«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Aprendendo com a visita do Papa a Cuba e Estados Unidos

Lições de Cuba sobre o que esperar do
Papa Francisco nos Estados Unidos

John L. Allen Jr.
Crux
22-09-2015

Os desafios deixados por Francisco em Cuba e aqueles que
ele enfrentará nos Estados Unidos
PAPA FRANCISCO
Beija uma criança após ter recebido um presente dela na Basílica de Nossa Senhora da Caridade do Cobre
El Cobre - Cuba

O Papa Francisco encerra três dias intensos em Cuba na terça-feira, celebrando uma missa de manhã na Basílica da Virgem da Caridade do Cobre, padroeira nacional do país, e, em seguida, realizando uma reunião com as famílias no centro da catedral de Santiago.

Assim que ele concluiu seu balanço sobre Cuba, Francisco mais uma vez estabeleceu um desafio indireto ao regime cubano – não através de demandas explícitas para a reforma política, mas fornecendo uma narrativa alternativa sobre a identidade cubana e possibilidades.

Na missa em Santiago na terça de manhã, Francisco insistiu que as raízes de Cuba se encontram em Cobre e na proteção maternal da Virgem Maria.

"A partir daqui, ela protege as nossas raízes, nossa identidade, de modo que talvez nunca nos desviemos para caminhos de desespero", disse o papa.

Francisco também deliberadamente recuperou a palavra que define a retórica socialista de Cuba: "Revolução".

"Somos chamados a viver a revolução da ternura como Maria, nossa Mãe da Caridade, fez", disse o papa. "Nossa revolução acontece através de ternura, através da alegria, que sempre se torna em proximidade e compaixão e nos leva a nos envolvermos, e para servir, na vida dos outros".

É impressionante que, embora Francisco não tenha proferido a frase "liberdade religiosa" desde que chegou a Cuba – o mais perto que chegou foi um apelo para a Igreja para desfrutar da "liberdade, meios e espaço" necessários para levar a cabo a sua missão – a ideia esteve implícita em grande parte do seu comentário.

Mais tarde na terça-feira o pontífice chega a Washington, DC, onde ele iniciará o que promete ser cinco dias agitados nos Estados Unidos.

Foi Francisco quem tomou a decisão de agrupar a sua viagem para os Estados Unidos com uma parada inicial em Cuba, por isso é coerente perguntar o que aprendemos ao longo dos últimos três dias que pode fornecer uma visão sobre o que os americanos devem esperar durante a próxima semana.

Aqui, então, estão cinco tópicos do papa Francisco em Cuba com implicações para o que está reservado para os americanos.

1. Fim do embargo

Como o porta-voz do Vaticano lembrou à imprensa na noite de segunda, Roma tem sido lembrada como contrária ao embargo imposto pelos EUA a Cuba, que é o embargo comercial mais longo na história. Ele ressaltou que o Papa Bento XVI também foi crítico do embargo quando visitou Cuba em 2012, dizendo que é “não uma novidade”.

Dado que Francisco está vindo para os Estados Unidos diretamente de Cuba, é uma aposta segura que, em algum lugar ao longo do caminho – muito provavelmente em seu discurso na quinta-feira para uma reunião conjunta do Congresso – ele vai dizer algo que, direta ou indiretamente, será lido como um apelo para deter o isolamento de Cuba através do fim do embargo.

Nunca é aconselhável ser demasiado dogmático sobre o que Francisco vai ou não vai fazer, mas esta é, provavelmente, a aposta mais segura que você vai encontrar em termos de o que esperar no nível político.

2. Misericórdia em sua mente

Está claro que a virtude espiritual da misericórdia é um conceito fundamental para Francisco.

Ele declarou recentemente um Ano Jubilar Especial da Misericórdia, completado com duas concessões especiais – a permissão para todos os sacerdotes para perdoar o pecado do aborto, e reconhecendo a validade das confissões ouvidas até mesmo pelos sacerdotes tradicionalistas que já romperam com Roma. Francisco também escolheu "missionário da misericórdia" como lema da sua visita a Cuba, e celebrou a Santa Missa na Praça da Revolução de Havana sob uma imagem de Jesus a partir do culto da Divina Misericórdia.

