«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

ENTENDA MELHOR O QUE É A MUDANÇA CLIMÁTICA E OS ARGUMENTOS QUE CONTESTAM AQUELES QUE NÃO CREEM

Mudança climática:
12 pontos-chave para a cúpula de Paris

Manuel Planelles

Os representantes de 195 países, a maioria dos Estados do mundo, reúnem-se na Cúpula do Clima de Paris, entre 30 de novembro e 11 de dezembro. Neste encontro, tratarão de fechar o primeiro acordo global para tentar frear a mudança climática. 

O que é a mudança climática?

Os chamados gases do efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2), acumulam-se na atmosfera e impedem que as radiações infravermelhas que o planeta emite para se esquentar saíam para o espaço. Isso faz com que a temperatura do planeta suba. Esses gases sempre estiveram presentes na atmosfera. O problema, segundo o consenso (quase absoluto) dos cientistas, é que as atividades humanas contribuíram para romper o equilíbrio que existia. A indústria, o transporte e os usos do solo aumentaram a concentração desses gases. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a concentração de CO2 na atmosfera chegou, em 2014, a 397,7 partes por milhão (ppm). Antes da Revolução Industrial, era de 279 ppm.

Quais as consequências da mudança climática?

Os cientistas do grupo IPCC da ONU mostraram que, se o ser humano continuar com o ritmo de emissão de gases sem tomar medidas para reduzir as consequências, a temperatura média global subirá de 3,7 a 4,8 graus em 2100, em relação ao nível pré-industrial. Além do aumento da temperatura e do nível do mar, os cientistas sustentam que também afetará os fenômenos climáticos extremos, como inundações, secas e ciclones. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA analisou 28 fenômenos extremos registrados no planeta em 2014. E concluiu que em 14 casos a mudança climática fez com que eles fossem mais prováveis ou mais fortes.

Pode ser revertida?

Os cientistas do IPCC alertam que já existe uma mudança climática comprometida pelos gases do efeito estufa que o homem emitiu, principalmente, desde a década de setenta do século passado. Por isso, não dá para impedir que a temperatura média global aumente. A opção que existe é limitar esse aumento para dois graus em 2100, em relação aos níveis pré-industriais, para evitar grandes desastres naturais.

O que é a COP21 de Paris?

A vigésima primeira Conferência das Partes (COP21) é a cúpula em que se sentam os 195 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Nesse tratado internacional, de 1992, foi reconhecida a importância do aquecimento global. Mas esse texto tem que se desenvolver com medidas concretas.


O que é o Protocolo de Kioto?

O Protocolo de Kioto, de 1997, fixa as metas concretas de redução de gases que os países desenvolvidos têm que atingir. No entanto, ele foi legalmente vinculado a apenas 37 Estados, dos quais 28 pertencem à União Europeia, e que representam 12% das emissões globais. As principais potências emissoras de gases ficaram fora: China, por não estar no grupo de países desenvolvidos, e os EUA, que não ratificou o protocolo. Kioto entrou em vigor em 2005, e em dez anos de aplicação, conseguiu uma redução de 22% das emissões nos 37 países signatários, muito acima dos 5% fixados como meta. Mas, por não afetar as principais potências, as emissões globais continuaram crescendo. Entre 2000 e 2010, por exemplo, subiram 24%.

O que será discutido em Paris?

Um protocolo para substituir o de Kioto e que começaria a ser aplicado a partir de 2020. Neste caso, a intenção é que os 195 signatários realizem políticas de mitigação, ou seja, reduzam as emissões de gases. Além disso, espera-se que seja fixado como objetivo que, ao final do século, a temperatura global não supere os dois graus, embora Estados mais expostos (como os insulares) queiram baixar essa meta para 1,5 graus.

Qual a fórmula escolhida?

O tratado não vai impor metas individuais de redução de CO2. Para tentar não repetir Kioto, com um alcance muito limitado, optou-se por outra fórmula: cada país, voluntariamente, apresentará compromissos de redução de emissões, tanto os desenvolvidos quanto os que não são. A alguns dias do começo da cúpula, mais de 170 já fizeram isso. Entre eles, estão todas as principais potências econômicas do mundo.

Esses esforços são suficientes?

