«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

COMO EVITAR O CAOS CLIMÁTICO?

O teatro das negociações Internacionais

Agnès Sinaï *

A lentidão das negociações sobre o clima contrasta com a rápida aceleração da história humana. Enquanto isso, as instâncias internacionais mostram-se incapazes de criar ferramentas e modos de pensar à altura dos desafios colocados
PETRÓLEO - UMA MATRIZ ENERGÉTICA A SER SUBSTITUÍDA

Em construção em uma ilha artificial na Lagoa de Lagos, na Nigéria, a vila Eko Atlantic periga ser submersa até o fim do século. Nas zonas costeiras do país, com a elevação do nível dos oceanos decorrente do aquecimento global, a água pode chegar a penetrar 90 km continente adentro.1 Eko Atlantic se tornaria uma dessas ruínas do futuro que servem para os geólogos reconstituírem a história da Terra.

Há 3 milhões de anos, na época do Plioceno, a quantidade de CO2 na atmosfera era a mesma de hoje. A temperatura era de 2 a 4 °C mais quente, e o nível do mar, de 10 a 20 metros mais elevado que hoje. Hoje, não se sabe exatamente em que ritmo as geleiras da Antártida derreterão. Algumas hipóteses, notadamente o cenário do Potsdam Institute, estimam que, se todos os combustíveis fósseis fossem queimados, o mar se elevaria ao ritmo de 3 metros por século no próximo milênio.2 Do ponto de vista químico, a composição da atmosfera atual é excepcional em relação às variações naturais do efeito estufa no último milhão de anos. Comparado à observação do clima no passado, o aquecimento de 3 °C (cenário médio) que poderia ocorrer ao longo do século XXI representa uma mudança abrupta e de amplitude comparável a uma transição glacial/interglacial – porém acelerada, pois a transição glacial/interglacial ocorreu ao ritmo de 1 °C a cada mil anos.3

A humanidade é hoje a força principal que governa o funcionamento do planeta. Em pouco mais de duas gerações, tornou-se uma potência geológica. Além disso, um conjunto de sinais prova que suas atividades produzem um impacto telúrico durável de magnitude comparável ao que, no passado, caracterizou fenômenos como as glaciações, o despertar dos vulcões ou a queda de meteoritos. Os estratos geológicos legados pela urbanização, barragens, produção industrial, atividades mineradoras e agrícolas contêm inúmeros fósseis dessa fase inédita sobre a Terra. Substâncias totalmente novas emitidas pelos seres humanos desde 1945 são uma característica típica do Antropoceno: radionuclídeos, gases fluorados, produtos oriundos de bio e nanotecnologias. A globalização da petroquímica deu lugar a uma “paleontologia do plástico”, segundo a expressão do geólogo Jan Zalasiewicz. As partículas de fuligem expelidas pelas indústrias alcançam o Polo Norte. A sociedade industrial deixará seus rastros em estratos do solo, do ar e dos oceanos por milênios.

A mudança climática se inscreve no que o geógrafo Will Steffen, o geoquímico Paul Crutzen e o historiador John Mac Neill nomearam como a “grande aceleração” da história humana.4 Esse período de exuberância, que vem de 1945 até hoje, coincide com a era do petróleo, da descolonização, da democratização e do consumo. Diante dessas dinâmicas, as negociações da ONU equivalem a uma usina de lentidão e fracassam em colocar em questão o sistema produtivo e resolver problemas de energia, justiça e desenvolvimento. Essa lentidão também caracterizou as sessões de preparação para a COP 21, em Genebra e Bonn, por meio de textos que a unanimidade dos 196 países considera muito complexos.

