O MUNDO CONTROLADO POR 28 BANCOS ! ! !
Entrevista
com François Morin
Economista,
professor emérito da Universidade de Toulouse (França) e membro do conselho do
Banco Central francês
Vittorio De
Filippis
Outras
Palavras
22-09-2015
A transferência, para os Estados, das dívidas privadas
tóxicas de 28 grandes bancos “sistêmicos”, durante a última crise financeira,
explica as políticas de austeridade praticas na Europa.
![]() |
FRANÇOIS MORIN Economista francês |
Francesas,
europeias ou norte-americanas, todas as autoridades bancárias asseguram: se o
mundo viver uma nova crise financeira, comparável à de 2007-2008, nem os
Estados, nem os contribuintes vão pagar as consequências. É possível acreditar?
O
economista François Morin, professor
emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central
francês, tem uma resposta categórica:
não. Em L’Hydre Mondial [A Hidra
mundial], um livro publicado em maio, e no qual ele menciona dados inéditos, Morin mostra como 28 bancos de porte
mundial constituem um oligopólio totalmente distanciado do interesse público.
Para
colocar os cidadãos a salvo de desastres financeiros futuros, o autor considera
que é necessário destruir estes bancos, que ele compara a uma hidra, e resgatar
a moeda para a esfera pública.
Eis
sua entrevista.
Como
um punhado de bancos tomou a forma de uma hidra mundial?
François Morin: O processo é perfeitamente
claro. Depois da liberalização da esfera financeira iniciada nos anos 1970
(taxas de câmbio e de juros definidas pelo mercado e não mais pelos Estados, e
liberalização de movimento do capital), os mercados monetários e financeiros
tornaram-se globais em meados dos anos 1990.
Os
maiores bancos tiveram então de adaptar a sua dimensão a esse novo espaço de
intercâmbio, por meio de fusões e reestruturações. Reuniram-se as condições
para o surgimento de um oligopólio em escala global. O processo assumiu
rapidamente escala internacional e tornou-se gigantesco: o balanço total dos 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de
dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de
dólares)!
Desde
2012, descobriu-se também que esses bancos muito grandes se entenderam entre si
de forma fraudulenta a partir de meados dos anos 2000. A partir desse momento,
esse oligopólio transformou-se numa hidra devastadora para a economia mundial.
Em
que esses bancos são sistêmicos [1]?
François Morin: Estes 28 bancos foram
declarados, acertadamente, “sistêmicos” pela reunião do G20 de Cannes, em 2011.
A análise das causas da crise financeira da crise iniciada em 2007-2008 não
podia deixar pairar qualquer dúvida sobre a responsabilidade desses bancos no
desencadeamento do processo. Estão em causa os produtos financeiros “derivativos” [2],
que espalharam-se na época e ainda continuam a ser difundidos em todo o mundo.
Lembremo-nos
de que estes derivativos são produtos que visam oferecer garantias a seus
possuidores, em caso de dificuldades econômicas – e alguns deles têm caráter
muito especulativo. Sua conversão em dinheiro pode tornar-se catastrófica, em
caso de uma crise. No entanto, apenas 14
bancos com importância sistêmica “fabricam” estes produtos, cujo valor imaginário (o montante dos
valores segurados) chega a 710 trilhões
de dólares — ou seja, mais de 10 vezes o PIB mundial!
E
você afirma que eles praticam acordos fraudulentos?
François Morin: Múltiplas análises
demonstraram que esses bancos ocupam posições dominantes sobre vários grandes
mercados (de câmbio, de títulos de dívida e de produtos derivados). É
característico de um oligopólio.
Mas
desde 2012, as autoridades judiciais dos Estados Unidos, britânicas e a
Comissão Europeia aumentaram investigações e multas que demostram que muitos
desses bancos – sobretudo onze entre eles (Bank of America, BNP-Paribas,
Barclays, Citigroup, Crédit Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JP
Morgan Chase, Royal Bank of Scotland, UBS) – montaram sistematicamente “acordos
organizado em bandas”.
A
imposição de multas de muitos bilhões de dólares, contra a manipulação do
mercado de câmbio ou da Libor [taxa
de referência para juros interbancários, estabelecida em Londres], demonstra
que esta prática existe.
O
mundo está sentado sobre uma montanha de bombas-relógio financeiras montadas
unicamente por este punhado de bancos?