Não. Segundo as estimativas realizadas pela ONU, extrapolando os compromissos voluntários (nos quais os Estados fixam metas para 2025 e 2030), a temperatura ao final do século subirá pelo menos 2,7 graus, embora outras organizações e instituições falem de até quatro graus. De fato, a previsão é de que até 2030 as emissões continuem crescendo, ainda que em um ritmo menor que nas últimas décadas. Algumas potências, como a União Europeia e a China, propõem como solução que esses compromissos individuais sejam revisados a cada cinco anos, para se aproximarem da meta de dois graus.

O protocolo de Paris será legalmente vinculante?

Esse pode ser um dos pontos mais complicados da cúpula de Paris. A União Europeia aposta em um protocolo com seções vinculantes. Por exemplo, que sejam assim os compromissos de redução de emissões que cada país apresentou voluntariamente. No entanto, a administração de Barack Obama pode enfrentar problemas, como aconteceu com Kioto, para fazer o Congresso e o Senado ratificarem um protocolo legalmente vinculante. A União Europeia já desistiu que sejam incluídas sanções, porque considera que isso pode dissuadir alguns países a assinarem o acordo.

O que é a adaptação?

Além da mitigação, a cúpula também discutirá políticas de adaptação, ou seja, medidas para que os países mais vulneráveis se preparem para a mudança climática. Para isso, está prevista a criação do chamado Fundo Verde para o Clima, que a partir de 2020 contará com 100 bilhões de dólares anuais. Quem deve fornecer o dinheiro? Essa pode ser outra das dificuldades em Paris. Em teoria, apenas os países considerados desenvolvidos. Mas potências como a China ficariam fora dessa categoria.

Haverá acordo?

É complicado aventurar-se nessa resposta. Em 2009, com a Cúpula de Copenhague, expectativas parecidas com as de Paris foram levantadas e o resultado foi um fracasso. Desta vez, além de os sinais da mudança climática terem se acentuado, parece haver uma implicação maior das principais potências, do G20 em geral, e da China, EUA e Alemanha em particular. Os líderes desses três países colocaram a mudança climática na sua agenda durante o último ano.

E se não houver acordo?

Se não houver, ou se o acordo for pouco ambicioso, não significa que a luta contra a mudança climática terá terminado. Muitos dos compromissos voluntários de redução de emissões já estão contemplados na legislação nacional de cada país. Seria o caso, por exemplo, da União Europeia, que se fixou metas concretas para 2030, independente da cúpula. Se não houver acordo, talvez o pior prejuízo seja para a ONU e para a ideia de que um problema global, como a mudança climática, pode ter uma resposta também global.

Fonte: Jornal EL PAÍS – Internacional – Encontro do Clima – Domingo, 29 de novembro de 2015 – 16h25 – Internet: clique aqui.

Dez asneiras que a gente ainda ouve por aí
sobre mudança climática

Claudio Angelo
Observatório do Clima

«Então a pergunta que precisa ser feita é: há consenso entre os climatologistas – que fazem pesquisa na área e publicam suas pesquisas em periódicos com revisão por pares, sujeitos ao julgamento da comunidade científica e ao falseamento – de que o aquecimento global é real e causado por humanos?»


O planeta está esquentando, o Sudeste está sem água, as geleiras estão derretendo, as florestas estão pegando fogo, as concentrações de gás carbônico não param de bater recordes e 14 dos 15 anos mais quentes da história aconteceram neste século. As evidências da mudança climática – e da ação do homem como sua causa primordial – são tantas e tão variadas que seria preciso ter chegado ontem de Marte para negá-las.

Bom, muita gente parece que chegou ontem de Marte e não tem a menor ideia do que está acontecendo pelas bandas de cá do Sistema Solar. Se você é dessas pessoas, seus problemas acabaram! Listamos abaixo a refutação a dez dos argumentos mais comuns dessa patota, para você poder evitá-los e nunca mais passar vergonha ao discutir com amigos que moram aqui na Terra há mais tempo.

1 – “O clima da Terra sempre mudou e sempre mudará. É muita arrogância achar que nós somos capazes de intervir nele.”