A EXTERNALIZAÇÃO DA NATUREZA

Realizadas em uma bolha, as negociações patinam. A mudança climática coloca a diplomacia ambiental perante uma nebulosa de incertezas e de incompatibilidade de tempos. Durante a “COP” [Conferência das Partes], os políticos do clima permaneceram impotentes diante da necessidade de novas ferramentas e formas de pensamento que estejam à altura do problema. Essa grande negação da realidade se manifesta primeiro por uma retórica contábil oriunda das ciências econômicas, viciada em analisar custos e benefícios em função de projeções estatísticas. Estimulada pela crença no crescimento indefinido (ver artigo abaixo), a modernidade industrial externalizou a natureza, percebida como um estoque inerte, como um catalisador de fluxos financeiros que precisam remunerar “os serviços prestados” pelos ecossistemas. Os 2 °C de aumento máximo da temperatura do planeta, balizador das negociações, inscrevem-se nessa maneira de pensar, que pressupõe certa estabilidade ou previsibilidade. Bastaria gerenciar o clima com a engenhosidade humana e mobilização política. Em realidade, é difícil determinar um nível aceitável de gases do efeito estufa para estabilizar o clima, pois ninguém sabe quando será o ponto de virada catastrófico para a humanidade.

Os autores do magistral Gouverner le climat? [Governar o clima?] avançam com a noção de “cisma de realidade” para designar a desconexão profunda entre os processos materiais que degradam o clima e as instâncias multilaterais que funcionam há vinte anos.5

[“Cisma de realidade”:]

[1º] Parece frívolo pretender resolver os problemas causados pela combustão de energias fósseis regulando apenas os rejeitos, sem colocar a questão da extração. De forma absurda, as negociações focam emissões de CO2, sem atacar os modos de desenvolvimento econômico, as regras do comércio internacional ou o funcionamento do sistema energético mundial.

[2º] Outro exemplo de desconexão: o Protocolo de Kyoto não fez nada além de legitimar a hegemonia dos mecanismos de mercado em nível internacional como meio de proteção do meio ambiente, tomando o clima como um bem econômico mensurável e homogêneo. Os “mecanismos de flexibilidade” tendem a promover a redução das emissões onde é mais eficaz economicamente. Essa lógica de compensação foi estendida às emissões decorrentes do desmatamento com o mecanismo REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). Na Europa, o mercado de carbono, European Trading Scheme, foi um grande fracasso.

[3º] Por fim, o terceiro cisma: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) não tem nenhuma influência sobre o sistema de livre-comércio empreendido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), cujas regras se sobrepõem à proteção do clima. Essa hierarquia de normas também está nas negociações comerciais transatlânticas. As tratativas em torno do acordo de livre-comércio entre Europa e Canadá que se desenrolam desde 2013 trazem uma sombra sobre as políticas climáticas: a Europa abre suas portas ao petróleo não continental de Alberta.6 Segundo um estudo da associação norte-americana Natural Resources Defense Council (NRDC), as importações europeias de areias betuminosas, que aumentaram para 4 mil barris por dia em 2012, podem crescer de maneira espetacular: até 700 mil barris por dia daqui a 2020.7 O oleoduto Energy East, construído pela TransCanada, poderá abastecer as refinarias europeias por meio de um mercado transatlântico liberado de qualquer entrave.

Como sublinha o historiador Dipesh Chakrabarty, a crise climática coloca na ordem do dia a colisão entre três histórias:
  • a da Terra,
  • a da evolução humana sobre o planeta e, finalmente, a mais recente,
  • a da civilização industrial.8

Essas três histórias evoluem em escalas e velocidades diferentes, e obrigam as sociedades modernas a rever seus modos de pensamento. É preciso compreender que a vida terrestre não repousa sobre bases estáveis. O Antropoceno abriu uma brecha na história da Terra, e essa fissura obriga a repensar o destino humano segundo o princípio de uma incerteza radical quanto aos efeitos do nível da temperatura, dos pontos de virada, dos fenômenos irreversíveis e dos excessos possíveis do sistema climático. 
Agnès Sinaï - jornalista francesa especializada em meio-ambiente
Autora deste artigo

