«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DIVERGÊNCIAS ANTES DO SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA

Andrea Tornielli
Vatican Insider
18-09-2014

Nunca tinha acontecido de um Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em exercício, publicasse dois livros, em poucas semanas, para declarar inadmissível qualquer mudança na postura da Igreja a respeito do tema que será discutido em uma reunião sinodal.
Cardeal Gerhard Ludwig Müller
Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé

Foi assim que agiu o cardeal Gerhard Ludwig Müller, que desde 2012 guia o ex-Santo Ofício: em julho ofereceu à impressa um livro-entrevista, no qual se declarava contrário a qualquer abertura em relação à comunhão aos divorciados em segunda união (A esperança da família, edições Ares), e agora seu nome é o mais destacado entre os que assinam um volume coletivo que se intitula “Permanecer na verdade de Cristo” (que já foi publicado nos Estados Unidos e que acaba de ser impresso na Itália), cujo conteúdo foi divulgado, ontem, pelo jornal italiano “Corriere della Sera”.

            Os demais autores são outros quatro purpurados: Carlo Caffara, arcebispo de Bolonha, Raymond Leo Burke, Prefeito da Signatura Apostólica, e os eméritos Walter Brandmüller e Velasio De Paolis. Além disso, também colaboram o arcebispo Cyril Vasil, Secretário da Congregação para as Igrejas Orientais, e outros especialistas. Nos dois volumes, o tema central é a participação dos divorciados, que vivem em segunda união, na Eucaristia, algo que consideram inadmissível.

A inédita operação midiática (a que se somam também, na mesma sintonia, um texto do cardeal Angelo Scola e um livro que está para ser publicado do cardeal australiano George Pell, “ministro” de Economia vaticano) foi apresentada como uma resposta às aberturas que o cardeal Walter Kasper apresentou como uma hipótese, em fevereiro deste ano. A ele Francisco havia encomendado a relação introdutória do Consistório.

Diante de todos os cardeais, Kasper falou sobre o tema da família e, na última parte de seu articulado discurso, apresentou a possibilidade (caso por caso, em determinadas circunstâncias e após uma caminhada penitencial) de se voltar a admitir a comunhão aos divorciados em segunda união. O discurso causou muitas reações entre os cardeais e, no dia seguinte, tomando a palavra, Francisco o elogiou, dizendo que considerava que Kasper fazia “teologia de joelhos” e que em seu discurso havia encontrado “o amor da Igreja”. Durante os meses seguintes, após a publicação daquele texto, multiplicaram-se as entrevistas e as declarações. As posturas se polarizaram, o confronto e o enfrentamento se deram na arena dos meios de comunicação, assim como aconteceu durante o Concílio Vaticano II.

Francisco, que considera decisiva a mensagem da misericórdia, continua convidando a Igreja para que saia de si mesma e vá ao encontro dos homens e das mulheres nas condições em que vivem. Quis que ocorressem dois Sínodos sobre o tema da família: o primeiro, extraordinário, acontecerá entre os dias 5 e 19 de outubro deste ano. O trabalho continuará depois, envolvendo as Igrejas locais e, em outubro de 2015, um novo Sínodo (ordinário) se ocupará das conclusões.

Entrevista com o cardeal Walter Kasper.
Cardeal Walter Kasper - teólogo

Em fevereiro, o senhor falou a respeito do Sínodo, diante dos cardeais, e apresentou uma hipótese sobre a possibilidade da comunhão aos divorciados em segunda união. Em que consiste?

Walter Kasper: Não propus uma solução definitiva, mas, sim - após me colocar em concordância com o Papa -, fiz algumas perguntas e ofereci considerações para possíveis respostas. Este é o argumento principal: o sacramento do matrimônio é uma graça de Deus, que converte o casal em um sinal de sua graça e de seu amor definitivo. Inclusive, um cristão pode fracassar e, infelizmente, hoje muitos cristãos fracassam. Deus, em sua fidelidade, não deixa ninguém cair e, em sua misericórdia, oferece aos que desejam se converter uma nova oportunidade. Portanto, a Igreja, que é o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da misericórdia de Deus, deve estar próxima, ajudar, aconselhar, animar.