Esse argumento é muito utilizado por alguns geólogos, acostumados a olhar longas escalas de tempo no passado. A primeira parte dele é verdade. Se há uma coisa que a história da Terra nos mostra é que o clima sempre foi muito instável e sempre variou – por razões inteiramente naturais. Há 125 mil anos, tínhamos temperaturas 2ºC mais altas do que na era pré-industrial. Há 3,5 milhões de anos, o planeta era 3ºC mais quente. E, na era dos dinossauros, não havia gelo em lugar nenhum da Terra. De fato, a estabilidade climática do atual período quente, o Holoceno, não tem precedentes nos últimos 400 mil anos de história do planeta.

O que isso informa sobre a mudança climática em curso hoje? Nada. As mudanças climáticas do passado eram todas causadas por variações na atividade solar ou nos ciclos orbitais da Terra. E, claro, quando elas eram bruscas demais, ocorriam extinções em massa (#ficaadica). Muitos cientistas atribuem o próprio florescimento da agricultura, que deu origem à civilização, ao clima estável do Holoceno. Hoje não há nenhum desses fatores naturais atuando no clima, e nenhum sinal de variações astronômicas relevantes pelos próximos muitos milhares de anos [clique aqui]. O sinal inequívoco de mudança climática visto hoje se deve à intervenção do homem. Na escala que interessa à civilização, a das décadas e séculos, é essa a mudança climática que importa, não a de dezenas ou centenas de milhares de anos.

2 – “Os meteorologistas não conseguem nem prever se vai chover amanhã, que dirá se vai fazer calor em 2100.”

Esse argumento deriva de uma confusão comum entre tempo e clima. O tempo são as condições da atmosfera num determinado dia, enquanto o clima pode ser entendido como a média do tempo no longo prazo. O tempo é caótico e dominado por variabilidades de curto prazo (não é à toa que a teoria do caos foi criada por um meteorologista). O clima é algo mais previsível. Não dá para saber se em um determinado dia de janeiro choverá em São Paulo (isso é tempo); mas todo mundo sabe que janeiro é um mês de chuvas em São Paulo (isso é clima).

Antes de tudo, justiça seja feita aos meteorologistas: as previsões do tempo estão cada vez mais precisas, então dá para saber se amanhã vai chover, sim.

Ocorre que, conhecendo o clima de uma determinada região e conhecendo os elementos capazes de alterar o balanço de energia do planeta (em especial os gases de efeito estufa), é possível estimar como ele se comportará, em média, no futuro: se será mais quente, mais frio, mais seco, mais úmido ou mais variável. De fato, uma forma padrão de testar um modelo climático é saber se ele consegue reproduzir a média das condições observadas no passado. Falaremos mais sobre isso adiante.

3 – “Mas a Antártida está ganhando gelo. Foi a Nasa que disse. Logo, não há aquecimento global.”

Esse argumento ganhou tração nos últimos dias, devido a um estudo publicado pelo glaciologista Jay Zwally, da Nasa, segundo o qual o continente antártico na verdade estaria contribuindo para reduzir o nível do mar. O estudo foi avidamente reportado pela imprensa como um questionamento ao IPCC, o painel do clima da ONU, que diz que a Antártida tem contribuído nos últimos anos para elevar o nível do mar e o fará ainda mais intensamente nas próximas décadas.

Vamos por partes: é preciso saber de que tipo de gelo e de que Antártida se está falando. A Antártida está ganhando gelo, sim, de pelo menos uma maneira: o cinturão de mar congelado que se forma todo ano ao redor do continente está crescendo cerca de 100 mil quilômetros quadrados por ano. As causas disso ainda são incertas, mas muitos cientistas acreditam que o buraco na camada de ozônio esteja deixando o interior do continente mais frio, e a diferença de temperatura entre o centro antártico e a periferia está deixando os ventos mais fortes em volta do continente. Isso empurra a camada de mar congelado para longe da costa, abrindo uma faixa de mar aberto que rapidamente congela. Na Península Antártica, região mais afastada do polo Sul, o oposto acontece: o gelo marinho está diminuindo a cada ano.