PLANEJAR O ABANDONO DO CARBONO

Nessas circunstâncias, o climatologista James Hansen recomenda aos políticos planejar o abandono do carvão como combustível fóssil. Mais que um princípio de precaução, trata-se de um “princípio máximo”, que permite visar ao “melhor dentro do pior cenário”. Segundo um estudo de Christophe McGlade e Paul Ekins, da Universidade College de Londres, um terço das reservas de petróleo, a metade das de gás e cerca de 80% das de carvão deveriam permanecer inexploradas para evitar o superaquecimento do planeta.9 As reservas fósseis do globo recuperáveis nas condições técnicas e econômicas atuais representam um estoque de 2.900 gigatons (Gt) de CO2, ou seja, três vezes mais que as emissões consideradas como teto dentro do objetivo de limitar o aquecimento global a mais 2 °C.

“A crise climática levanta grandes questões de justiça: justiça entre gerações, entre pequenas ilhas-nação e países poluentes (no passado e no futuro), entre países desenvolvidos, industrializados (historicamente responsáveis pela maior parte das emissões) e os países em via de industrialização”, resume Chakrabarty. Atualmente, apenas alguns países (entre doze e catorze) e uma pequena parte da humanidade (cerca de um quinto da população mundial) carregam a responsabilidade histórica das emissões de gases do efeito estufa.

Falta mencionar o aspecto do direito. Durante a Rio+20, em junho de 2012, um movimento da sociedade civil de mais de quinhentas organizações surgiu para colocar fim à impunidade das empresas transnacionais. O movimento End Ecocide on Earth trabalha para modificar o Estatuto de Roma, fundador da Corte Penal Internacional, com o objetivo de instituir o crime de “ecocídio”. Um grupo de juristas elaborou duas propostas de convenções chamadas “Ecocrime” e “Ecocídio”.10 Ambas permitiram reforçar e harmonizar em escala mundial a prevenção e repressão de crimes ambientais. O ecocídio figuraria entre os crimes mais graves, no mesmo nível do crime contra a humanidade. O relatório recomenda a instituição de um procurador internacional de meio ambiente e a criação de uma Corte Penal Internacional de Meio Ambiente, além da formação de um Grupo de Pesquisa e Opinião pelo Meio Ambiente (Green) e a instauração de um Fundo Internacional de Indenização pelo Meio Ambiente e pela Saúde Pública. Para concretizar esse conjunto inédito de medidas, escreve a jurista Mireille-Delmas-Marty, é preciso “universalizar a reprovação” das medidas atuais e “se abrir à esperança de um destino comum”.
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
Criado em 1988 pela Organização das Nações Unidas

DA DESCOBERTA CIENTÍFICA À TOMADA DE
CONSCIÊNCIA POLÍTICA

1824. Em Memória sobre as temperaturas do globo terrestre e dos espaços planetários, o físico Joseph Fourrier enuncia, pela primeira vez, o princípio do efeito estufa.

1896. Em artigo publicado no Journal of Science, o químico sueco Svante August Arrhenius (1859-1927), Prêmio Nobel de Química em 1903, propõe um cálculo do efeito estufa associando concentração de gás carbônico e temperaturas terrestres.

1941. O geofísico sérvio Milutin Milankovitch publica sua teoria astronômica do clima, que estabelece os principais ciclos climáticos responsáveis pelas variações da radiação solar sobre a Terra.

1957. Instalação na Antártida da base soviética de Vostok.

1958. O cientista norte-americano Charles Keeling (1928-2005) começa, na base de Mauna Loa (Havaí), a observar a concentração de gás carbônico na atmosfera. Demonstra o papel da atividade humana no aumento rápido dessa concentração (315 partes por milhão em volume [ppmv] em 1958, 380 ppmv em 2005).

1972. A Conferência de Estocolmo coloca a proteção do ambiente na lista das preocupações internacionais. Criação do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (Pnua).

1987, setembro. Assinatura do Protocolo de Montreal, cujo objetivo é eliminar as substâncias que reduzem a camada de ozônio.

1987, outubro. Uma equipe franco-russa estabelece uma correlação direta entre temperatura e concentração de gás carbônico na atmosfera ao longo de 160 mil anos transcorridos.

