«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O QUE SIGNIFICA A VIAGEM DO PAPA À CUBA E AOS ESTADOS UNIDOS?

Visitas dos papas a Cuba tiveram recados corteses,
mas claros

José Maria Mayrink 
Papa Francisco tendo ao fundo a imagem da bandeira de Cuba

Francisco é o terceiro papa a visitar Cuba em peregrinação. Antes dele, passaram pela ilha seus predecessores João Paulo II (1998) e Bento XVI (2012). Nenhum outro país latino-americano, com exceção do Brasil, mereceu a mesma deferência. Mais pelo interesse pessoal dos pontífices do que pela estratégia da diplomacia do Vaticano.

Os dois fatores se somaram para realizar essas viagens, mas o que mais pesou foi o empenho de cada um dos papas. E, em todos os casos, a boa receptividade do governo cubano, ou seja, dos irmãos Fidel e Raúl Castro, que quiseram aproveitar politicamente a repercussão da presença do papa em Cuba.

Como presidentes, receberam João Paulo II e Bento XVI como chefes de Estado e, embora sejam comunistas, assistiram na primeira fila às missas que celebraram no país, sempre na Praça da Revolução de cada uma das cidades visitadas.

Os cinco dias que João Paulo II passou em Cuba foram uma festa inesquecível para os cubanos, da tarde do dia 21 ao anoitecer do dia 26 de janeiro. Havana, ponto de chegada e partida, enfeitou-se para receber o papa. As ruas e praças que ele percorreu ficaram cobertas de faixas e fotos com afetuosas mensagens de boas-vindas. As pistas ganharam asfalto novo no percurso da comitiva oficial. As calçadas se encheram de milhares de curiosos num país de 11,2 milhões de habitantes, dos quais apenas 5% são católicos que frequentam igrejas, embora cerca de 60% sejam batizados. 
Papa João Paulo II é recebido por Fidel Castro, presidente de Cuba em 1998

A multidão aplaudiu os discursos e as homilias de João Paulo II nas quatro cidades que visitou – Havana, Santa Clara, Camaguey e Santiago. Na espontaneidade de seus gestos, ele interrompeu várias vezes o texto para improvisar, em espanhol, brincadeiras e agrados. O povo identificou-se com ele. “A Igreja de Cuba não está só nem isolada, já que faz parte da Igreja universal”, afirmou João Paulo II na missa em Havana, para 600 mil pessoas reunidas ao lado do imenso painel de Che Guevara. “Trago uma mensagem de amor e de solidariedade que Jesus Cristo, com sua vinda, oferece a todos os homens de todos os tempos”, continuou o papa, acrescentando que “não se trata em absoluto de uma ideologia nem de um sistema econômico ou político novo, mas de um caminho de paz, justiça e liberdade verdadeiras”.

Depois de censurar os sistemas ideológicos e econômicos que nos dois últimos séculos pretenderam reduzir a religião à esfera individual, retirando-lhe a relevância social, João Paulo II advertiu que “um Estado moderno não pode fazer do ateísmo ou da religião um de seus ordenamentos políticos”. Era uma referência clara ao sistema socialista cubano.

O papa bateu forte também no capitalismo. Suas palavras, no altar da missa de despedida: “Ressurge em vários lugares uma forma de neoliberalismo capitalista que subordina o homem e condiciona o desenvolvimento dos povos às forças cegas do mercado, sobrecarregando os países menos favorecidos de forma insuportável”. O povo irrompeu em aplausos quando João Paulo II afirmou que o sistema impõe programas econômicos insuportáveis como condição para concessão de ajuda e, “deste modo, assiste-se no concerto das nações ao enriquecimento crescente de muitos, de forma que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres”.

Mais de uma vez, o papa condenou o bloqueio econômico imposto a Cuba pelos Estados Unidos. “O povo cubano não pode se ver privado dos vínculos com outros países, que são necessários para o desenvolvimento econômico, social e cultural, principalmente quando o isolamento forçado se reflete de modo indiscriminado na população, aumentando as dificuldades dos mais fracos”. Fidel e os dirigentes sentados diante do altar gostaram da referência ao bloqueio, mas tiveram de ouvir também uma advertência que, embora sem citar ninguém, parecia ter endereço certo.