Um cristão nesta situação tem uma necessidade particular da graça dos sacramentos. Não é possível conceder segundas núpcias, mas, sim - como diziam os Padres da Igreja -, após o naufrágio, uma barca para sobreviver. Não um segundo matrimônio sacramental, mas os meios sacramentais necessários em sua situação. Não se trata de uma solução para todos os casos, que são muito diferentes, mas para aqueles que fazem tudo o que está ao alcance em suas situações.

O senhor colocou em dúvida a indissolubilidade do matrimônio cristão?

Walter Kasper: A doutrina da indissolubilidade do matrimônio sacramental se baseia na mensagem de Jesus. A Igreja não tem poder para mudá-la. Este ponto não muda. Um segundo matrimônio sacramental, enquanto alguém do casal continua vivo, não é possível. Entretanto, é preciso diferenciar a doutrina da disciplina, ou seja, a aplicação pastoral em situações complexas. Além disso, a doutrina da Igreja não é um sistema fechado: o Concílio Vaticano II ensina que há um desenvolvimento, no sentido de um possível aprofundamento. Pergunto-me se é possível, neste caso, realizar um aprofundamento semelhante ao que se deu na eclesiologia: ainda que a Igreja católica seja a verdadeira Igreja de Cristo, também há elementos de eclesialidade para além das fronteiras institucionais da própria Igreja católica. Em certos casos, também não seria possível reconhecer em um matrimônio civil alguns elementos do matrimônio sacramental? Por exemplo, o compromisso definitivo, o amor e o cuidado recíproco, a vida cristã, o compromisso público, que não existem nas uniões de fato.

Qual é o seu parecer a respeito deste novo livro, com contribuições de cinco cardeais, incluindo o Prefeito Müller?

Walter Kasper: Surpreendeu-me. Fiquei sabendo, hoje, pelos jornalistas. O texto foi enviado para eles e não para mim. Em toda a minha vida acadêmica, nunca me aconteceu nada parecido.

Na história recente da Igreja, já aconteceu de alguns cardeais intervirem desta forma organizada e pública, antes de um Sínodo?

Walter Kasper: Durante o Concílio Vaticano II e no pós-concílio, existiam as resistências de alguns cardeais frente a Paulo VI, inclusive por parte do então Prefeito do Santo Ofício. Porém, se não me engano, não com esta modalidade organizada e pública. Se os cardeais, que são os colaboradores mais próximos do Papa, intervêm desta maneira (pelo menos em relação à história recente da Igreja), encontramo-nos frente a uma situação inédita.

O que o senhor espera que aconteça durante as próximas semanas, no debate sinodal?

Walter Kasper: Espero que possamos ter uma troca de experiências sincera e tranquila, de argumentos, em um ambiente de escuta. Não respostas pré-fabricadas, mas, sim, esclarecimentos sobre o “status quaestionis”, e depois haverá um ano todo para a discussão em nível local, antes das decisões de 2015.

O senhor considera que o Papa Francisco fala muito sobre misericórdia?

Walter Kasper: Como é possível falar muito de um tema que é fundamental no Antigo Testamento? Claro, a misericórdia não contradiz a doutrina, porque é em si mesma uma verdade revelada, e não cancela os mandamentos do Senhor; mas é uma chave hermenêutica para sua interpretação. O Papa João XXIII, na abertura do Concílio, disse: “Hoje, a Igreja deve usar não as armas da severidade, mas, sim, a medicina da misericórdia”. A misericórdia é, pois, o tema central da época conciliar e pós-conciliar da Igreja católica.

Traduzido do italiano pelo Cepat.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 19 de setembro de 2014 – Internet: clique aqui.