François Morin: Há várias evidências de
muitas bolhas financeiras que podem estourar a qualquer momento. A bolha do
mercado de ações só pode ser explicada pelas enormes injeções de liquidez, por
parte dos bancos centrais. Mas, acima de tudo, há a bolha da dívida pública que
atingiu todas as grandes economias. As
dívidas privadas tóxicas do oligopólio bancário foram maciçamente transferidas
para os Estados, na última crise financeira. Este superendividamento público, devido exclusivamente à crise e a
esses bancos, explica as políticas de “rigor” e “austeridade” praticadas em
cada vez mais países. Este superendividamento é a ameaça principal, como se
vê na Grécia.
Regulação
de derivativos – inclusive de crédito –, luta contra o “sistema bancário da
sombra”, reforço dos fundos próprios, separação entre bancos de depósito e de
investimento… não se pode dizer que nada foi feito para estabelecer algum
controle sobre os bancos.
Vamos
olhar mais de perto. O “sistema bancário
sombra”, ou seja, o sistema financeiro
não regulamentado, não para de crescer – notadamente através do oligopólio
bancário – para escapar das normas de supervisão e, em primeiro lugar, para negociar com derivativos. O
reforço de capital próprio dos maiores bancos foi ridiculamente baixo. E em
nenhuma legislação em vigor há uma verdadeira separação “patrimonial” das
atividades bancárias. Em suma, o lobby
bancário, muito organizado em escala internacional, tem sido eficaz, e o
oligopólio pode continuar na mesma lógica financeira deletéria que praticava
antes da crise.
Como
os Estados tornaram-se reféns do oligopólio sistêmico que são os bancos?
François Morin: Depois dos anos 1970, os
Estados perderam toda a soberania monetária. Eles são responsáveis. A moeda
agora é criada pelos bancos, na proporção de cerca de 90%, e pelos bancos
centrais (em muitos países, independentes dos Estados) para os restantes 10%. Além
disso, a gestão da moeda, através de
seus dois preços fundamentais (as taxas
de câmbio e taxas de juros) está inteiramente nas mãos do oligopólio
bancário, que tem todas as condições para manipulá-los. Assim, os grandes
bancos têm nas mãos as condições monetárias para o financiamento dos
investimentos, mas sobretudo para o financiamento dos déficits públicos. Os Estados não são apenas disciplinados
pelos mercados, mas sobretudo reféns da hidra mundial.
![]() |
Livro-denúncia de François Morin: L'Hydre Mondiale (trad.: A Hidra Mundial) LUX EDITIONS Publicado em 21 maio de 2015 168 páginas - Euro 12,00 |
Há,
portanto, uma relação quase destrutiva desses bancos com relação aos Estados.
François Morin: Essa relação é, de fato,
devastadora. Nossas democracias
esvaziam-se progressivamente, em razão da redução (ou da ausência) de margem de
manobra para a ação pública. Além disso, o oligopólio bancário deseja
instrumentalizar os poderes dos Estados, para evitar eventuais regulações
financeiras, ou limitar o peso das multas às quais deve fazer face quando é
pego com a boca na botija. Quer evitar especialmente processos de repercussão
pública.
Mas
os bancos não permitem aos Estados financiar os déficits orçamentários?
François Morin: Não devemos esperar que os
bancos privados defendam interesses sociais! Os bancos veem primeiro os seus
lucros, que eles podem realizar por meio de suas atividades financeiras
particulares, ou de suas atividades especulativas. Seus gestores olham para os
Estados como para qualquer outro ator econômico endividado. Medem os riscos e a
rentabilidade de um investimento financeiro. As dívidas do Estado são vistas por eles como um ativo financeiro, tal
como qualquer outro – que se compra ou se vende, e sobre o qual é
igualmente permitido especular.
Na
mitologia grega, Hércules é o encarregado deve matar a hidra. E em nosso mundo:
onde está o Hércules capaz de matar a hidra bancária mundial?
François Morin: Sobre isso, não há dúvidas.
Nosso Hércules de amanhã será um ator coletivo, uma futura comunidade
internacional, de legitimidade democrática incontestável, libertada de seus
dogmas neoliberais, e suficientemente consciente de seus interesses de longo
prazo para organizar o financiamento da atividade econômica mundial. Dito de
outra forma, um ser ainda imaginário!
Um primeiro passo seria dado, contudo, se um novo Bretton Woods [3] fosse convocado
para criar uma moeda comum em escala
internacional, e não apenas no contexto das soberanias monetárias nacionais
restauradas.