“Para muitos sistemas políticos e econômicos hoje vigentes, o maior desafio continua sendo conjugar liberdade e justiça social, liberdade e solidariedade, sem deixar que nada disso seja relegado a um plano inferior”, advertiu João Paulo II. “O papa livre quer Cuba livre”, gritou um grupo no meio da multidão durante a missa, enquanto a palavra “Liberdade” ecoava por todos os cantos. Atento ao discurso do papa, Fidel não se alterou.

Após a partida de João Paulo, de quem se despediu com incontida emoção no aeroporto, o comandante gabou-se de ele ter falado sem nenhuma censura, mesmo quando seus pontos de vista não coincidiam com o pensamento do governo. 
Papa Bento XVI com Raúl Castro, presidente de Cuba, durante sua visita à ilha em 2012

Ao deixar Havana, após quatro dias de visita a Cuba, em 28 de março de 2012, o papa Bento XVI, nada expansivo em comparação com João Paulo II, fez um discurso emocionado no aeroporto de Havana. O presidente era agora Raúl Castro, que o recebeu com cortesia e com ele discutiu problemas internacionais e questões religiosas, referentes à Igreja de Cuba. Uma providencial tempestade que atrasou a decolagem do avião papal permitiu-lhes prolongar a conversa.

“Dou graças a Deus por me ter permitido visitar esta linda ilha, que deixou uma marca tão profunda no coração do meu amado predecessor, o beato João Paulo II, quando veio a estas terras como mensageiro da verdade e da esperança”, assim iniciou Bento XVI o discurso de despedida. “Ardente era também o meu desejo de poder vir estar convosco como peregrino da caridade, para agradecer à Virgem Maria a presença da sua veneranda imagem do Santuário d’El Cobre”.

Os dois papas visitaram o Santuário da Virgem do Cobre, padroeira de Cuba, perto da cidade de Santiago. Bento XVI salientou a importância que a imagem de Maria, a Virgem do Cobre, tem para o povo cubano. “De lá, há quatro séculos, acompanha o caminho da Igreja nesta nação e infunde coragem em todos os cubanos, para que descubram, da mão de Cristo, o verdadeiro sentido dos anseios e desejos que incubam no coração humano e tenham a força necessária para construir uma sociedade solidária, onde ninguém se sinta excluído”, disse o papa. “Levo no mais íntimo do coração todos e cada um dos cubanos, que me envolveram com a sua oração e carinho, reservando-me uma cordial hospitalidade e partilhando comigo as suas mais profundas e justas aspirações. Vim aqui como testemunha de Jesus Cristo, firmemente convicto de que onde Ele chega o desânimo dá lugar à esperança, a bondade afasta incertezas e uma força vigorosa abre no horizonte perspectivas inusitadas e benéficas”, disse Bento XVI, com sutis referências à situação da ilha.

Numa advertência de termos um tanto diplomáticos, mas bem claros, ele encorajou os cubanos a lutar por um futuro melhor, condenou o embargo americano e defendeu a liberdade. “Que ninguém se veja impedido de tomar parte nesta tarefa apaixonante pela limitação das suas liberdades fundamentais, nem eximido dela por negligência ou carência de recursos materiais. Situação esta que fica agravada quando medidas econômicas restritivas impostas de fora ao país pesam negativamente sobre a população. Concluo aqui a minha peregrinação, mais continuarei a rezar fervorosamente para que sigam em frente e Cuba seja a casa de todos e para todos os cubanos, onde convivam a justiça e a liberdade, num clima de serena fraternidade.”

Bento XVI, agora papa emérito, passou quatro dias em Cuba. Além de Havana, visitou Santiago. À margem do programa oficial, reuniu-se com Fidel Castro, que deixou o poder em 2006, transferindo a presidência a seu irmão Raúl. As visitas de João Paulo II e de Bento XVI contribuíram para melhorar as relações do governo comunista com a Igreja, embora em ritmo mais lento do que o desejado.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Domingo, 20 de setembro de 2015 – Pgs. A12-A13. Edição impressa.

