«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

OS CHAMADOS "EVANGÉLICOS" E A POLÍTICA

Rebanho não tão uniforme

LEANDRO KARNAL*

Evangélicos não votam em bloco;
imaginá-los como marionetes é preconceituoso, diz historiador
Leandro Karnal - historiador e professor da UNICAMP

Um espectro ronda o Brasil: o voto evangélico. Há candidatos ligados a igrejas; uma parcela expressiva da população (algo entre 22,2% e 30%) se declara evangélica, e tem o peso da uma mídia ativa com capilarização notável. Desde o imponente Templo de Salomão, em São Paulo, a milhares de pequenas igrejas na periferia das cidades o mundo evangélico é um poderoso dínamo para as almas e para as urnas.

Como toda novidade, a ascensão religiosa tende a causar estranheza. No pôquer da política, um novo jogador sempre incomoda. Proponho, para discernir alguns temas, uma reflexão sobre três erros comuns e três meias verdades.

Erro 1: “A religião está começando a se meter em política”. As pirâmides do Egito, há quase 5 mil anos, mostram que poder, Estado e deuses são amálgama estrutural. Na Bíblia, Deus nomeia reis como Davi e destrói a oposição política a Moisés (Números 16,20-35). No Brasil, Estado e Igreja estiveram fundidos até a República. Podem variar os atores, o roteiro é muito antigo. Não há nada de novo sob o sol. O Estado laico é um sonho centenário, a teocracia, uma realidade milenar.

Erro 2: “A religião é o ópio do povo”. A citação parcial de Marx remete a um senso comum. Sim, religião pode atenuar choques sociais. Porém, organizações religiosas podem embasar atitudes muito críticas (como a Revolução Puritana na Inglaterra ou o MST, nascido nas sacristias da Pastoral da Terra). Religião é um poderoso catalisador social que pode ser dirigido para qualquer vetor. Religião pode ser alienante ou revolucionária. A Bíblia foi a base do movimento de reforma agrária e social anabatista no século 16. A Bíblia serviu para Lutero recomendar matar camponeses. Religião não é nada em si, mas pode ser qualquer coisa, inclusive revolucionária.

Erro 3: “Os evangélicos estão mudando a política brasileira”. Até o momento, isso não pode ser defendido com dados. As negociações de ministérios com lideranças evangélicas, a disputa eleitoral e os discursos mostram que a absorção dos políticos e do eleitorado evangélico é feita dentro da mais absoluta tradição tupiniquim. Seria possível dizer o contrário: a política brasileira está mudando os evangélicos. Reflexão interessante: Geisel era luterano; FHC, ateu; e Lula, católico. Alguém sentiu algo? Até o momento, a política parece estar alguns metros acima do Monte Sinai.

Meia verdade 1: “O voto evangélico torna a agenda política conservadora”. Como tendência geral, os evangélicos valorizam pontos como críticas ao casamento homoafetivo. Porém, a agenda política já é conservadora, como em geral é o voto no Brasil. Se submetidos a plebiscitos, itens como pena de morte apresentariam uma chance grande de aprovação. O tom médio do eleitorado, especialmente em questões de ordem moral, é muito conservador e isso antecede a presença evangélica no Parlamento. Os evangélicos não criam, apenas reforçam um reacionarismo difuso.

Meia verdade 2: “Marina representa o eleitorado evangélico”. Marina tem origem evangélica, mas o eleitorado evangélico também está pulverizado em outras candidaturas. Há tendência à solidariedade, mas há atomização das igrejas evangélicas. Também há uma migração interna de fiéis entre as diversas denominações, fenômeno que se acentuou na última década. Assim, não existe o voto evangélico “em bloco” no Brasil, e ele não está focalizado apenas em Marina Silva.

Meia verdade 3: “O eleitorado evangélico vota em quem os pastores mandarem”. Pastores e bispos apresentam influência sobre o rebanho, mas essa ideia subestima a capacidade crítica dos evangélicos e omite a mudança na composição social do grupo. Esse controle pode até ser desejado pelas lideranças religiosas, mas não existe como dado absoluto. O chamado “crente”, com sua roupa típica e seguidor da vontade do pastor, não é mais o perfil de várias igrejas, especialmente neopentecostais. Advogados, médicos, professores e empresários engrossam as fileiras da Renascer e da Universal. Imaginar que todos sejam eleitores marionetes é uma construção do preconceito.