O que Zwa lly e colegas argumentaram em seu estudo [acesse-o aqui] é que existe um outro ganho de gelo: o manto de gelo que recobre o continente estaria “engordando” de 1 cm a 3 cm por ano, devido a uma resposta lenta a mudanças ocorridas no fim da última glaciação, 12 mil anos atrás. Essa engorda estaria acontecendo sobretudo no leste antártico, que concentra mais de 85% do gelo do sexto continente. Tal ganho seria capaz de compensar as perdas que o próprio Zwally e vários outros colegas já comprovaram, usando vários instrumentos diferentes, estar acontecendo em duas outras regiões: a Península Antártica e o oeste antártico.

Que não haja dúvida aqui: existe perda de gelo no continente antártico, muito bem documentada por satélites da Nasa e da Agência Espacial Europeia. Foi a Nasa quem mostrou o rompimento em tempo real de plataformas de gelo na Península Antártica [clique aqui]. E foi a Nasa quem revelou [baixe o estudo aqui], em 1998, que as geleiras do oeste antártico estavam em franco derretimento. No período de 2002 a 2011, a perda de gelo foi de 147 bilhões de toneladas por ano, segundo o IPCC, o que teria elevado o nível do mar em 0,27 milímetro por ano. Quase todo esse gelo vem do oeste antártico. Um estudo recente sugere que o colapso das geleiras do oeste antártico é irreversível e fará o mar subir 3,3 metros na escala de séculos.

O leste é um mistério que os cientistas ainda não conseguiram decifrar. Nenhuma das medições com satélite feitas até aqui conseguiram responder se há ganho ou perda de gelo naquela região. Os cientistas costumam dizer que ela está em equilíbrio.

O estudo de Zwally muda algumas premissas sobre os dados e argumenta não apenas que há ganho, mas que esse ganho mais do que compensa as perdas. Mas, como as medições naquela região são muito difíceis de fazer, alguns glaciologistas [clique aqui] acham que ele esteja errado – embora “haja uma chance pequena de que esteja certo”, como disse ao OC o glaciologista Ian Joughin, da Universidade de Washington. A figura abaixo, produzida por um pesquisador da Instituição Oceanográfica de Woods Hole, nos EUA, mostra onde está o consenso em relação à dieta da Antártida: as perdas ou ganhos de gelo são representadas pelos tetângulos. De 13 estudos, o de Zwally (retângulos marrons no alto da imagem) é o único a apontar ganho líquido. A maioria aponta perdas, aceleradas a partir de 2005 (aqui Zwally tem outro problema, já que a série de dados usada por ele só vai até 2008). 

Portanto, a Antártida continental está provavelmente perdendo mais gelo do que ganhando, e elevando o nível do mar. E só vai ficar pior no futuro.

4 – “O AGA (Aquecimento Global Antropogênico) é uma teoria anticapitalista da esquerda para regular a livre-iniciativa e dar todo o poder ao Estado” (diz a extrema direita) ou sua variante especular: “O AGA (Aquecimento Global Antropogênico) é a cabeça de ponte do imperialismo” (diz a extrema esquerda).

Parece incrível que alguém ainda use esse tipo de argumentação 25 anos depois da queda do Muro de Berlim. O bom dessas duas falácias é que uma delas já está descartada de cara pela aceitação da outra: afinal, o aquecimento global não pode ser ao mesmo tempo uma conspiração da esquerda (caso em que fica difícil explicar a ação de políticos como Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e Miguel Arias Cañete, todos de partidos conservadores) e da direita (caso em que fica difícil explicar como a verdadeira cabeça de ponte do imperialismo, o Partido Republicano dos EUA, se opõe maciçamente a combatê-lo). Conforme-se, Aldo Rebelo.

5 – “Nos anos 70 previram uma era do gelo.”

Nos anos 1970, medições de temperatura mostravam uma tendência de 30 anos de resfriamento em relação ao período pré-2ª Guerra. Isso fez alguns cientistas teorizarem que o Holoceno pudesse estar chegando ao fim e que a Terra pudesse estar entrando numa nova era glacial. A imprensa comprou a história pelo valor de face, embora essa não fosse a opinião majoritária entre os cientistas: um levantamento de 68 artigos científicos sobre o tema naquela época [clique aqui] mostra que 10% previam resfriamento global, 62% previam aquecimento e 28% não davam veredicto.