“Francisco é hoje o mais importante estadista mundial”

Entrevista com Frei Betto
Teólogo brasileiro
Carlos Alberto Libânio Christo - conhecido por Frei Betto
Religioso dominicano, escritor e teólogo brasileiro

A visita de Francisco a Cuba é a terceira de um papa ao país e ganha mais importância pela aproximação entre Havana e Washington, na qual o pontífice teve papel fundamental.
"Francisco é, sem dúvida, o mais importante estadista mundial da atualidade. Ele se empenha na busca de entendimento e paz entre as nações e não poderia deixar de priorizar as relações EUA-Cuba", afirma frei Betto, escritor e teólogo brasileiro. Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele ressaltou a "sintonia" da relação do papa com a Teologia da Libertação e avaliou que a atuação política de Francisco difere da exercida por Bento XVI e João Paulo II. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o principal objetivo da diplomacia papal hoje? Difere da época do papa Bento XVI?

Frei Betto: Muito diferente. João Paulo II, em matéria de diplomacia, esteve preocupado em derrubar o Muro de Berlim, e nisso foi exitoso. Bento XVI não gostava de viajar e muito menos se envolver em questões diplomáticas. Já Francisco se empenha decididamente em construir pontes entre as nações, o que justifica seu título de "pontífice", aquele que faz pontes.

Qual a importância de um papa latino-americano ter mediado a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos?

Frei Betto: Francisco é, sem dúvida, o mais importante estadista mundial da atualidade. Como americano, demonstra mais sensibilidade aos problemas de nosso continente do que os antecessores. Ele se empenha na busca de entendimento e paz entre as nações e não poderia deixar de priorizar as relações EUA-Cuba, suspensas há mais de 50 anos e retomadas graças à mediação dele.

Como o sr. vê a relação de Francisco com a Teologia da Libertação?

Frei Betto: Há plena sintonia entre o pensamento, as palavras e os gestos de Francisco e os princípios e objetivos da Teologia da Libertação. Como essa corrente teológica, Francisco prioriza a "opção pelos pobres", como demonstrou na viagem ao Equador, à Bolívia e ao Paraguai, e não aponta apenas os efeitos do capitalismo que degrada o meio ambiente, mas também as causas, como fez na encíclica "Louvado Sejas - sobre o cuidado de nossa casa comum".
 
Livro de Frei Betto contendo suas conversas
com o líder cubano Fidel Castro.
Publicado em 1985, em Cuba
Muitas pessoas passaram a prestar mais atenção ao papa após os discursos de Francisco. O sr. já conversou com ele? Qual a impressão que teve?

Frei Betto: O papa me recebeu no dia 9 de abril de 2014, durante a audiência pública das quartas-feiras, no setor de convidados especiais. Agradeci a ele o apoio dado às Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, em carta que ele enviara ao encontro nacional das CEBs; pedi que valorizasse o papel das mulheres na Igreja (ainda consideradas fiéis de segunda classe, pois são impedidas de acesso ao sacerdócio); lembrei que a Ordem Dominicana faz 800 anos em 2016, e solicitei a reabilitação de dois confrades meus condenados pelo Vaticano, Giordano Bruno e Mestre Eckhart. Ele me disse "reze por isso", como quem dá a entender que está de acordo, mas sabe que não será um processo fácil; e me despedi dizendo Santo Padre, extra pauperis nulla salus - fora dos pobres não há salvação. Ele reagiu enfático: "Estou de acordo, estou de acordo".

É possível comparar a atuação de Francisco na retomada das relações Cuba-EUA com a de João XXIII ao não cortar relações com o governo de Fidel Castro?