Para encerrar: evangélicos não são obstáculo à democracia. Pelo menos, não constituem um obstáculo maior que a existência de centrais sindicais ou lobbies do agronegócio. O Parlamento é o local da diversidade da sociedade brasileira. Lá existe o pastor e o deputado ativista LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros]. Os evangélicos representam uma importante parcela da população e expressam suas posições através da mídia e da política. A diversidade faz parte do jogo e é saudável, ainda que eu possa não concordar com suas posições. Conviver com a diferença é um exercício árduo, tanto para evangélicos como para ateus e católicos.

A intelligentsia nacional ecoa velhos preconceitos. A crítica de certo público de elite aos evangélicos é um pouco de demofobia, de horror ao povo e seus estereótipos. Ninguém parece temer que o senador Pedro Simon seja católico fervoroso e franciscano terciário. Tudo isso está em ebulição intensa. O que acontecerá no futuro? Com o risco de parecer estranho, só Deus sabe.

* Leandro Karnal é historiador e professor de história cultural da UNICAMP.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 7 de setembro de 2014 – Pg. E3 – Internet: clique aqui.

Afinal, quem são “os evangélicos”?

Ricardo Alexandre*

De tanto que se falou sobre os evangélicos nas últimas semanas, nos jornais e nas redes sociais, talvez caiba uma pergunta:
afinal, quem são “os evangélicos”?
Silas Malafaia e Martin Luther King Jr.: duas faces da mesma moeda?

Homofóbicos, cortejados pela presidente, fundamentalistas. Massa de manobra de Silas Malafaia, conservadores, determinantes no segundo turno das eleições. De tanto que se falou sobre os evangélicos nas últimas semanas, nos jornais e nas redes sociais, talvez caiba uma pergunta: afinal, quem são “os evangélicos”?

A resposta mais honesta não poderia ser mais frustrante: os evangélicos são qualquer pessoa, todo mundo, ou, mais especificamente, ninguém. São uma abstração, uma caricatura pintada a partir do que vemos zapeando pelos canais abertos misturado ao que lemos de bizarro nos tabloides da internet com o que nosso preconceito manda reforçar. Dizer que “o voto dos evangélicos decidirá a eleição” é tão estúpido quanto dizer a obviedade de que 22,2% dos brasileiros decidirão a eleição. Dizer que “os evangélicos são preconceituosos”, significa dizer o ser humano é preconceituoso. É não dizer nada, na verdade.

Acreditar que há uma hegemonia de pensamento, de comportamento ou de doutrina evangélica é, em parte, exatamente acreditar no que Silas Malafaia gosta de repetir, mas é, em parte, desconhecer a história. A diversidade de pensamento é a razão de existir da reforma protestante. E continuou sendo pelos séculos seguintes, quando as igrejas reformadas do século 16 deram origem ao movimento evangélico, estes aos pentecostais e estes aos neopentecostais, todos microdivididos até o limite do possível, graças, novamente, à diversidade de pensamento – sobre forma de governo, vocação e pequenos pontos doutrinários. Boa parte destas, sem organização central, sem “presidência” nem representante, com as decisões sendo tomadas nas comunidades locais, por votação democrática.

Assim como não existe “os evangélicos” também não existe “os pentecostais”, nem “os assembleianos”: dizer que Malafaia é o “papa da Marina Silva” como disse Leonardo Boff, apenas porque ambos são membros da Assembleia de Deus, é ignorar que, por trás dos 12,3 milhões de membros detectados pelo IBGE, a Assembleia de Deus é rachada entre ministérios Belém, Madureira, Santos, Bom Retiro, Ipiranga, Perus e diversos outros, cada um com seu líder, sua politicagem e sua aplicação doutrinária. A Assembleia de Deus Vitória em Cristo de Malafaia, aliás, sequer pertence à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.