Você
aposta na inteligência política?
François Morin: Sim, certamente! Mas,
sobretudo, aposto na inteligência dos cidadãos do nosso planeta. As redes
sociais podem ser instrumentos formidáveis para criar esta inteligência
política, de que temos extrema necessidade hoje.
Estaríamos
caminhando para um desastre de escala sem precedentes?
François Morin: Ele já está diante de nós.
Todas as condições estão maduras para um novo terremoto financeiro ocorrer,
quando os Estados estão exangues [esgotados]. Ele será ainda mais grave do que
o precedente. Ninguém pode desejá-lo, porque seus efeitos econômicos e
financeiros serão desastrosos e suas consequências políticas e sociais podem
ser dramáticas. Podemos vê-los na Grécia. Urgência
democrática e lucidez política tornaram-se indispensáveis e urgentes.
Os
bancos estão todos podres? As finanças, necessariamente perversas?
François Morin: Quando um oligopólio
superpoderoso administra o dinheiro como um bem privado, não podemos ser
surpreendidos pela lógica financeira que resulta daí. Os bancos buscam metas de
lucro, com a tentação recorrente, entre os maiores, de fazer acordos
oligopolistas. A hidra bancária nasceu
há cerca de dez anos, e já tomou conta de todo o planeta. O confronto de
poderes, entre bancos avassaladores
e poderes políticos enfraquecidos,
parece agora inevitável. Um resultado positivo desta luta – a priori desigual –
só pode ocorrer por meio da mobilização
de cidadãos que estejam plenamente conscientes do que está em jogo.
N
O T A S
[ 1 ] - Sistêmicos no sentido de que se
referem ou seguem um sistema em seu conjunto, ou seja, se organizam, fazem acordos,
agindo em bloco.
[ 2 ] -
Derivados (em inglês: derivatives) são instrumentos
financeiros cujo valor deriva do valor de outras coisas. Geralmente tomam a
forma de contratos, que estabelecem trocas de dinheiro (cash flows) entre duas partes, numa data futura. O montante destas
trocas, ou pagamentos, pode variar com base no valor de um ativo subjacente (underlying asset). A duração dos
contratos pode ir desde alguns meses a 20 ou mais anos. [...] Isto é, os
derivados financeiros são instrumentos cujo preço ou valor não é determinado de
forma direta, sem que dependam de outro ativo, pelo qual denominamos por ativo subjacente. Este ativo subjacente
pode ser uma ação, um índice de ações, uma matéria prima, ou qualquer outro tipo
de ativo financeiro como são as divisas
[moedas de países], as obrigações e
as taxas de juro (Fontes: clique aqui e aqui).
[ 3 ] -
As conferências de Bretton Woods,
definindo o Sistema Bretton Woods de
gerenciamento econômico internacional, estabeleceram em julho de 1944 as regras para as relações comerciais e financeiras
entre os países mais industrializados do mundo. O sistema Bretton Woods foi o primeiro exemplo, na história mundial,
de uma ordem monetária totalmente negociada, tendo como objetivo governar as
relações monetárias entre Nações-Estado independentes. Preparando-se para
reconstruir o capitalismo mundial enquanto a Segunda Guerra Mundial ainda
grassava, 730 delegados de todas as 44 nações aliadas encontraram-se no Mount Washington Hotel, em Bretton
Woods, estado de New Hampshire (Estados Unidos), para a Conferência monetária e financeira das Nações Unidas. Os delegados
deliberaram e finalmente assinaram o Acordo
de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement) durante as primeiras três
semanas de julho de 1944. Os planificadores de Bretton Woods estabeleceram o
Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank
for Reconstruction and Development, ou BIRD),
mais tarde dividido entre o Banco
Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI). Essas organizações tornaram-se operacionais em 1946,
depois que um número suficiente de países ratificou o acordo. As principais
disposições do sistema Bretton Woods foram:
a)
primeiramente, a obrigação de cada país
adotar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas
dentro de um determinado valor indexado ao dólar — mais ou menos um por
cento — cujo valor, por sua vez, estaria ligado ao ouro numa base fixa de 35
dólares por onça Troy,
b)
e em segundo lugar, a provisão pelo FMI
de financiamento para suportar dificuldades temporárias de pagamento.
Em 1971, diante de pressões crescentes na
demanda global por ouro, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos,
suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade
direta do dólar em ouro (Fonte: Wikipédia).
Comentários
Postar um comentário