Frei Betto: Francisco comemorará, no fim de semana que estará em Cuba, 80 anos da relação diplomática entre a Ilha socialista e a Santa Sé. Jamais se cogitou a ruptura de relações entre os dois Estados, mesmo nos períodos de conflito entre a Revolução e o episcopado cubano. Fidel sempre manteve boas relações com os núncios, como sublinha na entrevista que me concedeu em 1985 e editada sob o título "Fidel e a religião". George W. Bush é que tentou evitar que João Paulo II visitasse Cuba em 1998, mas fracassou. O papa não só fez a visita, como também elogiou as conquistas da Revolução nas áreas de saúde e educação.

O sr. acredita que o fato de o Vaticano ter reconhecido o Estado da Palestina pode mudar o rumo do conflito entre Israel e os palestinos?

Frei Betto: Acredito que foi um importante passo para a defesa dos direitos e a soberania dos palestinos, e para enfatizar o equívoco da atual política do Estado de Israel em relação ao Estado Palestino.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Domingo, 20 de setembro de 2015 – Pg. A13 – Internet: clique aqui.

A missão do pontífice em Havana e Washington

Peter Hakim
Presidente emérito do Diálogo Interamericano

Papa deve usar sua enorme popularidade, sem paralelo entre outros líderes,
para trazer católicos de volta à fé
PAPA FRANCISCO
chegando à Praça da Revolução em Havana (Cuba) para celebrar a Missa
Domingo, 20 de setembro de 2015

Realizando suas primeiras visitas a Cuba e aos Estados Unidos da América (EUA) na mesma viagem, de uma semana apenas, o papa Francisco deixou claro que procurará alcançar o mesmo objetivo de João Paulo II em sua visita à ilha, em 1998, quando pediu que ela "se abrisse para o mundo e o mundo se abrisse para Cuba". Francisco está perfeitamente a par de quão vital é o esforço de reconciliação entre EUA e Cuba, no qual desempenhou um papel fundamental.

Francisco, então recentemente nomeado arcebispo de Buenos Aires, escreveu o livreto O Diálogo de João Paulo II e Fidel Castro, sobre a visita do papa a Cuba. O arcebispo argentino ficou fascinado com as conversas entre os dois líderes de visões e inspirações tão contrastantes, um deles concentrado no indivíduo e seus direitos, responsabilidades e escolhas, e o outro no papel central da autoridade do Estado na formação do homem, da mulher e da sociedade.

Não surpreende que eles, muitas vezes, parecessem entender de maneira equivocada as respectivas posições, embora também concordaram em algumas coisas. Apesar de sua imagem de anticomunista aguerrido, João Paulo transmitiu a Fidel - como Francisco posteriormente externaria - que ele não defendia o capitalismo sem limites, que ele se opunha às doutrinas neoliberais que se tornaram populares em muitas partes da América Latina, que achava o embargo americano a Cuba injusto e causa de sofrimentos desnecessários.

Quando João Paulo viajou para Cuba, já havia sido aclamado por ter contribuído para intensificar a resistência polonesa ao governo comunista, ajudando a colocar a Polônia no caminho democrático, embora, segundo alguns historiadores, seu impacto tenha sido provavelmente bem mais modesto.

Grandes também eram as esperança de que ele conseguisse estimular alguma mudança em Cuba, mas suas realizações na ilha se limitaram a sua preocupação com a situação da Igreja. O Natal passou a ser feriado nacional, os católicos não foram mais barrados em empregos no serviço civil, inclusive nos mais altos escalões, e à Igreja foi concedida alguma autonomia em relação ao governo, o que a tornou a única organização independente, embora modestamente, no país.

Os cubanos chegaram a emendar a Constituição para transformar o seu país num Estado secular, e não mais ateu, mas não conquistaram novos direitos nem liberdades. Toda oposição ao governo continuou sendo proibida e punida, além de praticamente todos os aspectos da economia permanecerem nas mãos do Estado.

Em contraste com as visões conservadoras anticomunistas, atribuídas a João Paulo II, Francisco chegará a Cuba com uma reputação progressista, até mesmo esquerdista. Ele também chega numa época diferente. O governo cubano está hoje desistindo gradativamente do seu monopólio do poder sobre a economia e permitindo o surgimento de alguma iniciativa individual - embora a um ritmo lento demais para sanar os profundos problemas econômicos da ilha.

