Análises e reações ao "Acordo de Paris" para a redução do aquecimento global
Para especialistas, texto é bom, mas tem lacunas
Giovana
Girardi & Andrei Netto
Eles dizem que o documento não deixa claro como
combater
as mudanças climáticas;
“países vulneráveis” ganharam espaço no acordo
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Centenas de ambientalistas fazem ato em frente à Torre Eiffel, em Paris, com mensagem de paz e esperança. Corpos estendidos pelo chão escreveram: "100% renovável" Foto: Thibault Camus / AP |
O
Acordo de Paris é histórico por juntar pela primeira vez todos os países do
mundo no objetivo comum de combater as mudanças climáticas e buscar conter o
aquecimento do planeta a 1,5°C. Apesar de não deixar muito claro como isso será
feito, traz os pilares para promover a
transição para um mundo sem carbono. Essa foi a avaliação de organizações
ambientais e sociais sobre o documento assinado na noite deste sábado em Paris.
"A roda das ações
climáticas se move vagarosamente, mas em Paris ela virou. Esse acordo coloca a
indústria do combustível fóssil no lado errado da história", disse Kumi Naidoo, diretor executivo do Greenpeace. "Há muitas
coisas no texto que foram diluídas e poluídas pelas pessoas que querem espoliar
nosso planeta, mas ele contém um novo
imperativo para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Esse número
singular e o objetivo de zerar as emissões líquidas pela metade do século vão
causar impacto nas diretorias das companhias de carvão e nos palácios dos
Estados exportadores de petróleo."
Para
Carlos Rittl, do Observatório do Clima, ao longo de mais
de 20 anos de negociações climáticas sempre houve muita expectativa e muita
frustração, mas em Paris, diz, se fez
história. "Claro que o texto
não temos toda a clareza sobre os caminhos que precisamos seguir. Mas ele tem
elementos importantes, os pilares desse processo. A referência do 1,5°C
significa que nós da sociedade civil vamos voltar para casa e podemos cobrar
atualização da INDC (pacote de compromissos de redução das emissões de gases de
efeito estufa do Brasil), dos investimentos, dos planos. Começa em Paris um novo regime climático."
Para
o ambientalista, no entanto, o fato de
acordo ter sido construído de baixo para cima, ou seja, com as metas sendo
propostas pelos países e não impostas de cima para baixo pelo acordo, deixa
muita coisa para ser decidida pela vontade de cada país. "São eles que
vão decidir como vão se engajar para aumentar a ambição de mitigação e de
financiamento. E há um risco nisso. Se o espírito positivo de engajamento que
se viu até Paris se desfizer, podemos seguir numa trajetória perigosa de
aquecimento de 3°C", complementou.
PERDAS E DANOS
ONGs
que trabalham com países mais vulneráveis elogiaram também a presença de um
artigo sobre "perdas e danos". Apesar de não trazer menções a
compensações financeiras para aqueles países que já estão além da capacidade de
se adaptar às mudanças climáticas, o texto fala que é preciso lidar com o
problema.
"É a primeira vez que ‘perdas
e danos’ é incluído num texto global e só isso já é muito importante. Não traz compensação, mas
como o documento considera limitar o aquecimento a 1,5°C, já está direcionando
ações para que se evite mais danos para esses países mais vulneráveis. É uma
conquista", disse Mohamed Adow,
conselheiro climático da Christian Aid.
Jennifer Morgan, diretora global do
programa de clima do World Resources
Institute, afirma que o acordo
ganhou poder ao incorporar as "vozes dos mais vulneráveis".
"Mas claro que, como todas as
negociações difíceis, não podemos dizer que se acordou exatamente tudo o que
queríamos. Há muito trabalho a ser feito. E o acordo traz um sinais claros:
um compromisso de voltar para a mesa a
cada cinco anos para revisar e reforçar os compromissos dos países; um
sinal para o longo prazo sobre a inevitável mudança para uma economia de zero
carbono; e suporte financeiro para os países vulneráveis", diz. "Em Paris, o mundo deu uma mensagem
clara. Estamos unidos na nossa determinação de criar um futuro mais seguro,
saudável e mais próspero."
Até
mesmo a comunidade científica, que na sexta-feira estava crítica ao texto de
rascunho que tinha sido apresentado, viu mudanças positivas na versão final.
"O texto reconhece o imperativo da comunidade científica de combater as
mudanças do clima. Os três elementos-chave para fazer isso estão no texto de
alguma forma: manter o aquecimento bem
abaixo de 2°C, praticamente mover a
economia para longe dos combustíveis fósseis e revisar a contribuição de cada país a cada cinco anos para aumentar a
ambição", disse Corinne Le
Quéré, da Universidade de East Anglia.
"Todos os governos
parecem agora reconhecer que a era dos combustíveis fósseis precisa acabar, e
logo. Mas o poder da indústria dos combustíveis fósseis está refletido no
texto, que prolonga a transição de tal forma que danos climáticos sem fim serão
cometidos.
Já que a velocidade é uma questão crucial agora, nós ativistas precisamos
redobrar nossos esforços para enfraquecer essa indústria. O texto não salvou o planeta, mas pode ter salvo a chance de salvar o
planeta", completou Bill
McKibben, cofundador da 350.org.
Ontem,
ativistas tomaram as ruas de Paris para protestar contra o documento.
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