Cardeais pelejando em público? 
Já vi este filme

John L. Allen Jr.
Crux
18-09-2014
Cardeais Gerhard Müller (esq.) e Walter Kasper (dir.)

Num restaurante em Roma, em fevereiro deste ano, estive sentado ao lado de um membro do Colégio Cardinalício no dia depois que o cardeal Walter Kasper fez um apelo veemente a companheiros deste clube exclusivo para que abrandassem a proibição da Igreja para com os católicos divorciados e recasados de receberem a Comunhão.

Kasper tinha sido escalado pelo Papa Francisco para falar aos cardeais em preparação ao Sínodo dos Bispos sobre a vida familiar, a acontecer entre os dias 5 e 19 de outubro próximo. Com certeza, Francisco sabia o que Kasper iria dizer, visto que em 1993 este cardeal fora um dos três bispos alemães que tentaram suavizar a mesma proibição, para logo em seguida serem chamados à atenção pelo Vaticano de João Paulo II.

Perguntei ao cardeal o que ele pensava sobre a fala de Kasper. Com um pesar no rosto, pausou como se estivesse medindo as palavras a usar e então deu o seguinte veredicto: “Este cara”, disse ele, “é maluco”.

A opinião do cardeal era a de que a doutrina de Jesus sobre o divórcio – “O que Deus uniu o homem não deve separar” – era bastante clara na Bíblia, e que portanto Kasper estava, basicamente, cuspindo no vento.

A nossa conversa foi feita em off, mas nos últimos dias a reação contra o cardeal Kasper irrompeu no espaço público.

Cinco cardeais do alto escalão publicaram um livro criticando a opinião de Kasper de que os católicos que se divorciaram e casaram novamente sem anulação – ou seja, sem a declaração de um tribunal eclesiástico de que a sua primeira união era inválida – deveriam ter condições de receber a Comunhão e os demais sacramentos da Igreja sob certas circunstâncias.

A defesa conta com o cardeal George Pell, australiano que atua como czar financeiro do Papa Francisco, e cujo peso neste papado recentemente se confirmou quando conseguiu que seu “protégé” [protegido] fosse nomeado arcebispo de Sydney; com o cardeal Gerhard Müller, alemão que serve como czar doutrinal do papa; e com o cardeal americano Raymond Burke, herói para os católicos tradicionais em geral.

Por outro lado, Kasper também não carece de aliados. O cardeal hondurenho Oscar Rodriguez Maradiaga, coordenador do Conselho de Cardeais assessores do papa, é um deles, e o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, é outro. Ravasi recentemente fez uso de uma coletiva de imprensa no Vaticano para dizer que até mesmo as primeiras comunidades cristãs reconheciam exceções à proibição relativa ao divórcio.

Embora o fogo cruzado entre os príncipes da Igreja aumente a atenção voltada ao Sínodo dos Bispos a acontecer no próximo mês, três observações sugerem uma dose de cautela sobre o quão animados os analistas devem ficar:

1) Esta não é a primeira vez que os cardeais discordam em público, apesar da preferência do Vaticano de que este tipo de situação seja mantido a portas fechadas.

Já em 2001, o próprio Kasper envolveu-se numa troca pública de opiniões junto a seu companheiro alemão, o cardeal Joseph Ratzinger, que depois se tornaria o Papa Bento XVI, sobre o que vem primeiro: a Igreja local ou a Igreja universal. Em grande parte, o debate se deu nas páginas da revista jesuíta America.

A ênfase de Kasper na Igreja local foi compreendida como um argumento para a descentralização, enquanto que a defesa da Igreja universal de Ratzinger foi percebida como motivo para um papado forte.

Em 2010, o cardeal Christoph Schönborn, de Viena, chamou a atenção do cardeal italiano Angelo Sodano, ex-secretário de Estado do Vaticano, por bloquear uma investigação sobre abusos sexuais contra o fundador dos legionários de Cristo, o falecido padre mexicano Marcial Maciel Degollado.

