«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

POR QUE SOMOS ASSIM? [Imperdível]

Brasil no divã: a corrupção do cidadão comum

Denise Gimenez Ramos*

Se considerarmos o País um doente cujo sintoma é a corrupção, qual seria então a origem de sua doença? A psicologia explica
Dra. Denise Gimenez Ramos
Professora de Psicologia da PUC-SP

Notícias sobre corrupção há anos tem atormentado a vida dos brasileiros. Como parte da nossa rotina, é um fenômeno complexo, uma sombra endêmica e enraizada na cultura a qual, para sua compreensão, exige um estudo multidisciplinar.

Dentro desse enfoque, poderíamos perguntar quais os fatores psicológicos que poderiam propiciar esse tipo de comportamento, não dos grandes corruptos, mas referente a pequenas corrupções tão frequentes em nosso cotidiano, perpetradas não por bandidos, mas pelo cidadão comum. Se considerarmos o Brasil um doente cujo sintoma é a corrupção, qual seria então a origem de sua doença?

Inúmeras pesquisas revelam a existência de um sentimento profundo de menosprezo e abjeção do brasileiro em relação a sua identidade nacional, como expressão de um complexo de inferioridade cultural. As consequências deletérias desse complexo são refletidas em várias áreas, dentre elas:
  • na perpetuação de desigualdades sociais,
  • no caráter excludente da estratificação social e
  • nas questões éticas.

Na busca do conflito original, que estaria no cerne desse complexo de inferioridade, destacamos os principais fatores presentes na formação do país:
  • mito de origem,
  • projeções estrangeiras,
  • escravidão e colonização.

Como em toda neurose, o trauma do nascimento repete-se compulsivamente em vários tipos de patologia. Assim observamos que o mito fundante edênico [referente ao Éden, o paraíso] do Brasil colabora para o estabelecimento de um sentimento de inferioridade desde os primórdios, uma vez que o único valor atribuído às novas terras e seus habitantes paira em torno da sensualidade, da atratividade carnal e das riquezas da natureza. Inúmeras projeções de estrangeiros, desde o século 16 até o presente, confirmam essa imagem. E o pior é que o brasileiro, na busca de uma identificação positiva, assimila a projeção, a incorpora como sua e a reproduz. Repete-se, assim, um mecanismo neurótico na tentativa de se achar uma solução para esse dilema.

A esse fator, acresce a estruturação dos arquétipos parentais, onde temos a imagem de um pai europeu, que tem como únicos objetivos a exploração e o enriquecimento rápidos. Fascinado pela nudez das indígenas, o europeu reprimido abusa da ingenuidade da população. A mãe índia dá a luz a uma criança bastarda que é abandonada pelo pai e rejeitada pela tribo materna. A imagem do mestiço como filho de um pai abusivo tem seus reflexos mais evidentes no preconceito e na contundente estratificação social vigente.

Portanto, a incapacidade de se basear nas figuras parentais, para se criar um ideal de desenvolvimento, gera vergonha e mantém engessadas as articulações de um nacionalismo saudável. Tanto a vergonha quanto o desamparo indicam aqui outro sintoma do mesmo complexo de inferioridade. Alguns fogem da vergonha incorporando e reproduzindo o pai-bandido, assumindo uma persona bravata do tipo “comigo ninguém pode”, nem mesmo a lei. Reproduzindo inconscientemente o comportamento exploratório paterno, usa-se a terra de modo predatório. O objetivo é “tirar vantagem”, criando uma falsa superioridade.