Quando Francisco lançou um extemporâneo ponto no domingo à noite em frente a um público de sacerdotes, religiosos e religiosas, e seminaristas, ele voltou ao tema da misericórdia, exortando os sacerdotes a serem generosos ao ouvir confissões. "Não tenha medo da misericórdia", disse ele. "Deixe-a fluir entre seus dedos".

Dado este pano de fundo, é mais do que uma forte possibilidade de que misericórdia vai borbulhar em algum lugar ao longo do caminho nos Estados Unidos; e com toda a probabilidade mais de uma vez. Cuidado: quando Francisco fala de misericórdia, não se trata de rever o entendimento da Igreja sobre o pecado, mas sim como agir quando o pecado foi cometido.

3. Nem se quer uma única questão papal

Para muitas pessoas, o assunto que marca Francisco no momento é o meio ambiente, em especial a luta contra o aquecimento global e o impacto das mudanças climáticas.

Esse foi o tema de sua recente encíclica muito discutida, Laudato Si', e ele abordou-a muitas vezes desde então, incluindo uma sessão com ministros do meio-ambiente de nações da União Europeia logo antes de sair de Roma.

No entanto, é notável que Francisco, realmente, não tenha levantado a questão da proteção ao meio-ambiente em Cuba. A única menção pública contundente que ocorreu durante a viagem não veio do pontífice, mas de seu anfitrião, o presidente de Cuba, Raúl Castro.

É um lembrete de que Francisco não é uma figura pública de um só tema, no entanto inflamar uma causa específica pode parecer com ele.

A maioria dos apostadores espera que a pobreza, a imigração e o meio-ambiente sejam o coração de sua mensagem social nos Estados Unidos, e pareceria de fato estranho se eles não viessem à tona em algum lugar.

Se esses temas serão os mais importantes levantados por Francisco, no entanto, ainda não se sabe, assim como se ele vai optar por dedicar atenção a outros elementos da doutrina social católica – sua clara preocupação com o tráfico humano, por exemplo, ou com o comércio de armas, ou com a pena de morte.

Este papa tem uma cesta de alqueire cheia de preocupações e ideias, e você nunca sabe quais ele irá desenraizar em qualquer ocasião.

4. O homem real surge à vontade em espanhol

O que Cuba confirmou de novo é que, se você quiser ver Francisco cru e não filtrado, você não vai buscá-lo em seus grandes discursos formais, tais como os que ele entregará na quinta-feira ao Congresso dos EUA e na sexta-feira à Assembleia Geral das Nações Unidas.

Esses textos irão refletir as ideias do pontífice, mas eles também já foram polidos e controlados e ajustados por toda uma equipe de diplomatas e assessores, e, em tais configurações, Francisco normalmente adere de maneira razoável ao roteiro.

Ele também geralmente não desvia muito do curso em suas homilias durante missas celebradas na frente de grandes multidões, o que parece trazer para fora um lado mais formal.
PAPA FRANCISCO
abraça um jovem durante encontro com eles no Centro Cultural Padre Félix Varela
Havana, domingo, 20 de setembro de 2015

No entanto, coloque Francisco na frente de um grupo de pessoas religiosas ou de jovens ou de famílias, e todas as apostas ficam de fora. Nesses ambientes, muitas vezes ele deixa inteiramente de lado seu texto preparado e dá asas a ele, abrindo sua mente e coração. Às vezes ele irá fazê-lo em italiano – especialmente, por razões óbvias, na própria Itália – mas a maior parte ele o faz em espanhol.

Ele fez isso em Havana no domingo à noite, oferecendo reflexões eruditas sobre a pobreza e a misericórdia para um grupo de religiosos e de misericórdia e esperança diante de uma multidão de jovens cubanos.

Onde será que o Papa Francisco poderá se soltar nos Estados Unidos?

Na quinta-feira, em Washington, o pontífice visitará um centro de caridade para atender algumas pessoas desabrigadas, e mais tarde naquela noite ele celebrará um serviço de Vésperas para o clero e para religiosos e religiosas. Na sexta-feira, em Nova York, ele visitará uma escola que atende às crianças e às famílias de imigrantes. Em Filadélfia, no sábado, ele participará de um festival para as famílias, e no dia seguinte ele visitará uma prisão.

