Lições que as idas e vindas da reforma do ensino público em São Paulo nos traz
Recuo no tempo e no espaço
José de Souza
Martins
Sociólogo
e membro da Academia Paulista de Letras
A educação hoje é debatida nos movimentos de rua, um
fato novo
que não deve ser subestimado.
Há um novo parceiro da
educação no cenário,
o próprio educando e sua família.
POLÍCIA MILITAR EM CONFRONTO COM ESTUDANTE EM MANIFESTAÇÃO: aquilo que deveria ser discutido e conversado entre governo e estudantes, acabou transbordando para as ruas devido ao autoritarismo e incompetência do governo estadual! |
Aparentemente,
foi um equívoco a estratégia de ocupação de escolas públicas em São Paulo, para
questionar a adoção de um plano de redistribuição espacial dos alunos e
aproveitamento racional dos edifícios. Reconheceram-no os próprios estudantes: tiveram que levar as carteiras para as
ruas, parar o trânsito e nelas sentar para que sua causa fosse tratada como
questão de polícia e os adolescentes tratados como transgressores da ordem.
Só assim seriam vistos e a ela dariam visibilidade.
Descobriram
que neste país o que pode ser considerado propriamente político está vinculado
a um código restrito de definições que passa pela entrada dos descontentes no
sistema de significações que criminaliza antes as demandas sociais. Podem protestar e reivindicar, não como
cidadãos, mas como se fossem delinquentes. Como acontecia antes da
Revolução de Outubro de 1930, de certo
modo, o protesto social ainda é uma questão de polícia. Provavelmente, em
minha vida, não verei aqui o que vi em Londres em agosto de 1973, durante o
governo conservador e neoliberal de Margareth Thatcher: uma enorme passeata de
milhares de professores contra a política do governo para a educação, de ambos
os lados acompanhada pela polícia fardada para protegê-los e assegurar-lhes o
direito de manifestação.
Nas manifestações paulistas
de agora, não foram os educadores que deram encaminhamento ao problema
levantado pelos estudantes, foi a polícia. Deu-lhe não como aquilo que é e sim como
aquilo que não é. O quadro negro, o caderno e o livro não funcionaram.
Ocupou-lhes o lugar e a função a pedagogia pré-moderna e retrógrada da
palmatória, do cassetete, do soco, da rasteira e do pontapé, à custa de macular
a educação, deformada, desconstruída pelas bombas de gás lacrimogênio e pela
cacetada. A polícia mostrou quem é o
educador e mostrou que entre nós educar ainda é enquadrar. Enorme recuo em
relação ao que nossa educação já foi.
Prof. Dr. Herman Jacobus Cornelis Voorwald é engenheiro mecânico e professor, foi reitor da UNESP e Secretário Estadual da Educação |
É estranho que tenha caído o
secretário da Educação, mas não tenham caído o secretário de Segurança e o
comandante da Polícia Militar de São Paulo. O secretário da Educação caiu porque
insistiu num projeto tecnicamente correto, embora sociologicamente equivocado:
as mudanças propostas colidiram com o modo de vida e a mentalidade do homem
comum, alunos e pais de alunos. A escola já não é uma instituição de prancheta,
concebida no primado da linha reta. O refúgio do antigo, histórico e
emblemático prédio do Instituto de Educação Caetano de Campos, onde funciona
hoje a Secretaria de Educação, não é suficiente para abrigar e legitimar
decisões de governo sobre assuntos educacionais.
A educação hoje é debatida
nos movimentos de rua, um fato novo que não deve ser subestimado. Há um novo parceiro da educação no cenário, o próprio educando e sua
família. É preciso decifrá-lo para reconceituar a escola, compreender os
dilemas nela instalados, desvendar-lhe os mistérios que abriga, como o da atual
crise de gerações. É preciso desvendar
as amarguras de um corpo docente desiludido. Ainda nestes dias, foi noticiado
que no Estado de São Paulo cerca de 26 mil professores contratados e 8 mil
concursados desistiram da docência em 2015.
Ajustar
a educação, de maneira estrita, aos critérios de produtividade de uma fábrica
de massa de tomates ou de uma fábrica de salsichas é grave confusão. Como grave
confusão é adotar a lógica da manada para enquadrar cidadãos em formação, que
são os adolescentes, à disciplina que deveria haver no trânsito. É não saber
transitar entre uma coisa e outra.
O
movimento de ocupação de escolas em São Paulo, como protesto dos estudantes
contra a reorganização do espaço escolar, acabou desbordando numa crítica muito séria ao ensino e à qualidade
do que é ensinado na sala de aula. O movimento primariamente contra a
reordenação do espaço escolar foi a gota d’água. O que os estudantes manifestaram foi insatisfação com a qualidade do
ensino público. Questionaram a engenharia do espaço escolar em nome do que
consideram falta de conteúdo pedagógico do que nesse espaço se ensina. Alunos
de uma das escolas ocupadas, provenientes de escolas particulares, foram,
provavelmente, os agentes da tomada de consciência da crise da escola pública.
É esse um indício de frustração em face de relativamente breve período de
ascensão social da nova classe média, e das primeiras evidências dos efeitos da
crise econômica nas condições de vida dessa camada social.
A ocupação das escolas e o
modo politicamente incompetente como a tensão foi empurrada para o inevitável
das ruas detonaram outros pontos explosivos de uma situação social problemática. Se compararmos os
confrontos desta semana entre estudantes de um lado e a polícia e setores da
população de outro com os primeiros momentos de mera ocupação das escolas, há
cerca de um mês, teremos um verdadeiro mapa de quanto o conflito estudantil com facilidade se articulou com outros
focos da tensão social a ele completamente estranhos.
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