Os discursos moralistas são engolidos pelo complexo paterno negativo e, portanto, são ineficientes. A busca de uma saída para esse impasse também é dificultada pela ausência do mito do herói, como precursor do desenvolvimento egóico [desenvolvimento do “eu”] e do processo de individuação. Numa cultura patriarcal, ele contesta o pai e impõe novos valores conquistados por próprio esforço. Mas, como contestar um pai abandonador que não reconhece o filho? Diferentemente do colonizador inglês, respeitado pelos norte-americanos, o pai português é motivo de escárnio. Ao ridicularizá-lo, o brasileiro sente-se superior e ao mesmo tempo nega qualquer possibilidade de tomá-lo como modelo. O afeto ausente no pai é procurado em figuras de líderes políticos autoritários e corruptos, mas que através de seu “protecionismo afetuoso” inibem a queixa de um possível denunciante. 
BASES HISTÓRICAS DE NOSSA FORMAÇÃO CONDUZEM AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE
A Primeira Missa no Brasil, de 1861, pintada pelo catarinense Victor Meirelles (1832-1903).
A obra representa a missa celebrada pelo frei Henrique Soares de Coimbra em Porto Seguro (BA)
em 26 de abril de 1500, domingo de Páscoa, quatro dias depois do desembarque dos portugueses no Brasil.

Como reclamar daquele que abusa do poder, mas estende a mão e protege? A história é plena de exemplos de como regimes ditatoriais preencheram a lacuna do pai ausente. A opção pela democracia e pela igualdade engendrada pela razão é difícil de ser mantida num povo carente de identidade parental. A criança abandonada tem irmãos abandonados e recorre à malandragem para enredar conluios que lesam o pai, projetado na lei. O complexo de inferioridade aqui ativa também a polaridade negativa do puer aeternus (arquétipo da criança eterna) e cria a imagem de um país eternamente jovem, cheio de riquezas e belezas tropicais. A ilusão do puer [criança] é de que amanhã será magicamente melhor do que hoje.

A falsa impossibilidade de realização no presente é compensada por fantasias de grandiosidade e comportamentos espúrios. O filho bastardo, ilegítimo, reproduz a ilegitimidade pela oscilação entre baixa autoestima e fantasias maníacas, expressas na grandiosidade de gigantescas festas carnavalescas, por exemplo. Assim, cria-se um círculo vicioso, onde a impossibilidade de realização das fantasias megalomaníacas faz crescer o sentimento de inferioridade, favorecendo a baixa autoestima.

Sem a consciência dos fatores inconscientes que geram essa patologia, os esforços públicos e privados terão um efeito somente repressor, e, portanto, serão temporários. Uma verdadeira mudança só ocorrerá com o enfrentamento doloroso do conflito inicial e com o suportar consciente da tensão entre as polaridades inferioridade/superioridade.

Dessa forma, a assimilação consciente do conflito original, não é somente um sofrimento, mas é o caminho da cura, à medida que pode permitir a liberação de grande energia e a constelação de novas forças na consciência coletiva brasileira. Com a autoestima resgatada, não haverá lugar para a corrupção como patologia da cultura. Ela ficará restrita somente ao conflito consciente entre o bem e o mal. Mas, isso já é outra história.

* Denise Gimenez Ramos é professora titular do programa de estudos pós graduados em psicologia clínica da PUC-SP e analista junguiana.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 27 de setembro de 2015 – Pg. E4 – Internet: clique aqui.

OLHANDO DE OUTRO ÂNGULO...

A chuva é para todos

Entrevista com Michael Sandel
Filósofo, professor da Universidade de Harvard (EUA) e palestrante

André de Oliveira

Privilégios sociais e econômicos minam a democracia, que precisa ser
cultivada por meio de uma educação cidadã, defende professor 
MICHAEL SANDEL
Filósofo e Professor da Universidade de Harvard (EUA)

O filósofo americano Michael Sandel acredita que os camarotes, as áreas VIPs e os setores exclusivos, privilegiados, simbolizam perfeitamente um mundo em que os desníveis de oportunidades só fazem crescer, em que o abismo entre ricos e pobres é cada vez mais visível, em que a ruína do poder argumentativo dos cidadãos faz com que a democracia deixe de ser vista como um projeto comum de partes diferentes. Com essas ideias em mente, Sandel afirma: é preciso trabalhar com um “tipo de educação cidadã que ajude a cultivar cidadãos democratas”.

Por mais de duas décadas, foi exatamente o que ele fez ao lecionar, na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o curso Justiça, que nos últimos anos passou a ser transmitido também pela internet e já atraiu mais de 15 mil alunos no mundo. Nas aulas, ele aborda situações e temas do cotidiano para discutir conceitos de ética, moral e justiça à luz do pensamento de filósofos como Aristóteles, John Locke, Immanuel Kant, John Stuart Mill e John Rawls.