1988, junho. O discurso sobre o aquecimento climático do climatologista norte-americano James Hansen perante o Congresso dos Estados Unidos inicia um debate público a respeito do assunto.

1988, dezembro. Criação, pelas Nações Unidas, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

1992. No Rio de Janeiro, a Cúpula da Terra adota a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), cuja autoridade encarregada da tomada de decisões é a Conferência das Partes (COP). Estabelece-se um plano de ação para o século XXI com vistas a permitir um desenvolvimento sustentável com proteção ambiental.

1997. Pelo Protocolo de Kyoto, os 84 países signatários se comprometem a reduzir o total de emissões de gases do efeito estufa, antes de 2012, em 5% com relação ao nível de 1990. Mas os principais países emissores (Estados Unidos e China) não assinam o documento.

2009. Fracasso da COP 15, em Copenhague, que termina com uma declaração de intenções – não ultrapassar um aquecimento de 2 °C –, mas sem objetivo quantitativo nem data estipulada.

2012, Dezembro. A COP 18, em Doha, prolonga o protocolo de Kyoto, mas assiste ao afastamento da Rússia, do Japão e do Canadá. Programa-se um acordo global ambicioso para 2015.

N O T A S

1. Nnimmo Bassey, “L’Afrique et les catastrophes climatiques qui s’annoncent” [A África e as catástrofes climáticas que se anunciam]. In: Crime climatique. Stop! L’appel de la société civile [Basta de crime climático! O apelo da sociedade civil], Seuil, Paris, 2015.

2. Ricarda Winkelmann, Anders Levermann, Andy Ridgwell e Ken Caldeira, “Combustion of available fossil fuel resources sufficient to eliminate the Antarctic ice sheet” [A combustão de combustíveis fósseis ainda disponíveis é suficiente para eliminar a camada de gelo da Antártida], Science Advances, Washington/Cambridge, v.1, n.8, 11 set. 2015.

3. Valérie Masson-Delmotte e Christophe Cassou, Parlons climat en 30 questions [Falando de clima em 30 perguntas], La Documentation Française, Paris, 2015.

4. Will Steffen et al., “The trajectory of the anthropocene: the great acceleration” [A trajetória do Antropoceno: a grande aceleração], The Anthropocene Review, Londres, 19 jan. 2015.

5. Stefan Aykut e Amy Dahan, Gouverner le climat? 20 ans de négociations internationales [Governar o clima? 20 anos de negociações internacionais], Presses de Sciences Po, Paris, 2015.

6. Ler Emmanuel Raoul, “Sous les sables bitumineux de l’Alberta” [Sob as areias betuminosas de Alberta], Le Monde Diplomatique, abr. 2010.

7. Danielle Droitsch, Luke Tonachel e Elizabeth Shope, “What’s in your tank? Northeast and Mid-Atlantic states need to reject tar sands and support clean fuels” [O que há em seu tanque? Estados do Nordeste e Médio Atlântico precisam rejeitar areias betuminosas e apoiar combustíveis limpos], NRDC Issue Brief, Nova York, jan. 2014.

8. Dipesh Chakrabarty, “Quelques failles dans la pensée sur le changement climatique” [Algumas falhas no pensamento sobre a mudança climática]. In: Emilie Hache (org.), De l’univers clos au monde infini [Do Universo fechado ao mundo infinito], Éditions Dehors, Bellevaux, 2014.

9. Christophe McGlade e Paul Elkins, “The geographical distribution of fossil fuels unused when limiting global warming to 2 °C” [A distribuição geológica de combustíveis fósseis não utilizados quando a temperatura atingir o limite de mais 2 °C], Nature, Londres, n. 517, 8 jan. 2015.

10. Laurent Neyret (org.), Des écocrimes à l’écocide. Le droit pénal au secours de l’environnement [Dos ecocrimes ao ecocídio. O direito penal a serviço do meio ambiente], Bruylant, Bruxelas, 2015.

