista.

[2ª] Mas a memória do ódio vai longe. O EI não perdoa a França por ter assinado, em 1916, o acordo Sykes-Picot, que desmantelou o Império Otomano e dividiu seus despojos entre a França, que recebeu o Líbano, e a Inglaterra, que ficou com a Síria

[3ª] Enfim, a França cometeu outra vilania. Entre todos os Estados, é aquele que observa com maior vigilância o secularismo - estatuto que autoriza e protege todas as religiões sem privilegiar nenhuma delas.

[4ª] A noite infernal de sexta-feira mostra que o perigo jihadista não vai cessar de crescer. O momento é favorável aos assassinos. A França é um dos países que envia mais aprendizes assassinos à Síria. Lá eles são recebidos, passam por uma lavagem cerebral, são instruídos a matar.

A vida da França vai sofrer, após essa noite abominável, uma violenta metamorfose. Um exemplo: em menos de 15 dias, Paris será centro do mundo, pois hospedará a COP-21, a grande conferência sobre o clima. Uma centena de chefes de Estado, de Putin a Obama, estarão presentes. Cerca de 40 mil pessoas durante 15 dias tentarão buscar meios de enfrentar um outro flagelo enfrentado pelo homem, o aquecimento global. Será que um dos cérebros do EI não vai achar que essa é uma oportunidade para enviar alguns soldados do inferno?

Traduzido do francês por Terezinha Martino.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Internacional – 15 de novembro de 2015 – 02h01 – Internet: clique aqui.

CONSEQUÊNCIAS DO TERROR

Para ensaísta, guerra chegou à Europa e retornará “em breve” aos EUA

Sylvia Colombo
DAVID RIEFF
Escritor norte-americano

Para o ensaísta norte-americano David Rieff, "a guerra chegou à Europa e certamente retornará aos Estados Unidos da América [EUA], num futuro não muito distante."

Filho da intelectual e ativista Susan Sontag (1933-2004), crítica da ação dos EUA durante o governo Bush e da reação ao 11 de Setembro, Rieff é autor de ensaios sobre imigração, guerras contemporâneas e políticas intervencionistas dos EUA.

Questionado sobre os ataques em Paris, na última sexta-feira (13), Rieff afirmou à Folha de S. Paulo: "Se essa situação de guerra na Europa persistir por mais uma década, acho difícil acreditar que as democracias ocidentais poderão permanecer sendo democracias, pelo menos no que diz respeito ao tema da segurança, mesmo com relação ao que são nos dias de hoje".

Crítico da ação dos EUA no Iraque em 2003 e autor de livros como "Democratic Dreams and Armed Intervention" (sonhos democráticos e intervenção armada) e "Bosnia and the Failure of the West" (Bósnia e o fracasso do Ocidente), Rieff considera que "é precisamente a liberdade dos países desenvolvidos que os faz vulneráveis nos dias de hoje aos assassinos e aos kamikazes modernos".

O ensaísta acredita que, "num futuro como o que parece estar próximo, serão poucos os que escolherão uma liberdade sob risco constante de vida em vez de uma segurança confortável".

E complementa: "Temo que nossas sociedades se transformem em sociedades mais ditatoriais. Não que se transformem em ditaduras puras, mas sim em híbridos de elementos democráticos e antidemocráticos –como já o são no que diz respeito à economia".

Fonte: Folha de S. Paulo – Mundo – Paris sob ataque – 16/11/2015 – 07h00 – Internet: clique aqui.

Oriente Médio sem cristãos

Adriana Carranca
Igrejas cristãs vem sendo sistematicamente destruídas pelo Estado Islâmico
nas regiões que conquistam, seja no Iraque como na Síria

Soldados do Curdistão iraquiano, conhecidos como peshmergas, declararam ontem vitória no Monte Sinjar, ocupado em junho do ano passado pelos combatentes do Estado Islâmico [EI], quando milhares de yazidis, minoria politeísta que vivia reclusa nas montanhas, e cristãos assírios, que ocupavam suas planícies, foram massacrados pelos islamitas. O monte fica na província o Nínive, parte do território no Norte do Iraque que os curdos almejam como Estado independente. Eram terras antes vigiadas pelas forças iraquianas, que fugiram rumo a Bagdá com o avanço do EI. O vácuo foi ocupado pelos curdos, que vislumbraram a chance de expandir seu território e ganhar mais autonomia.