Agora, Sandel traz suas aulas para o Brasil, em uma parceria entre Harvard, Insper, o Estado e edX (site de cursos online das maiores universidades do mundo). Com duração de 12 semanas, o curso foi especificamente pensando para questões e realidades vividas no cotidiano brasileiro e será transmitido em plataforma online e interativa, com legendas em português (veja como inscrever-se ao final deste artigo). De passagem por São Paulo, o filósofo concedeu esta entrevista ao Aliás.

O senhor acredita que acabar com a desigualdade é uma questão de justiça?

Michael Sandel: Sim. Hoje, um dos principais desafios para se ter uma sociedade mais justa é aprender a lidar com o abismo entre ricos e pobres. Isso porque, nos últimos anos, a desigualdade só aumentou na maior parte dos países. No Brasil, vocês tiveram sucesso em reduzir a pobreza, mas é importante distinguir desigualdade de pobreza. Ou almejamos uma sociedade menos desigual ou teremos uma comunidade injusta. E existem inúmeras políticas que podem reduzir a desigualdade. Uma delas, que tem sido usada por aqui, são as ações afirmativas do governo na educação. Existem duas razões para ajudar pessoas que vêm de extratos desfavorecidos da sociedade.
  • A primeira é dar oportunidades iguais para quem está em patamares de desvantagem socioeconômica.
  • A segunda é criar um ambiente educacional melhor para todos. Ter estudantes de diferentes origens étnicas, econômicas e sociais em uma mesma sala de aula cria um ambiente de aprendizagem que ajuda a todos.

Isso porque uma parte do que deveríamos estar ensinando em nossas universidades é um tipo de educação cidadã que ajude a cultivar cidadãos democratas capazes de entender, ouvir e discutir com os outros. As ações afirmativas são um belo exemplo de como se reduz a desigualdade, mas, é bom lembrar, sozinhas, elas não são capazes de mudar a sociedade.

Em meio a crise econômica e política do Brasil, o que vemos nas ruas muitas vezes é muita discussão e pouco debate de ideias.

Michael Sandel: Esse é um momento crítico para o Brasil, mas eu acredito que toda crise também apresenta uma oportunidade de aprofundar a democracia. Eu acho que o ativismo, expresso em protestos, é saudável. Este é um caminho para expressar sua voz. Outro é no dia da eleição. Mas acima desses dois existe o exercício cotidiano da democracia. Ela necessita que os cidadãos debatam através da mídia, de organizações civis, mas que a conversa não vire uma gritaria, uma discussão sem respeito mútuo. Na democracia, devemos nos engajar com o outro, mesmo quando não concordamos com ele, porque só assim é possível tentar encontrar o princípio fundamental de onde está o desentendimento, tenha ele nascido a partir de uma questão sobre transporte urbano, saúde ou taxação de renda. Só assim é possível deixar as coisas claras e evoluir.

Encontrar esse ponto de equilíbrio pode ser difícil quando algumas questões, como a corrupção, muitas vezes são vistas como uma primazia de determinados grupos. O que fazer?

Michael Sandel: No caso da corrupção, por exemplo, é necessário enxergá-la não apenas como uma questão legal, mas como um tema de ética e cultura democrática. Nós costumamos dizer que a corrupção é sempre o problema de outra pessoa, outro partido político ou de pessoas em cargos altos da Petrobrás, mas ela está na nossa vida cotidiana. Nesse momento, eu respeito e admiro a independência do sistema Judiciário brasileiro, que está fazendo algo sério sobre esse tema. Aliás, a liberdade com que o Judiciário tem trabalhado também revela a maturidade da democracia brasileira. Agora é importante valorizar isso, mas sem deixar de trabalhar com a noção de que a corrupção é algo a ser resolvido em longo termo, algo que depende de uma nova educação cidadã, só encontrável na convivência diária com o outro, com o diferente. Este é o caminho para a corrupção se transformar, gradualmente, em integridade.

O Supremo Tribunal Federal proibiu doações de empresas a partidos e políticos. O senhor acredita que essa é uma boa forma de se combater a corrupção política?