* Agnès Sinaï é jornalista especializada em questões ambientais. Diretora da obra Économie de l’après-croissance. Politiques de l’Anthropocène II [Economia do pós-crescimento. Políticas do Antropoceno II], Presses de Sciences Po, Paris, 2015.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 9 – Número 100 – Novembro 2015 – Pgs. 22-23 – Internet: clique aqui.

Crescimento ou clima: é preciso escolher

Jean Gadrey
Economista

Os negociadores da COP de Paris vão varrer para debaixo do tapete a incompatibilidade entre a limitação do aquecimento do planeta e a busca infinita por crescimento econômico. Quando este for retomado pelos países desenvolvidos, os objetivos climáticos se tornarão inatingíveis. Outros caminhos rumo ao progresso humano merecem ser explorados.
JEAN GADREY
Economista francês

Existem múltiplas explicações para a “queda tendencial da taxa de crescimento”1 observada há diversas décadas nos países ricos e mais recentemente nos emergentes. Mesmo os economistas mais midiáticos começam timidamente a imaginar a hipótese de um mundo sem crescimento, ao menos nos países ditos avançados. É o caso, nos Estados Unidos, de Paul Krugman e Larry Summers, para quem “uma estagnação secular é plausível”.2 Na França, Thomas Piketty também alerta: “Seria razoável apostar no retorno do crescimento para resolver todos os nossos problemas? Isso não resolveria os desafios essenciais que os países ricos devem enfrentar”.3 Por sua vez, Daniel Cohen nos exorta: “Libertemo-nos de nossa dependência do crescimento”.4 Algumas andorinhas não fazem verão, mas esses exemplos não são insignificantes, ainda que nenhum reclame a intervenção de um fator explicativo essencial: o esgotamento, já em andamento, da maioria dos recursos naturais do crescimento.

No entanto, o culto está tão impregnado na mentalidade dos dirigentes políticos que, mesmo quando eles proferem discursos exaltados sobre a luta contra a mudança climática, eles se apressam em lembrar que o crescimento continua um imperativo. François Hollande deu o tom, em discurso em Sassenage (Isère), em agosto de 2015: “Vocês sabem que a França vai acolher a Conferência sobre o Clima; ela deve, portanto, ser exemplar. Ao mesmo tempo, a transição energética, a questão climática, também são desafios para o crescimento. Nós queremos apoiar o crescimento, estimulá-lo. Definitivamente, ele está presente quando utilizamos os instrumentos da transição energética”. O presidente francês em seguida pronunciou a palavra “crescimento” catorze vezes em dois minutos, em particular nesta sequência: “Meu objetivo é a diminuição do desemprego, e a redução dos impostos é também uma maneira de atingir um maior crescimento. Pois há mais consumo, mais confiança, e haverá mais crescimento. Tudo, assim, está ligado ao crescimento; o crescimento pode também nos permitir atingir a diminuição dos impostos, e a redução dos impostos, a ter mais crescimento”.5

Como pretender ser exemplar sobre o clima ligando tudo ao crescimento? Essa contradição não incomoda diversos dirigentes, que partilham uma nova religião: o “crescimento verde”, uma transição destinada a estimular o crescimento, o qual facilitará a transição. O ex-presidente norte-americano George W. Bush tinha resumido seu credo em matéria de meio ambiente com a seguinte fórmula: “O crescimento econômico não é o problema, é a solução”.6

O MITO DO CRESCIMENTO VERDE

Com certeza, diante da mudança climática e de outras manifestações da crise ecológica, seria preciso investir maciçamente nas energias renováveis, no isolamento dos prédios, na eficiência energética, na agroecologia, na mobilidade sustentável etc., e então organizar o crescimento. Mas, ao colocarmos a tônica nos setores específicos cuja expansão seria desejável, ignoramos as questões mais incômodas. Quais atividades e produções devem necessariamente diminuir, levando em conta seu impacto negativo sobre o clima, a biodiversidade, a saúde humana...? Além disso, qual proporção dos combustíveis fósseis seria imperativamente necessário deixar no solo para limitar o aquecimento? E se for entre 60% e 80%, como afirmam as avaliações mais recentes, que consequências podem existir num crescimento mundial ainda amplamente propulsionado por essa matriz? Mais amplamente, o crescimento econômico, mesmo fraco, é compatível com as taxas de redução de emissões de gases do efeito estufa hoje exigidas para não ultrapassar os limites críticos de concentração na atmosfera?