Nesses momentos, é provável que surja a versão desconectada de Francisco. Prepare-se para algo especial – e prepare-se para que ela seja entregue em espanhol.

5. A pastoral é política

Os americanos estão muito interessados em que impacto a visita papal pode ter sobre a política do país, especialmente se tratando da eleição presidencial de 2016 na qual há um número de candidatos católicos e o "voto católico" mais uma vez entrará no jogo.

A hipótese de trabalho é que o comentário político mais explícito de Francisco virá durante sua cerimônia de boas-vindas no gramado sul da Casa Branca na quarta-feira, em seu discurso ao Congresso na quinta-feira e quando falar na ONU na sexta-feira.

Seria um erro, contudo, supor que não haverá sinais políticos ou subtexto em outras configurações, porque com Francisco mesmo a pastoral, às vezes, vem com uma margem política.

Durante uma missa em Holguín, a terceira cidade de Cuba, na segunda-feira, Francisco convidou os cubanos a vencer a relutância em acreditar que os outros, ou até eles mesmos, podem mudar.

 “Você acredita?” perguntou a eles, acrescentando, “Você acredita que é possível um traidor se tornar um amigo?”.

O raciocínio veio como parte de uma reflexão sobre a figura de São Mateus no Novo Testamento, que era cobrador de impostos para os romanos e, portanto, considerado um traidor pelos judeus antes de largar tudo para seguir a Jesus. No entanto, em uma sociedade em que a caça a notáveis traidores tem sido uma obsessão há décadas, não poderia ajudar, mas teria implicações políticas.

Como vimos acima, Francisco também usou sua homilia na terça de manhã em Santiago para resgatar o termo popular comunista "revolução" para a fé, insistindo que o cristianismo, no exemplo de Maria, inspira uma mudança verdadeiramente revolucionária na direção da ternura e compaixão.

Para aqueles que tem ouvidos para ouvir, em outras palavras, Francisco, muitas vezes, teceu seu comentário social em meditações que parecem à primeira vista totalmente espirituais e pastorais.

Quem estiver interessado em possíveis consequências políticas da visita, portanto, precisa somente de meia palavra: Não pare de prestar atenção depois que ele deixar os corredores do Congresso, porque dificilmente este será o único cenário em que esse papa politicamente experiente é capaz de marcar presença.

Traduzido do inglês por Evlyn Louise Zilch. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 23 de setembro de 2015 – Internet: clique aqui.

Bergoglio, o príncipe do povo

David Brooks
Colunista do The New York Times

Papa presenteará católicos com instruções sobre a doutrina,
mas a grande dádiva é o homem em si - sua maneira de ser 
DAVID BROOKS
Jornalista norte-americano do jornal "The New York Times"

Um dos romances preferidos do papa Francisco é Os Noivos, do escritor italiano Alessandro Manzoni. Dois amantes veem frustrado seu desejo de se casar por um padre covarde e moralmente medíocre e por um nobre invejoso. Um frade bondoso protege o casal em sua desventura. Neste momento, a peste assola o país, lembrando às pessoas de sua mortalidade e vulnerabilidade, e propiciando um julgamento moral.

Enquanto os médicos cuidam dos corpos nos hospitais, os homens bons da Igreja cuidam das almas. O sacerdote covarde é repreendido por um cardeal: "Você deveria ter amado, meu filho, amado e orado. Então, teria percebido que as forças da iniquidade têm o poder de ameaçar e ferir, mas não têm o poder de mandar". No final, há cenas comoventes de confissão, de perdão, de reconciliação e, enfim, o ansiado casamento.

Falei do romance, que Jorge Bergoglio leu quatro vezes, porque nós da imprensa carregamos sua visita aos Estados Unidos de excessivo sentido político. Sentimo-nos confortáveis falando de nossas lutas ideológicas, por isso acompanhamos de perto e cobrimos toda indicação que ele dá sobre o aborto, o casamento gay, o aquecimento global e o divórcio.

