PRECISAMOS MUDAR NOSSOS HÁBITOS EM RELAÇÃO AO MEIO AMBIENTE

País melhora o ar, mas descaso com as águas continua

VALÉRIA FRANÇA

O investimento na expansão do saneamento diminuiu nos últimos 14 anos,
deixando o Brasil entre os piores índices do mundo
Praia de Tramandaí (litoral norte do Rio Grande do Sul) poluída com petróleo em 2012

Em apenas cinco anos o Brasil conseguiu mudar totalmente a imagem entre os ambientalistas ao redor do mundo ao alcançar um inesperado patamar de 80% de redução de CO2. Ao poluir menos, virou modelo, mas deixou questões importantes de lado. Não vem cuidando da fauna e muito menos de seu potencial hídrico – o que é ainda mais preocupante.

“Urgente hoje não é a poluição do ar, mas a das águas dos rios e mares”, diz a bióloga Adriana Gonçalves Moreira, especialista em meio ambiente do Banco Mundial. “Do ponto de vista de conservação de todos os biomas nacionais, o marinho é o que recebeu menos atenção.” Das áreas protegidas no continente, 30% são de florestas e 10%, de cerrado.

Já o mar tem apenas 2% de área protegida. “Isso é um problema mundial.” Os EUA também demarcam apenas 2% de território marítimo protegido, e Índia, 5%, por exemplo. Calcula-se que 77% dos poluentes despejados no mar acabem se concentrando na região costeira, que reúne o habitat marinho mais vulnerável. Os acidentes com cargueiros, principalmente os que levam petróleo bruto, são responsáveis por 10% da poluição dos mares do globo.

No Brasil, 87% do lixo encontrado nas águas do Atlântico vêm do território costeiro e impactam diretamente 267 espécies. Há muitos registros de tartarugas e golfinhos que morrem pela ingestão de plásticos, confundidos com algas. O Brasil também fica devendo em saneamento básico. Segundo estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável, apenas 37,5% de todo o esgoto gerado no País recebe algum tipo de tratamento.

O estudo também levantou o nível de saneamento em 120 países, estabelecendo um ranking, no qual o Brasil fica em 112º lugar. Desde 2000, houve redução no processo de expansão do setor de 4,6% para 4,1% ao ano. Outro problema são os pesticidas – o País é campeão mundial do uso na agricultura – , um tipo de poluição invisível, que também impacta o ecossistema marinho.

Soluções

Falta política de uso racional. “As águas devem ter uso múltiplo”, diz Marcos Thadeu Abicalil, arquiteto e urbanista especializado em águas e saneamento do Banco Mundial. “O esgoto tratado pode ter um reaproveitamento indireto.” Um bom exemplo disso, segundo o arquiteto, é o Aquapolo Ambiental – que nasceu de uma parceria entre a Odebrecht Ambiental e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) – , um centro de tratamento e fornecimento de água de reúso industrial para o Polo Petroquímico do ABC, em São Paulo.
Aquapolo Ambiental - São Paulo

O projeto transforma o esgoto previamente tratado em água para atividades industriais, como o resfriamento de turbinas. O método gera economia de água potável equivalente ao consumo de 500 mil habitantes. “Temos de diversificar e ser mais limpos”, diz a economista Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). “Precisamos ter uma cadeia limpa do início ao descarte.”

Ícone do descaso com o meio ambiente, o Rio Tietê atinge nível zero de O2 no trecho entre Suzano e São Paulo. “O despejo direto de esgoto doméstico e empresarial acaba com o potencial de uso, que poderia até ser de abastecimento”, diz Abicalil, referindo-se à seca que a maior capital do País está atravessando.

Do total de água tratada no Brasil, 36% é perdida em vazamentos. Em São Paulo, 30% dos investimentos vão para a reposição da rede, que está envelhecida.

“O Brasil não resolveu problemas de acesso à água, que são do século passado, e agora tem que lidar com as questões das mudanças climáticas.”

Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial/Fóruns Estadão Brasil 2018/Meio Ambiente – Segunda-feira, 1 de setembro de 2014 – Pg. X2 – Internet: clique aqui.

Mudar hábitos é a única saída

Bárbara Bretanha e Valéria França

Organizadas em função dos automóveis, 
cidades precisam de outro planejamento
Ricardo Abromovay - professor do Departamento de Economia FEA/USP

O mundo está entrando na era antropocênica, segundo cientistas. A interferência do homem no meio ambiente foi tão grande que, pela primeira vez, ele alterou o clima do planeta. Ninguém sabe responder como o planeta vai conviver com 4°C a mais na temperatura no fim do século.

Acabou a época das reclamações. “Não podemos mais viver das discussões dos problemas, precisamos partir para as soluções o mais rápido possível”, diz o economista Ricardo Abramovay, um dos debatedores do Fórum Estadão Brasil 2018 de Meio Ambiente. “Não dá para enxergar o meio ambiente como pedaços fragmentados. As chuvas do Sudeste e as geleiras dos Andes dependem da Amazônia.”

O Brasil precisa mudar a forma de viver, de produzir e de pensar a economia. Foi esse o recado dos especialistas que se apresentaram na última quinta-feira, no Insper, na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo. Hoje, o Brasil tem 1 carro para 4,4 habitantes. Há dez anos, a proporção era de 1 automóvel para 7,4 brasileiros. “As cidades estão desfiguradas pelo automocentrismo”, diz Abramovay. Pesquisa realizada pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) aponta que 40% de tudo que se constrói em São Paulo têm como objetivo armazenar automóveis.

O excesso de veículos, um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, é grande agravante para o problema do aquecimento global e das mudanças climáticas. A indústria automobilística tende a investir em novas tecnologias – que podem transformar o carro em uma plataforma compartilhada e capaz de produzir informações para melhor orientar o planejamento urbano.

Carros elétricos e mais recentemente os chamados híbridos, já se transformaram em realidade em montadoras como Toyota e Fiat, porém ainda não possuem preços competitivos para o mercado. “Mas a ideia não é que o carro elétrico substitua os que temos nas ruas. Isso seria inconcebível”, diz Abramovay. A ideia é que o carro seja um produtor de informação compartilhada.

Compartilhamento

Mercedes-Benz, Volkswagen, Ford e Renault são algumas das montadoras que dão suporte para o car sharing, projeto europeu de compartilhamento de carro alugado, que ficou popular em 2010 pela facilidade que as tecnologias de conexão, como as redes sociais, permitem que várias pessoas usem o mesmo carro. Calcula-se atualmente 3 milhões de usuários. Até 2020, a expectativa é que esse número aumente em mais de oito vezes. “Investimento em bens e serviços públicos e coletivos apoiados em mídias digitais podem ser alternativa para esses modelos predatórios”, afirma o economista.

A sociedade, que consome ainda indiscriminadamente, precisa se engajar. “Existe uma desconexão entre percepção de risco e a variabilidade ambiental. A mudança comportamental ainda é muito incipiente”, afirma Patrícia Pinho, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com a pesquisadora, os grupos precisam se organizar para criar alternativas coletivas, como sistemas de carona dentro de um mesmo bairro.

“O que está em jogo é a sobrevivência e a qualidade de vida, não só a renda”, diz ela. O recado: sem planejamento sustentável, as cidades entrarão em colapso.

Brasil e os automóveis

71,6 milhões de toneladas de CO2 são produzidas anualmente por veículos a gasolina no Brasil

1,6 bilhão de árvores teriam de ser plantadas para compensar as emissões

1 carro para 4 habitantes é o tamanho da frota nacional

mercado do mundo no comércio de veículos

Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial/Fóruns Estadão Brasil 2018/Meio Ambiente – Segunda-feira, 1 de setembro de 2014 – Pg. X7 – Internet: clique aqui.

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