No último ano, os curdos se tornaram os principais aliados dos EUA na guerra contra o EI. Com apoio de drones americanos, eles têm conseguido impedir o avanço e recobrar território dos combatentes islâmicos.

Mas há outro lado, mais obscuro, dessa história. Os curdos têm sido acusados por organizações como a Human Rights Watch de impedir a volta de antigos moradores aos territórios reconquistados, uma limpeza étnica que visa a um Estado exclusivamente curdo.

As planícies onde fica o Sinjar são terras historicamente ocupadas por cristãos assírios, convertidos ainda no primeiro século. Eles viviam em cidades como Mossul desde sua fundação - a cidade continua sob domínio do EI. Quando o EI avançou sobre Nínive, os cristãos não puderam defender-se porque não lhes era permitido ter armas. Os terroristas caçaram os moradores de casa em casa - em cada porta, marcavam com spray a letra "n" de nasara (cristãos, em árabe). Nos meses seguintes, relatos vindos dos vilarejos ocupados descreviam a crucificação de homens que teriam se recusado a aceitar o Islã, mulheres escravizadas e usadas para o sexo por serem "infiéis", crianças retiradas dos pais e entregues a famílias muçulmanas, igrejas queimadas.
Interior de uma igreja cristã que foi queimada e completamente destruída por milícias
do Estado Islâmico na Síria

Aterrorizados e sem refúgio seguro, pelo menos dois terços dos 1,5 milhão de cristãos iraquianos deixaram o país. O mesmo ocorre na vizinha Síria. Antes da guerra, os cristãos eram 10% dos 22 milhões de sírios - ou pouco mais de dois milhões de pessoas. Hoje, acredita-se que não ultrapassem 400 mil.

Entre eles, estão centenas de assírios sequestrados pelo EI em Hassakah, em fevereiro. Em agosto, a milícia curda Unidades de Proteção do Povo (conhecida como YPG) retomou a província.

Esta semana, líderes das poucas igrejas que sobrevivem em Hasakah denunciaram o confisco de propriedades de cristãos que deixaram a região. Em Qamishli, controlada pelo YPG e por tropas leais a Assad, famílias curdas receberam notificação de que seus filhos estavam proibidos de estudar em escolas cristãs. Crianças serão transferidas a instituições curdas que adotaram o currículo aprovado pelo Partido da União Democrática, braço político do YPG.
MALOULA
Única localidade na Síria aonde ainda se falava a língua de Jesus, o aramaico.
Foi destruída pelo Estado Islâmico e muitíssimos cristãos fugiram!

A comunidade cristã síria é uma das mais antigas. Acredita-se que o apóstolo Paulo tenha se convertido a caminho de Damasco. Maloula, a 50 quilômetros da capital, é a única vila onde ainda se fala o aramaico de Jesus. A aldeia foi atacada por grupos ligados à Al-Qaeda; igrejas e monastérios, destruídos. Em maio, forças de Assad recuperaram o vilarejo, mas a maior parte da população fugira.

Embora minoria, os cristãos sírios eram parte da elite. Eles cofundaram o Partido Baath, de Assad, no poder desde 1963. Por décadas, a Síria abrigou cristãos perseguidos em outras partes do Oriente Médio. Mas o aprofundamento do sectarismo tornou o país inseguro demais. O Líbano, que tem 30% da população cristã passou a ser refúgio, mas voltou a enfrentar atentados terroristas.

Milhares de cristãos têm migrado para a Europa. Antes 14% da população do Oriente Médio, eles hoje não passam de 4% segundo o Pew Research Center. Líderes das igrejas locais já falam no fim do cristianismo na região.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Internacional – 14 de novembro de 2015 – 02h00 – Internet: clique aqui.

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