Há até mesmo esperanças, certamente mais do que antes, de certa abertura política. De fato, alguns cubanos já falam em acesso moderadamente crescente à informação e um aumento da tolerância na discussão, mesmo da discordância, embora não para a dissidência, que o governo trata tão duramente quanto antes.

Francisco provavelmente insistirá e implorará às autoridades cubanas para que concedam aos cidadãos maior liberdade, não apenas de religião, mas também de expressão e de associação, e o direito de discordar ou mesmo de dissentir e de se opor. Mas, provavelmente, expressará também seu empenho na defesa da igualdade e da inclusão, sua profunda preocupação para que se evite o materialismo excessivo e o consumismo, o que a liderança cubana considerará um elogio.

Francisco fará um voo direto de Santiago de Cuba até a Base da Força Aérea de Andrew, nos arredores de Washington, onde enfatizará seu constante empenho na normalização dos vínculos entre EUA e Cuba - e na importância dela para o avanço de uma maior abertura política e econômica de Cuba.

Indubitavelmente, o papa decepcionará os que, tanto nos EUA quanto em Cuba, querem que ele condene profundamente os constantes abusos dos direitos humanos na ilha, suas graves restrições às liberdades fundamentais e exija mudanças mais rápidas do governo, antes de que sejam dados novos passos para a reconciliação.

Como tem feito até este momento, Francisco continuará pragmático e realista na consecução de seus princípios e metas. Ele sabe muito bem que Cuba não pode se transformar da noite para o dia. Ela evoluirá, se é que isto seja possível, muito gradativamente, e a paciência aliada à persistência, a prazo mais longo, é o caminho mais viável para uma abertura sustentada e para assegurar que a Igreja e o papa continuem desempenhando um papel maior no processo ao longo do tempo. Os esforços para acelerar a mudança poderiam resultar numa resistência por parte dos líderes cubanos, que continuam profundamente desconfiados de toda interferência externa nos assuntos do país.

O papa tem outros interesses na ilha, além da reaproximação com os EUA. Ele quer que os governos da América Latina e da Europa se empenhem mais profundamente com a questão de Cuba e assumam uma maior responsabilidade na ajuda ao país durante o período de transição econômica, política e social que será difícil. O papa aproveitará sua visita para reforçar a presença da Igreja no país, aumentar substancialmente o número ainda pequeno de fiéis católicos, promover a persistente expansão da autonomia e da influência da Igreja na ilha e possibilitar a comunicação efetiva da mensagem católica.

Cuba permanecerá uma preocupação predominante para o papa ao chegar aos EUA, onde deverá pedir o levantamento do embargo e a retirada de outros obstáculos ao bem-estar econômico e social da população cubana. Mas, em Washington, Filadélfia e Nova York, Francisco tratará também de outras prioridades. Particularmente quando se dirigir ao Congresso americano, considerando a necessidade de políticas mais humanitárias em relação à imigração, com certeza estará no topo de sua lista diante da terrível crise dos refugiados no Oriente Médio e na Europa, e o discurso desagradável e às vezes odioso do Partido Republicano sobre os migrantes e a migração. Não surpreenderá se Francisco tratar energicamente da questão da mudança climática no Congresso, que é um obstáculo obstinado à ação internacional para a solução deste problema global.

Além disso, como sempre, ele levantará sua voz para a necessidade de tratar dos enormes desafios representados pela desigualdade, pela pobreza e pela exclusão no mundo todo. O papa está plenamente consciente da necessidade de sutileza e de moderação na defesa dos direitos humanos, da mudança democrática e da liberdade de expressão em Cuba. Será muito mais direto ao expor aos líderes políticos as questões que, na sua opinião, eles não podem mais ignorar.