Ignorância parecida se manifesta em relação ao uso do termo “fundamentalista”, como sinônimo de “literalista”, aquele incapaz de metaforizar as verdades morais dos textos sagrados. A teologia cristã debate há dois mil anos sobre a observação, interpretação e aplicação dos escritos sagrados, quais são alegóricos e quais são históricos, quais são “poesias” e quais são literais. O deputado Jean Wyllys, colunista da Carta Capital, do alto de alguma autoridade teológica presumida, já chegou à sua conclusão: o que não for leitura liberal, é fundamentalista e, portanto, uma ameaça às minorias oprimidas. (Liberalismo teológico é uma corrente teológica do final do século 19 que lançou uma leitura crítica das escrituras, completamente alegorizada, negando sua autoridade sobrenatural, a existência dos milagres, e separando história e teologia).

Só que isso simplesmente não é verdade. Dentro da multifacetação das igrejas de tradição evangélicas, há as chamadas “inclusivas”, mas há diversas igrejas históricas, tradicionais, teologicamente ortodoxas, que acreditam nos absolutos da “sola scriptura” da Reforma Protestante, mas que têm política acolhedora e amorosa com as minorias. Algumas criaram pastorais para tratar da questão homossexual, outras trabalham para integrá-los em seus quadros leigos; outros, como disse o pastor batista Ed René Kivitz, estão mais dispostos a aprender como tratar “uma pessoa que está diante de mim dizendo ter sido rejeitado por sua família, pelo meu pai, pela minha igreja” do que discutir a literalidade dos textos do Velho Testamento.

O panorama da questão pode ser melhor entendido em Entre a cruz e o arco-íris: A complexa relação dos cristãos com a Homoafetividade (Editora Autêntica), livro o qual tive a honra de editar. Nele, o pastor batista e sociólogo americano Tony Campolo, ex-conselheiro do presidente Bill Clinton, diz: “Se você vai dizer à comunidade homossexual que em nome de Jesus você a ama (...) não teria que lutar por políticas públicas que demonstrem que você as ama? Pode haver amor sem justiça? Eu luto pela justiça em favor de gays e lésbicas, porque em nome de Jesus Cristo eu os amo.” Campolo, entretanto, faz distinção entre direitos e casamento: “O governo não deve se envolver nem declarar, de forma alguma, o que é casamento, quem pode ou não se casar”, ele disse. “Governo existe para garantir os direitos das pessoas. Casamento é um sacramento da igreja – governos não devem decidir quem deve ou não receber esse sacramento.” Campolo acredita que esta será a visão dominante entre cristãos americanos “em cinco ou seis anos”.
Entre os evangélicos brasileiros há quem pense desde já como Campolo – distinguindo união civil de casamento. Há quem pense de forma ainda mais radical: que a união civil, com implicações patrimoniais e status de família, deveria valer não apenas para casais homossexuais, mas para irmãos, primos ou quem quer que se entenda como família. Há quem defenda o acolhimento dos gays nas igrejas, mas o celibato para eles. Quem, embora sabendo que mais da metade das famílias brasileiras já não são no formato pai-mãe-filhos, ainda luta para restabelecer esse padrão idealizado. Há, sim, quem acredite que o seu conjunto de doutrinas e o seu modo de vida são fundamentais. Há aqueles que, enquanto estamos discutindo aqui, está mais preocupado se a melhor tradução do grego é a João Ferreira de Almeida ou a Nova Versão Internacional. E há quem acorde diariamente acreditando ser porta-voz do “povo de Deus”, pague espaço em redes de televisão para multiplicar esse delírio (mas, a julgar pelo 1% de intenção de voto do Pastor Everaldo, somente ativistas gays e jornalistas desmotivados acreditam nesse discurso). Esses são “os evangélicos”.

Na fatídica sexta-feira em que o PSB divulgou seu programa de governo, enquanto Malafaia gritava no Twitter em CAPSLOCK furibundo, o pastor presbiteriano Marcos Botelho, postou: “Marina, que bom que vc recebeu os líderes do movimento LGBTs, receba as reivindicações com a tua coerência e discernimento de sempre e um compromisso com o estado laico que é sua bandeira. Vamos colocar uma pedra em cima dessa polarização ridícula entre gays e evangélicos que só da IBOPE para líderes políticos e pastores oportunistas.”