Hoje sabemos, graças aos estudos do clima do passado gravado no gelo antártico, que a longa duração do Holoceno não é sem precedentes na história da Terra: há 400 mil anos, um período interglacial durou 28 mil anos. O nosso tem cerca de 10 mil. Ou seja, a próxima era do gelo causada por fatores naturais ainda deve demorar um tempinho.

6 – “Não há consenso entre os cientistas de que a Terra está esquentando, nem evidência de que isso seja culpa dos seres humanos.”

É preciso saber antes o que é consenso e quem são esses cientistas. “Cientistas” é uma categoria ampla demais: a teoria da relatividade geral pode não ser “consenso” entre os zoólogos, assim como a evolução pode não ser “consenso” entre os físicos. A opinião de uns sobre o domínio dos outros vale tanto quanto a de qualquer outro leigo. Como João Gilberto costuma dizer, vaia de bêbado não vale.

Então a pergunta que precisa ser feita é: há consenso entre os climatologistas – que fazem pesquisa na área e publicam suas pesquisas em periódicos com revisão por pares, sujeitos ao julgamento da comunidade científica e ao falseamento – de que o aquecimento global é real e causado por humanos?

O pesquisador australiano John Cook e a turma do site Skeptical Science [acesse-o aqui] se fizeram essa pergunta em 2013. Eles vasculharam 12 mil artigos científicos na literatura que mencionavam “aquecimento global” e “mudança climática”, e constataram [veja aqui] que 97% deles afirmavam que o fenômeno é real e causado por humanos. Questionários enviados aos autores dos artigos produziram a mesma cifra: 97%. Portanto, sim, há consenso entre os cientistas. Um estudo de 2007 da americana Naomi Oreskes e outro de 2012 de James Powell chegaram às mesmas conclusões. Powell ilustrou seus resultados desta forma:

Agora vamos à segunda parte: há evidências de que isso seja causado por seres humanos? Em outras palavras, existe uma impressão digital humana no clima? Quem responde a essa pergunta são os satélites, esses diabólicos instrumentos da “ideologia aquecimentista”.

Caso a Terra estivesse esquentando por uma mudança na quantidade de radiação que chega do Sol, único fator natural capaz de mudar o balanço de energia do planeta, um satélite que medisse a temperatura ao longo das camadas da atmosfera veria um aquecimento por igual da estratosfera, a camada superior, e da troposfera, a camada mais baixa. Os satélites têm feito essas medidas. E o que eles detectaram? A troposfera está esquentando, OK. Mas a estratosfera está mais fria. Por quê? Porque a radiação solar reemitida pelo planeta na forma de infravermelho (calor) está ficando presa na troposfera. Por quê? Porque há uma mistura de gases na troposfera que são opacos ao infravermelho, ou seja, bloqueiam esse tipo de radiação. Essas medições são coerentes com um agravamento do efeito estufa, ou seja, um aumento na quantidade de CO2, metano, óxido nitroso e vapor d’água (sim, vapor d’água!) na atmosfera. Existe alguma fonte de gases de efeito estufa capaz de fazer isso? Sim: nós.

7 – “Os Estados Unidos tiveram um recorde de nevascas no último inverno. Cadê o seu aquecimento global?”

Aquecimento global é a média da temperatura planetária, associada ao aumento da quantidade de energia armazenada na atmosfera, que leva a mais extremos climáticos, sejam de calor ou de frio (sim, frio), de seca ou chuva, às vezes nas mesmas regiões. O aquecimento aumenta a evaporação dos oceanos e a quantidade de energia na atmosfera. Isso favorece tempestades mais fortes. Onde chove, chove mais, num período mais concentrado (paradoxalmente, isso também aumenta as estações secas). Onde neva, neva mais. É simples assim.

8 – “O aquecimento global parou em 1998.”

Esse argumento está errado de tantas maneiras que valeria um post inteiro só para ele. Muita gente de boa fé, incluindo cientistas e jornalistas de ciência veteranos, já foi seduzida por essa tese. Ela afirma que, após 1998, a curva de aumento de temperatura da Terra parece ter “estacionado”, ou seja, o aquecimento aparentemente parou de acelerar. Eu disse aparentemente.