Finalmente, nos EUA, o papa terá muitos problemas relativos à própria Igreja com os quais se preocupar. Embora tenha o apoio e a admiração da grande maioria dos católicos americanos, deverá enfrentar questões sensíveis, como os vários escândalos de pedofilia e acobertamento que envolvem sacerdotes e bispos em todo o país.

Não há dúvida de que a Igreja Católica, que há muito tempo vem perdendo seguidores, precisa de uma nova carga de energia. Tanto em Cuba quanto nos EUA, o problema mais complexo para Francisco é descobrir de que maneira poderá usar sua enorme popularidade, que não encontra paralelo entre os outros líderes mundiais, para trazer os católicos de volta à fé.

Traduzido por Anna Capovilla.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Domingo, 20 de setembro de 2015 – Pg. A16 – Internet: clique aqui.

Nos Estados Unidos, papa precisa atrair conservadores

Entrevista com Massimo Faggioli
Teólogo e Historiador da Igreja Católica

Cláudia Trevisan

Para professor de Teologia, pontífice deve usar visita para criar laços
entre o Vaticano e a Igreja americana


MASSIMO FAGGIOLI
Teólogo e Historiador de Igreja Católica nos EUA

A visita que o papa Francisco fará aos Estados Unidos da América (EUA) a partir de amanhã terá o objetivo de construir ligações entre o pontífice e segmentos da população que veem com desconfiança suas posições, avalia Massimo Faggioli, professor de Teologia da Universidade de St. Thomas, em Minnesota. “A maioria dos bispos americanos não gosta dele e muitos católicos americanos não o entendem”, disse Faggioli, especialista em história da Igreja Católica e autor de livros sobre o assunto, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Faggioli acredita que os principais temas da vista aos EUA serão a questão ambiental, a justiça social e a economia moderna, mas espera que Francisco use uma linguagem diferente da usada em sua visita à Bolívia. A seguir, trechos da entrevista.

Quais serão os principais temas da visita do papa aos EUA?

Massimo Faggioli: Criar uma relação de Francisco com a igreja nos EUA, uma relação que tem sido difícil desde o começo. Não apenas porque o papa é da América Latina, e americanos tendem a ter uma perspectiva particular sobre a região, mas porque ele é um católico latino-americano radical. A maioria dos bispos americanos não gosta dele e muitos católicos americanos não o entendem, não confiam em seu julgamento em questões como aborto, sexo e dinheiro. Acredito que ele tentará ser mais compreendido, não colocará ênfase nos temas tratados normalmente pelos bispos nos EUA, como casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto. O foco deverá ser a questão ambiental, a economia moderna e a justiça social.

A tensão existe porque ele tem uma visão mais tolerante?

Massimo Faggioli: Não diria mais tolerante, mas ele sabe que nas últimas duas ou três décadas a Igreja Católica se tornou um agente da moralidade, o que afastou muitas pessoas. Em termos de estratégia, a Igreja tem de mudar a linguagem. Também há a ideia de que quando falamos dos temas sexualidade e aborto, não podemos fazer julgamentos sem entender o contexto. Para o papa, esse contexto é como a sociedade e a economia moderna se desenvolvem. Na carta do jubileu sobre aborto, ficou claro que ele sabe as dificuldades de mulheres que não têm outra escolha além do aborto. Ele não trata essas questões de maneira abstrata, elas são parte de situações existenciais complexas – pessoas não têm dinheiro, acesso à assistência médica. Nos EUA, isso não foi feito pelos líderes da Igreja.

Eles tendem a ser mais conservadores?

Massimo Faggioli: É a ideia típica da cultura conservadora dos EUA de que tudo gira em torno da responsabilidade pessoal. Se você é pobre, é porque não trabalha. Se fez um aborto, é porque não acredita que isso seja ruim. Francisco tem um entendimento mais social. Se queremos tratar da questão da família, do casamento e do aborto, temos que falar do sistema social que às vezes obriga as pessoas a tomarem essas decisões ruins. Isso os bispos dos EUA não fazem. Em grande parte eles usam uma linguagem conservadora para apresentar essas questões – você tomou essas decisões e só você é responsável por elas. A linguagem do papa é diferente. Ele não mudou o que a Igreja diz sobre aborto, mas mudou a maneira como devemos tratar o problema.
Católicos norte-americanos em Oklahoma, capital do Estado homônimo

A parcela de católicos na população dos EUA está diminuindo?