Nesse caso, Schönborn teve de ir a Roma para ter uma sessão de reconciliação junto ao cardeal Sodano, embora o Vaticano tivesse dito em nota, na época, que Schönborn não errara em nada.

Nos Estados Unidos, quando o cardeal Joseph Bernardin, de Chicago, apelou para um denominador comum entre os católicos liberais e conservadores no começo da década de 1990, o cardeal Bernard Law, de Boston, replicou que já havia um denominador comum na Igreja sob a forma do catecismo, o compêndio oficial da doutrina católica.

Mais tarde, Law iria renunciar em desgraça em meio aos escândalos de abusos sexuais em Boston, mas isso não fez com que inúmeros bispos parassem de concordar com a sua crítica sobre a iniciativa de Bernardin.

Poder-se-ia remontar mais ainda no tempo em busca de outros exemplos, mas a questão é que os cardeais pelejam em público o tempo todo.

É preciso lembrar que os cardeais são as segundas autoridades mais importantes no catolicismo depois do papa, e como pessoas VIP em qualquer outra burocracia, foram promovidos confiando em seus juízos e acreditando que, na maior parte do tempo, estão certos. Coloquemos algumas destas personalidades numa mesma sala, e teremos desentendimentos inevitáveis.

2) Não haverá um confronto dramático nos debates do Sínodo quando os protagonistas se depararem uns com os outros.

Sim, Kasper estará no Sínodo e Rodriguez Maradiaga também, em nome dos bispos de Honduras. Sim, Pell igualmente participará em virtude de seu departamento no Vaticano, assim como Burke e Müller.

No entanto, cada um irá participar a seu modo, sem uma sessão de perguntas e respostas no estilo Câmara dos Deputados; e as regras informais de relação entre os prelados católicos dita que não se deve eviscerar uns aos outros em público. Eles vão se abraçar, elogiar uns aos outros pela sabedoria que têm e pelo serviço que realizam, de forma a parecer serem os melhores amigos.

A troca será gentil e indireta, o que não vai fazer com que o desacordo seja menos real, mas vai exigir um esforço dos que estão de fora para compreenderem.

3) É importante lembrar que, por mais divertido que seja ver as autoridades católicas trocando farpas, em certa medida não são nada, pois um Sínodo dos Bispos é apenas um organismo consultivo do papa, quem continua sendo o tomador supremo de decisões.
Papa Francisco

Francamente, os cardeais podem pensar o que quiserem sobre quem deveria ou não ter condições de receber a Comunhão. Sob o direito canônico, no entanto, há apenas uma pessoa com a autoridade para modificar tais regras, e ela é o papa.

O Cânon 331 do Código de Direito Canônico, o conjunto de leis da Igreja Católica, afirma que o papa tem o “poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal”, que basicamente quer dizer que todas as decisões passam por sua mesa.

Como consequência, a única questão significativa que se levanta em direção ao Sínodo dos Bispos no próximo mês não é o que Walter Kasper ou Gerhard Müller pensam, ainda que possa parecer divertido ver estes dois trocando acusações.

A questão é o que o Papa Francisco pensa, e supondo que ele se pronuncie no Sínodo em algum momento, tal como outros papas fizeram, talvez tenhamos uma pista sobre o caminho que ele está inclinado a tomar. Francisco já convocou um outro Sínodo mais amplo a acontecer em 2015.

Portanto, não se espera nenhuma decisão imediata, mas poderemos ter um indicativo do que ele vem imaginando.

Se uma fala do papa acontecer, ela será notícia. Por enquanto, ver cardeais pelejando em público? É sempre divertido assistir, mas fundamentalmente… já vi este filme.

Tradução de Isaque Gomes Correa.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 22 de setembro de 2014 – Internet: clique aqui.

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