No entanto, a visita é também um acontecimento cultural e espiritual. Milhões de americanos exibirão sua fé em público. Francisco brindará aos católicos com instruções sobre a doutrina, mas a grande dádiva é o homem em si - sua maneira de ser, de se comportar.

Especificamente, Francisco oferece um modelo a respeito de duas questões: você ouve profundamente, você aprende? Defende determinados padrões morais, enquanto ama e é caridoso com seus amigos?

Durante toda a sua vida, a mensagem fundamental de Francisco tem sido anti-ideológica. Como Austen Ivereigh observa em sua biografia, O grande Reformador, Francisco critica consistentemente os sistemas intelectuais abstratos que falam de cruas generalidades, instrumentalizam os pobres e ignoram a rica natureza peculiar de cada alma e de cada situação.
Título desta obra biográfica:
O GRANDE REFORMADOR
Francisco, retrato de uma papa radical

(Há edições em inglês e espanhol)

Ele escreveu que muitos dos nossos debates políticos são tão abstratos que não conseguimos sentir o cheiro de suor da vida real. Eles reduzem tudo a "narrativas gastas, medíocres como as revistas de histórias em quadrinhos".

Ao contrário, o grande presente de Francisco é aprender por meio da intimidade, não apenas estudando a pobreza, mas vivendo entre os pobres e experimentando a convivência como algo pessoal no nosso íntimo.

"Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois da batalha", disse o papa ao entrevistador, padre Antonio Spadaro. "A coisa de que a Igreja mais precisa hoje em dia é a capacidade de sanar as feridas e aquecer os corações dos fiéis. Ela precisa da proximidade, do contato. Sanemos as feridas, sanemos as feridas. E teremos de começar de baixo para cima."

Esta proximidade nos ensina detalhes granulares, mas também desperta um sentimento de respeito. "Vejo a santidade do povo de Deus, esta santidade diária", disse. "Vejo a santidade na paciência do povo de Deus: a mulher que cria os filhos, o homem que trabalha para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes idosos com todas as suas feridas, mas que conservam um sorriso no rosto."

Nós praticamos o elitismo material e intelectual, buscando um status superior e um conhecimento especializado e desprovido de espiritualidade. O papa Francisco enfatiza que diferentes tipos de conhecimento vêm de ambientes diferentes. Como afirmou: "É o que ocorre com Maria: se vocês quiserem conhecê-la, perguntem aos teólogos. Se quiserem saber como amá-la, perguntem ao povo."

Isolamento

Nos nossos dias, alguns fiéis acreditam que precisam se isolar da corrupção da moderna cultura decadente, mas Francisco afirma que precisamos nos atirar nas várias culturas vivas deste mundo para ver Deus em toda a sua glória. E precisamos de fé para ver as pessoas em toda a sua profundeza.

Ele gosta de citar uma frase do romance Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski: "Quem não acredita em Deus, não acredita no povo de Deus. Somente o povo, e seu futuro poder espiritual, converterá os ateus que abandonaram a própria terra".

O enfoque de Francisco é totalmente pessoal, íntimo e específico de cada situação. Se formos demasiado rigorosos e nos limitarmos a aplicar regras abstratas, de acordo com ele, nos limitaremos a lavar as mãos das nossas responsabilidades para com uma pessoa. Mas, se formos demasiado frouxos e apenas tentarmos ser bonzinhos com todos, ignoraremos a verdade do pecado e a necessidade de emendá-lo.

Somente mergulhando na especificidade daquela pessoa e daquela alma misteriosa poderemos conseguir o justo equilíbrio entre rigor e compaixão. Somente nos tornando íntimos e amando poderemos corresponder à autoridade que vem da Igreja, ensinando com a sabedoria democrática que brota do senso comum de cada indivíduo.

O papa Francisco é um aluno, um ouvinte extraordinário e um cético a respeito de si mesmo. Os momentos melhores desta semana serão os que nos permitirão observá-lo se relacionar com as pessoas, ouvir profundamente e aprender com elas, como ele as vê em seus grandes pecados, mas também com uma compaixão infinita e um amor despojado.

Traduzido do inglês por Anna Capovilla.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Visão Global – Quarta-feira, 23 de setembro de 2015 – Pg. A12 – Internet: clique aqui.

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