Michael Sandel: Eu acredito que esse dinheiro distorce a democracia, porque dá muito poder aos mais ricos e faz com que os cidadãos comuns acreditem que é impossível ter suas vozes minimamente representadas na vida democrática. Muitas democracias vivem esse dilema quando o assunto são as doações em campanhas eleitorais. Os Estados Unidos da América (EUA) vivem uma versão extrema disso, em que empresas e pessoas muito ricas influenciam campanhas diretamente. É importante que haja uma limitação da quantidade de dinheiro que pode ser doado. Nós tínhamos algumas restrições modestas, mas, infelizmente, nossa Suprema Corte, ao contrário do que está acontecendo no Brasil, as derrubou. Idealmente, deveria existir alguma combinação entre um fundo de dinheiro público para campanhas e pequenas contribuições de pessoas físicas. Isso acabaria com essa distorção que, muitas vezes, também é fonte de corrupção. 
Antes da "camarotização". No Maracanã pré-arena, se chovia todo mundo ficava molhado;
era uma experiência de mistura cívica

O senhor fala bastante de resolver a desigualdade por meio de uma “nova educação cidadã”, na qual a convivência com o diferente é fundamental. É possível imaginar uma comunidade saudável em que não há convivência em espaços públicos, em que tudo se dá no âmbito privado, do carro para o trabalho, do trabalho para o carro?

Michael Sandel: Essa é uma questão fundamental, porque é impossível ter uma democracia sadia sem espaços públicos, onde cidadãos, de todas as origens, possam interagir. Parques, bibliotecas, museus. Tudo isso é necessário para que haja uma cultura democrática forte. Se as pessoas viverem seus cotidianos apenas em espaços privados, elas terão poucas oportunidades de encontrar quem é diferente delas. Uma das consequências mais terríveis da desigualdade, do abismo entre ricos e pobres, é que as pessoas vivem separadas, distantes. Desse modo, corre-se o risco de que as pessoas deixem de enxergar a democracia como um projeto comum, que visa ao bem comum. Só convivendo com pessoas de diferentes origens étnicas, sociais e econômicas é possível apender a cultivar a democracia.

O senhor disse que a desigualdade aumentou no mundo. Essa separação, essa falta de convivência, também aumentou?

Michael Sandel: Sem dúvida. E quem perde com isso é a democracia. Eu tenho um conceito que expressa bem essa separação. Eu chamo isso de “camarotização” da vida. Quando jovem, antes de existirem setores VIP, eu era um fã de beisebol e ia em todos os jogos torcer pelo time local. Nessa época, existiam alguns assentos mais caros, mas não existia uma diferença grande entre preços. Por isso, ir a um estádio era uma experiência de mistura cívica, era um exercício de cidadania, onde rico e pobre sentavam lado a lado, onde, para ir ao banheiro, todo mundo usava a mesma fila. Sem privilégios. Se chovia, todo mundo ficava molhado. Acredito que algo semelhante à “camarotização” tenha acontecido nas novas arenas de futebol que substituíram os antigos estádios brasileiros, como o Maracanã. No caso americano, isso ocorreu durante os anos 1980 e 1990. O camarote é o símbolo máximo da mudança pela qual nossa sociedade passou e está passando. E, talvez, por ser tão simbólico, esse seja um dos principais desafios das nossas modernas democracias: criar espaços em que as pessoas possam conviver sem privilégios.

SERVIÇO

O que: O jornal O Estado de S. Paulo, em parceria com Harvard, Insper e a plataforma de cursos online edX, oferece o curso Justiça (legendado e adaptado para a realidade brasileira), apresentado pelo filósofo e palestrante americano Michael Sandel.
Onde: Plataforma online edx.org
Quando: 1º de outubro de 2015, com duração de 12 semanas
Preço: Gratuito (diploma será cobrado para quem solicitar – US$ 150,00)
Inscrições: Inscreva-se gratuitamente aqui – clique sobre “Enroll now” (inscreva-se agora) e preencha os espaços com as informações requeridas
Para saber mais sobre o curso: clique aqui

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 27 de setembro de 2015 – Pg. E5 – Internet: clique aqui.

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