«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Papai, mamãe, gênero e amor

Michela Marzano*
Jornal “Trentino”
12-12-2015

Os estudos sobre o gênero têm como objetivo, sobretudo, o de combater as discriminações e as violências sofridas por quem, mulher, homossexual ou trans, é considerado inferior apenas por causa do seu sexo, da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero.
MICHELA MARZANO
E a capa de seu mais novo livro sobre a polêmica noção de "gender" ou "gênero".
O livro já está dando o que falar na Itália, onde foi primeiramente publicado.

Publicamos aqui um trecho da introdução do livro Papà, mamma e gender, da filósofa italiana Michela Marzano [Utet, 2015], professora da Universidade de Paris V - René Descartes. [Por enquanto, só edição desta obra em italiano, não há previsão de tradução no Brasil].

"Tirem as mãos dos nossos filhos", "nascemos homem e mulher", "pare o gênero nas escolas", "o gênero é esterco do diabo". Oito anos depois do primeiro Family Day, que tinha visto sair à Praça São João, em Roma, mais de um milhão de pessoas ao som de "o bem da família é o bem do país", no dia 20 de junho de 2015, realizou-se, também na Praça São João, um segundo Family Day.

Novamente, um milhão de pessoas na praça. Desta vez, porém, não só para defender a família no momento em que o Parlamento tinha recomeçado a discutir as uniões civis, mas também para se opor ao "projeto louco" de introduzir nas escolas o gender.

"Eu me pergunto se a teoria de gênero não é também expressão de uma frustração e de uma resignação que visa a apagar a diferença, porque não sabe mais se defrontar com ela", dissera alguns meses antes o Papa Francisco, legitimando assim, mesmo que indiretamente, a hostilidade em relação ao gender.

Mas o que é realmente essa teoria? Ela existe? É verdade que se quer ensinar aos menores que o sexo é escolhido com base naquilo que, pouco a pouco, se percebe, como diz um vídeo realizado pela Associação ProVita? É verdade que, de agora em diante, não se falará mais de "pai" e de "mãe", mas de "progenitor 1" e "progenitor 2"? É verdade que a pedofilia também é um gênero e que logo será legalizada? É verdade que se ensina a masturbação precoce já nos jardins de infância, como alegam outros vídeos?

"Mas você viu que coisa esse gender?", me perguntaram preocupados muitos pais nos últimos meses, enquanto esses vídeos começavam a se espalhar de forma cada vez mais maciça. Levei algum tempo para entender o que estava acontecendo. Eu subestimei a amplitude do fenômeno. Talvez estive desatenta.

O fato é que, por meses, eu me limitei a pensar que todos estavam exagerando um pouco. Não só aqueles que estavam demonizando o gender, mas também aqueles que, comprometidos com a luta contra as discriminações e o bullying, me sinalizavam a hostilidade crescente contra toda iniciativa e atividade voltada a desconstruir os estereótipos sexistas e homofóbicos.

Durante meses, eu não percebi que estava sendo criada pouco a pouco uma fenda muito profunda na Itália. De um lado, aqueles que estão convencidos de que está sendo levado adiante um projeto de doutrinação dos menores voltado a minar os valores da família e a banalizar qualquer comportamento sexual.

De outro, aqueles que estão igualmente convencidos de que é necessário promover nas escolas não só a cultura do respeito e do diálogo, mas também uma real educação à aceitação das diferenças e à rejeição das discriminações.

De um lado, aqueles que são mais e mais frequentemente designados como adeptos do relativismo ético – embora muitas vezes se trate de pais, mães, irmãs e irmãos de pessoas homossexuais ou transexuais, homens e mulheres que se defrontaram diretamente com o drama de uma pessoa marginalizada apenas por ser gay, lésbica ou trans.

De outro, os essencialistas e todos aqueles que acreditam que existe uma definição única e absoluta do Bem, mas também a Ação Católica e muitos intelectuais de esquerda, que talvez ainda não se defrontaram com o drama que pode ser vivido por um filho ou um amigo gay, ou uma filha e uma amiga lésbica, no momento em que se sentem rejeitados e marginalizados.

Não estamos arriscando nos atolar em inútil guerra ideológica em que, já hoje, ninguém mais escuta ninguém? Não se trata, na realidade, de um problema apenas italiano. Na França, por exemplo, circulam livros e panfletos inutilmente polêmicos contra o gender.

"Nomear as coisas corretamente", dizia Albert Camus, "é um modo para tentar diminuir o sofrimento e a desordem que existem no mundo." O propósito deste livro é justamente este. Desmontando as interpretações mais fantasiosas que cercam hoje a chamada "ideologia de gênero", através da leitura e do comentário daqueles vídeos e daqueles escritos já virais.

Vídeos e documentos, muitas vezes, cheios de erros grosseiros (desejados? inconscientes? ditado pela ignorância?) e muita confusão (desejada? inconsciente? ditada pela ignorância?), em que se afirma, por exemplo, como se fosse uma evidência, que o gender falaria de um "direito natural de mudar as escolhas dentro dos cinco sexos, como o gay, lésbico, bissexual, transexual e heterossexual", misturando, assim, mais uma vez, sexo, gênero e orientação sexual.

Na verdade, os estudos sobre o gênero têm como objetivo, sobretudo, o de combater as discriminações e as violências sofridas por quem, mulher, homossexual ou trans, é considerado inferior apenas por causa do seu sexo, da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero.

Esse é o motivo pelo qual, há muito tempo, eu me ocupo com o gender e não entendo por que hoje há tanta hostilidade e tanto medo contra ele, embora eu mesma acredite que certas posições, às vezes, são radicais, às vezes até mesmo excessivamente provocadoras.

Mas não devemos jogar fora o bebê com a água do banho. Neste meu livro, eu gostaria de me aproximar do tema do gender para contar a gênese do conceito e as suas mil facetas. Mas também para mostrar como os estudos de gênero têm muito pouco a ver com as representações que são feitas deles e com os fantasmas que apenas a palavra "gender" desperta hoje.

* MICHELA MARZANO, nasceu em Roma, 1970, estudou na Scuola Normale Superiore de Pisa (Itália), onde obteve um doutorado de pesquisa em Filosofia e na Universidade La Sapienza de Roma. É autora de numerosos ensaios e artigos de Filosofia Moral e Política. Na Itália ela publicou, entre outros títulos, Estensione del dominio della manipolazione [Extensão do domínio da manipulação, 2009], Sii bella e stai zitta [Seja bela e fique quieta, 2010], Volevo essere uma farfalla [Desejava ser uma borboleta, 2011], Avere fiducia [Ter confiança, 2012], Il diritto di essere io [O direito de ser eu, 2014], Papà, mamma e gender [Papai, mamãe e gênero, 2015]. Ela é professora ordinária da Universidade de Paris René Descartes, dirige uma coleção de ensaios filosóficos para as Edições PUF (Presses universitaires de France) e colabora com o jornal italiano “La Repubblica” e a revista “Vanity Fair”. Atualmente é deputada do parlamento italiano pelo Partido Democrático (Pd).

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 16 de dezembro de 2015 – Internet: clique aqui.

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