Botelho não representa “os evangélicos” porque não existe “os evangélicos”. Mas Marcos Botelho existe e é evangélico. Assim como existe William Lane Craig, o filósofo que convida periodicamente Richard Dawkins para um debate público, do qual este sempre se esquiva; existe o geneticista Francis Collins vencendo o William Award da Sociedade Americana de Genética Humana; existe Jimmy Carter, dando aula na escola bíblica no domingo e sendo entrevistado para a capa da Rolling Stone por Hunter Thompson na segunda-feira; existe o pastor congregacional inglês John Harvard tirando dinheiro do próprio bolso para fundar uma universidade “para a honra de Deus” nos Estados Unidos que leva seu sobrenome; existe o pastor batista Martin Luther King como o maior ativista de todos os tempos; existe o jovem paulista Marco Gomes, o “melhor profissional de marketing do mundo”, pedindo licença para “falar uma coisa sobre os evangélicos”. E existe o Feliciano, o Edir Macedo, a Aline Barros, o Thalles Roberto, o Silas Malafaia e o mercado gospel. Como existe bancada evangélica, mas existem os que lutaram pela “separação entre igreja e estado” na constituição, e existem os que acreditam que levar Jesus Cristo para a política é trabalhar não para si, mas para os menos favorecidos.

Existe o amor e existe a justiça, como existe o preconceito, o dogmatismo, o engano, o medo, a vaidade e a corrupção. Não porque somos evangélicos, mas porque somos humanos.

* Ricardo Alexandre é jornalista e escritor, radialista e blogueiro. Recebeu o Prêmio Jabuti 2010, ex-diretor de redação das revistas Bizz, Época São Paulo e Trip. É membro da Igreja Batista Água Viva em Vinhedo, interior de São Paulo.

Fonte: Carta Capital – Sociedade/Eleições 2014 – 07/09/2014 – 07h40 – última atualização 09/09/2014 às 15h03 – Internet: clique aqui.

O Neoconservadorismo Evangélico:
uma avaliação da entrevista do Pastor Silas Malafaia ao jornal “O Globo”

Magali do Nascimento Cunha*
Pr. Silas Malafaia e Dep. Marco Feliciano

A entrevista do líder da Assembleia de Deus em Cristo Silas Malafaia ao jornal O Globo em 1 de setembro é o retrato do pastor e do lugar que ele ocupa no quadro do neoconservadorismo predominante no cenário evangélico. O termo conservadorismo é usado aqui no sentido da ciência política referente a posições alinhadas com a manutenção (contrária a mudanças) de determinada ordem sociopolítica, econômica, institucional, ou de crenças, usos e costumes de uma sociedade.

O conservadorismo dos evangélicos no Brasil não é dado novo, diante da formação deste segmento cristão no século XIX baseada no fundamentalismo bíblico, no puritanismo e no sectarismo. Muito se transformou nestas bases ao longo do século XX, emergiram grupos abertos à atuação social, ao ecumenismo, mas o conservadorismo sempre foi predominante entre os evangélicos. Foi ele que provocou a omissão das igrejas frente à implantação da ditadura militar no Brasil (1964-1985) e também tornou possível o alinhamento de boa parte das lideranças evangélicas com o governo de exceção.

Nos anos 2000 temos uma nova face do conservadorismo religioso, um neoconservadorismo, que emerge como reação a transformações socioculturais que o Brasil tem experimentado, em especial a partir dos anos 2002, com a abertura e a potencialização de políticas do governo federal voltadas para direitos humanos e gênero. O "neo" se deve à visibilidade mais intensa de lideranças evangélicas que se apresentam como pertencentes aos novos tempos, em que a religião tem como aliados o mercado e as tecnologias, mas que se revelam defensoras de posturas de um conservadorismo explícito.

Lideranças midiáticas se fortalecem na esfera pública, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, o pastor do Ministério Tempo do Avivamento (Assembleia de Deus) deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), o senador sem-igreja Magno Malta, cantores gospel e novas celebridades religiosas. Além da visibilidade midiática que as transforma em autoridades/referências religiosas que ultrapassam até mesmo os arraiais evangélicos, essas pessoas têm em comum, discursos de rigidez moral e de conquista de poder na esfera pública.