Devemos ao economista Michel Husson7 projeções bem simples, que permitem determinar daqui até 2050 a taxa de crescimento do PIB mundial – ou do PIB per capita – compatível com os diferentes cenários do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele as estabeleceu em função das hipóteses sobre o ritmo de redução da “intensidade CO2 do PIB mundial”.8

Conclusão: “O objetivo-piso do IPCC [uma divisão por dois das emissões globais entre 2010 e 2050] só pode ser atingido graças a uma combinação de hipóteses muito otimistas sobre o ritmo de redução da intensidade-CO2 do PIB [menos 3% por ano, ou seja, o dobro do ritmo observado nos últimos vinte anos] e a aceitação de uma diminuição marcada do crescimento do PIB per capita [0,6% por ano em média no mundo]. Já o objetivo mais ambicioso – uma diminuição de 85% das emissões de CO2 daqui até 2050 – parece completamente inatingível”. Isso exigiria um efeito de redução drástica da intensidade-CO2 e uma redução absoluta do PIB per capita.

É o mesmo que dizer que o “crescimento verde” é um mito, se postularmos, unindo esses dois termos, um crescimento compatível com a finitude dos recursos materiais (combustíveis fósseis, minerais, terras aráveis, florestas, água...) e com uma estrita limitação dos riscos climáticos e outros danos causados aos oceanos, à biodiversidade etc. Mas, então, como pensar em um mundo livre desse culto? Seria preciso aceitar uma regressão social em nome da ecologia?

Os devotos do crescimento estão encerrados em esquemas de pensamento nos quais o futuro só pode se parecer com uma reativação do passado. Eles não imaginam que se possa “perseguir” outra coisa além das quantidades produzidas e consumidas com grande reforço das campanhas publicitárias, da obsolescência programada e da vida a crédito. E eles retomam seu argumento preferido: sem um crescimento suficientemente forte e contínuo, não há criação de empregos, não há redução do desemprego! O triângulo ideológico do liberal-crescimentismo – a competitividade das empresas produz o crescimento, que produz o emprego – é de um simplismo aflitivo. No entanto, ele continua orientando as decisões políticas.

Na realidade, os agentes dominantes do capitalismo neoliberal adoram o desemprego como dispositivo disciplinar que os autoriza, por um lado, a frear as reivindicações salariais e, por outro, a intensificar e aumentar a precariedade do trabalho para elevar os lucros. Nenhum projeto pós-crescimento chegará ao fim se não convencer que a “perseguição” do bem viver em um ambiente preservado é claramente mais eficiente para vencer o desemprego do que as receitas batidas do liberal-crescimentismo.

E, contudo, o crescimento só é necessário para a criação de empregos no modelo atual, que repousa na busca perpétua de ganhos de produtividade: produzir sempre mais com o mesmo volume de trabalho. Nesse modelo, um crescimento nulo ou fraco, mais fraco que os ganhos de produtividade, leva à regressão do volume de trabalho e, portanto, do volume de empregos se o tempo de trabalho médio por pessoa permanece inalterado. Podemos com certeza então reivindicar medidas de redução ou de partilha do tempo de trabalho – é essa inclusive a resposta mais eficiente para o aumento do desemprego a curto e médio prazo; mas nem por isso saímos do produtivismo.