O que aconteceu foi que, primeiro, 1998 foi um ano incomum: teve o El Niño mais forte já registrado antes deste de 2015. O El Niño joga o termômetro para cima no mundo todo. Se você olha a série de dados a partir de 1998, vai ter a impressão de que o aquecimento estacionou, porque começou a olhar de um ponto fora do padrão. O gráfico abaixo mostra como ao olhar a série inteira do século esse efeito desaparece, e vemos claramente uma progressão de aquecimento, com alguns períodos sem aceleração. Mesmo com 15 anos de aparente estase, todos os 15 anos mais quentes da história aconteceram no século 21, à exceção de 1998. É um recorde atrás do outro [clique aqui]. Os anos de 2005 e 2010 foram os mais quentes, depois superados por 2014, que será superado por 2015. 

A outra explicação para a desaceleração do aquecimento global foi dada pelos pesquisadores americanos Kevin Trenberth e Magdalena Balmaseda: em vez de ir esquentar a atmosfera, a energia em excesso dos gases-estufa estava esquentando as camadas mais profundas do oceano [baixe o estudo aqui].

Por fim, há quem diga que a tal “pausa” no aquecimento nunca existiu: trata-se apenas uma ilusão estatística [leia mais sobre isto, clicando aqui].

9 – “É tudo modelo. Se você torturar o modelo, ele te diz qualquer coisa.”

Modelos são grandes conquistas da humanidade. Mais até do que a mandioca [clique aqui]. Eles permitem fazer perguntas e testar ideias sobre a natureza em situações de outra forma impossíveis. Os remédios que você toma foram testados em modelos celulares e, eventualmente, em animais. O avião no qual você viaja foi testado antes num modelo computacional. Se não houvesse modelos, os aviões teriam de ser testados pela primeira vez na prática, depois de construídos – quem sabe, com uma tripulação de “céticos” da modelagem a bordo.

Como dito acima, modelos de clima (representações matemáticas da Terra, com atmosfera, polos, superfície e mares) precisam ser testados para “prever o passado” antes de colocados para rodar e simular o futuro – ou seja, simular as condições das últimas décadas para ver se a modelagem bate com o que foi medido. Modelos que falham no teste são simplesmente deletados.

Dito isso, os vários modelos climáticos globais têm personalidades matemáticas distintas, que lhes introduz vieses. O modelo do Centro Hadley, do Reino Unido, mostra um mundo em média mais seco no futuro. O modelo japonês Miroc mostra um mundo em média mais úmido. Para diluir o viés e reduzir a chance de erro, o IPCC usa mais de duas dezenas de modelos globais. E eles dão resultados incrivelmente parecidos.

10 – “O professor fulaninho diz que é tudo mentira.”

Voltamos à história de quem são os cientistas e qual é o consenso. Até pouco tempo atrás, havia em alguns veículos de imprensa o vício de entrevistar um ou outro negacionista mais midiático como forma de garantir “equilíbrio de visões” nas reportagens, como se em ciência todas as opiniões valessem a mesma coisa (volto à caricatura dos zoólogos debatendo relatividade geral), e como se a academia estivesse dividida 50% a 50% sobre o assunto. Este vídeo hilário do comediante inglês John Oliver [para assisti-lo, clique aqui – em inglês com legendas na mesma língua] mostra como seria se a imprensa resolvesse representar de fato o equilíbrio de visões da academia sobre a mudança do clima.

No Brasil houve dois negacionistas ilustres da mudança climática. Ambos são meteorologistas (ou seja, têm o costume de olhar o tempo, não o clima), a segunda categoria de cientista com mais propensão ao negacionismo climático (a primeira são os geólogos). Os currículos de ambos revelam uma escassez de publicações sobre mudança climática em periódicos indexados em bases de publicações nacionais ou internacionais (a indexação é uma medida, ainda que imperfeita, da seriedade e da relevância de uma publicação acadêmica). No caso de um deles, todos os sete artigos “científicos” que publicou sobre o tema saíram numa obscura revista eletrônica que tinha ele próprio no conselho editorial. Repetindo João Gilberto, vaia de bêbado não vale.

Fonte: EcoDebate – Cidadania & Meio Ambiente – 26 de novembro de 2015 – Internet: clique aqui.

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