Massimo Faggioli: Não está reduzindo graças aos imigrantes da América Latina. Sem eles, a Igreja Católica nos EUA seria muito menor. Se ainda é grande, isso se deve em grande parte aos imigrantes.

Muitas posições do papa coincidem com prioridades da agenda política do presidente Barack Obama. Há o risco de o papa afastar os republicanos?

Massimo Faggioli: O risco existe e ele já afastou alguns católicos republicanos. Acredito que nos EUA ele tentará construir pontes entre o Vaticano e a Igreja americana e entre diferentes tipos de católicos. Obama e Francisco têm uma relação muito boa e o protocolo da visita enfatizará isso. O presidente irá com a família ao aeroporto receber o papa, o que não é usual. Francisco tentará estender a mão aos que não entendem o que ele fez até agora. Ele tentará se apresentar também para os que se distanciaram e não captaram suas intenções.

Mas ele tratará de justiça social, meio ambiente... O desafio será fazer isso e ser inclusivo?

Massimo Faggioli: Exatamente. O papa demonstrou uma habilidade incrível de fazer diferentes coisas, nos surpreendeu. Os EUA são mais difíceis por muitas razões. É uma Igreja muito mais polarizada e dividida ideologicamente. Há dois partidos políticos e duas maneiras diferentes de ser católico. É uma Igreja única, muito viva, mas dividida, que saiu de uma crise difícil em relação ao escândalo de abusos sexuais.

A divisão é semelhante à partidária?

Massimo Faggioli: Mais ou menos. Há dois tipos de católicos que em grande parte coincidem com as culturas políticas: os católicos democratas e os republicanos.

A mensagem dele ecoou mais entre os católicos democratas?

Massimo Faggioli: Por enquanto sim. Mas Francisco não convenceu os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou as teólogas feministas, por exemplo. A maioria dos democratas gosta dele e a maioria dos republicanos, não. Mas há exceções.

O papa fez fortes críticas ao capitalismo e à idolatria do dinheiro. Isso é percebido de maneira negativa nos EUA?

Massimo Faggioli: Sim. A religião do livre mercado é a verdadeira religião nacional da América. Quando você critica isso, você faz inimigos. Eu espero que ele fale sobre a economia moderna e o capitalismo de maneira diferente da que falou na Bolívia. Eu ficaria surpreso se ele usasse a mesma linguagem. Ele manterá a mensagem, mas terá em mente que a história dos EUA é muito diferente.

Há uma desconexão entre a Igreja e a posição dos católicos americanos em relação a divórcio, casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa é a principal razão da perda de fiéis?

Massimo Faggioli: É uma delas. Se você ler artigos de conservadores católicos americanos brancos, eles dizem que a Europa está perdida e os católicos deixaram a Igreja. O que eles não aceitam é a ideia de que o cenário do catolicismo na América, quando falamos de católicos brancos, não é muito diferente do europeu. Isso é difícil para eles aceitarem porque é parte dessa ideia de que a América ainda é religiosa e a Europa, pós-religiosa, secular, ateia. Esse papa está dizendo que a Igreja nos EUA é importante, mas não é a melhor. Não há nenhuma Igreja Católica melhor que a outra.

Como ele está dizendo isso?

Massimo Faggioli: Está dizendo coisas duras para os católicos, especialmente os bispos. Não está tratando a Igreja Católica americana como especial. Isso se reflete nas indicações que ele fez no Vaticano e para o Sínodo dos Bispos. O papel que a Igreja Católica americana desempenha no pontificado de Francisco é o de uma enorme igreja, mas com João Paulo II e Bento XVI, os católicos americanos tinham grande proeminência e eram muito mais poderosos.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Segunda-feira, 21 de setembro de 2015 – Pg. A10 – Internet: clique aqui.

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