Para isso, deve-se trocar o velho programa da “partilha dos ganhos de produtividade”, herança dos “Trinta Gloriosos Anos” e do fordismo, pelo da partilha dos ganhos de qualidade e sustentabilidade. Orientar o sistema de produção e de consumo segundo uma lógica qualitativa do “tomar conta” (das pessoas, das relações sociais, dos objetos, da biosfera...), colocando a qualidade dos bens comuns sociais e ecológicos no coração das atividades humanas e da política: sobriedade na quantidade, prosperidade na qualidade. Isso implica também combater as desigualdades, para que os novos modos de consumo sejam acessíveis a todos. Aliás, esta é a principal condição para que os meios populares não vejam essa transição como marca de uma ecologia punitiva. 
CLIMA X CRESCIMENTO?
Seria isso mesmo?

OUTRA ECONOMIA, MELHORES EMPREGOS

Constataríamos então que essa economia mais suave com os humanos, com a natureza e com o trabalho, privilegiando as low tech (as “baixas tecnologias”, em oposição às “altas tecnologias”, que não por isso exigem menos inovação), oferece bem mais empregos plenos de sentido do que a economia produtivista atual. Por uma razão simples: para quantidades idênticas, portanto, sem crescimento, seria necessário mais trabalho humano para produzir de forma limpa, verde e saudável, em boas condições de trabalho e de emprego. A agricultura orgânica, por exemplo, requer cerca de 30% a 40% a mais de trabalho do que a industrial e química para produzir as mesmas quantidades de frutas, legumes, cereais etc.

Essa visão de outra “grande transformação” é irrealista? Não, porque tais soluções já estão sendo empregadas um pouco em todo o mundo. Elas funcionam e tendem até mesmo a se difundir, a despeito das tentativas de impedimento dos bajuladores do velho modelo, que ainda estão no controle. Encontramos diversos exemplos comprobatórios – na Índia, na América Latina, na África, nos Estados Unidos e na Europa –, em diversas obras e documentários recentes,9 sem falar das experiências locais organizadas pela rede Alternatiba e sua associação fundadora no País Basco, Bizi! (“Viver!”, em basco).

Cabe aos cidadãos, na maior parte das vezes contornando os dirigentes políticos e, mais raramente, com seu apoio, se insurgir e generalizar essas lógicas nas quais a tríade competitividade/crescimento-consumismo-empregos indecentes/desemprego dá espaço a outra: cooperação/bem viver-sobriedade material-empregos decentes/atividades úteis...

N O T A S

1. Cf. os quatro posts publicados a esse respeito em 2009 no blog do autor: <http://alternatives-economiques.fr/blogs/gadrey>.

2. Paul Krugman, “Secular stagnation, coalmines, bubbles, and Larry Summers” [Estagnação secular, minas de carvão, bolhas e Larry Summers], The Conscience of a Liberal, 16 nov. 2013. Disponível em: <http://krugman.blogs.nytimes.com>.

3. Thomas Piketty, “La croissance peut-elle nous sauver?” [O crescimento pode nos salvar?], Libération, Paris, 23 set. 2013.

4. Le Monde, 6 jan. 2014.

5. “Discurso durante seu deslocamento a Sassenage em Isère”, 21 ago. 2015. Disponível em: <www.elysee.fr>.

6. Discurso diante da National Oceanic and Atmospheric Administration, Silver Spring (Maryland), 14 fev. 2012.

7. Michel Husson, “Un abaque climatique” [Um ábaco climático], nota n.89 (PDF), 20 ago. 2015. Disponível em: <http://hussonet.free.fr>.

8. O termo designa as emissões de CO2 por unidade de PIB produzido.

9. Cf. principalmente Bénédicte Manier, Un million de révolutions tranquilles [um milhão de revoluções tranquilas], Les liens qui libèrent, Paris, 2012; Marie-Monique Robin, Sacrée croissance! [crescimento sagrado!], La découverte, 2014; Collectif des associations citoyennes (CAC), L’écologie au quotidien [a ecologia no cotidiano]. disponível em: <www.associations-citoyennes.net>.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 9 – Número 100 – Novembro 2015 – Pgs. 28-29 – Internet: clique aqui.

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