O conservadorismo evangélico explícito dos anos 2010 parece estar dentro de um contexto de fortalecimento de posturas conservadoras na esfera pública brasileira. Um desdobramento dos dados de pesquisa eleitoral realizada pelo Datafolha em outubro de 2013 revelou que a maior parte dos brasileiros se identifica com valores de direita. A separação foi feita com base nas respostas dos entrevistados a perguntas sobre questões sociais, culturais e políticas, como a pena de morte e o papel dos sindicatos na sociedade. Dos entrevistados:
  • 38% foram classificados como de centro-direita,
  • 26% de centro-esquerda,
  • 22% de centro,
  • 11% de direita e
  • 4% de esquerda.
Em acordo com o que o Datafolha indica vários analistas sociais têm sugerido que uma tendência política tradicionalista em questões morais e sociais, defensora da liberdade individual e do livre mercado está em ascensão no Brasil. O sucesso de políticos como os deputados Marco Feliciano e não-religioso Jair Bolsonaro, de partidos como o Social Cristão (PSC), que lançou candidato o Pastor Everaldo (Assembleia de Deus) à presidência da República, e de celebridades religiosas como o pastor Silas Malafaia é elemento emblemático. Com discursos dentro do ideário da moral cristã (contra o aborto e o controle da natalidade e pelo tratamento psicológico a homossexuais) e de princípios caros ao liberalismo na política e na economia (Estado mínimo e elogios ao livre mercado), essas personagens têm captado apoios para além do círculo religioso com o mote “é preciso salvar a família”.
Pastor Everaldo - candidato à Presidente da República

Na visão destas lideranças a família está sob a ameaça dos movimentos civis por direitos sexuais e enfrentamento da violência sexual, reforçados pelas ações do governo federal, desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu em 2002 com abertura de mais espaços para legislação que responda a essas demandas. Alguns apelos ainda tomam como ingrediente uma possível ameaça de o comunismo tomar conta do Brasil. Segundo esses discursos, este seria o verdadeiro propósito do governo do PT em nível nacional.

Todo este processo tem a mediação das mídias, que historicamente têm um alinhamento com valores e políticas conservadoras, dado o perfil dos seus proprietários, e que, pelo menos na última década, em especial na cobertura noticiosa, tem dado amplo espaço para analistas e comentaristas defenderem abertamente essas perspectivas, como é o exemplo de:
  • Arnaldo Jabor,
  • Alexandre Garcia e
  • Merval Pereira, nas Organizações Globo;
  • Reinaldo Azevedo, na revista Veja;
  • José Luiz Datena e Boris Casoy, no Grupo Bandeirantes;
  • Marcelo Rezende, na Rede Record;
  • Luiz Felipe Pondé [filósofo da PUC/SP e Faap],
  • a TV Cultura; e mais recentemente,
  • Rachel Sheherazade, no SBT.
Soma-se neste quadro elemento significativo: a identificação de não poucos casos de racismo em estádios de futebol e em inúmeras postagens em redes digitas. São movimentos da dinâmica sociopolítica e religiosa que vão marcar novas tendências e merecem ser acompanhados nos tempos por vir.

A entrevista do pastor Silas Malafaia em O Globo ainda tem um elemento que vale a pena destacar. O líder religioso ganha espaço também jogando forte com um discurso enganoso e as mídias caem na armadilha. Segundo o pastor Malafaia nos registros do IBGE, 25-27% de evangélicos mais 20% de católicos praticantes apoiam as posições conservadoras defendidas por ele, e por tabela, pela candidata do PSB à Presidência da República Marina Silva, a quem ele registra apoio num eventual segundo turno. O engano é tratar os evangélicos como um grupo monolítico: não são conservadores na totalidade, bem como não votam com Marina Silva na totalidade. Retórica enganosa que as mídias repetem sem correção.

* Magali do Nascimento Cunha, jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora da Universidade Metodista de São Paulo e autora do livro A Explosão Gospel. Um Olhar das Ciências Humanas sobre o cenário evangélico contemporâneo (Ed. Mauad).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 10 de setembro de 2014 – Internet: clique aqui.

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