«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 21 de junho de 2015

ANALISANDO A ENCÍCLICA DO PAPA: «LAUDATO SI'»

A “Suma Ecológica” do Papa Francisco:
voltar à realidade

Gianni Valente
Vatican Insider
17-06-2015

A Laudato Si’ do Papa Francisco não é somente uma Encíclica ecológica. Seguindo o “fio verde” da questão ambiental até seus labirintos mais capilares, o Bispo de Roma traça uma crítica global sobre o sistema de desenvolvimento que engloba a humanidade e o mundo e que parece empurrá-los para o beco sem saída da auto-aniquilação.

A urgência ecológica é o rosto contemporâneo da questão social. O receptáculo no qual se encontra o rastro de todas as infecções que atormentam os povos e as nações, as gerações e os continentes.

Apologia do pensamento crítico

Nas mais de 200 páginas do texto papal, viajamos também entre algas e aquíferos contaminados, entre recifes de corais e invasivos aparelhos de ar condicionado. Mas o ponto fundamental da mensagem é a constatação objetiva da insustentabilidade do modelo de gestão imposto no mundo pela globalização neomercantilista. O Papa Francisco documentou que “para além de qualquer previsão catastrófica, o certo é que o atual sistema mundial é insustentável desde diversos pontos de vista”.

Ao fazê-lo, indica e descreve as conexões, muitas vezes ocultadas, que relacionam as crises financeiras com as migrações bíblicas de povos inteiros, as convulsões geopolíticas e as guerras mundiais “em capítulos” desencadeadas pelo controle das fontes de energia, porque os “problemas do mundo não podem ser analisados nem explicados de forma isolada”. Suas considerações, mais do que descrever cenários futuristas, são, em muitos casos, a descrição de um futuro que já começou. Como quando expressa a fácil previsão de que “diante do esgotamento de alguns recursos”, vai se criando “um cenário favorável para novas guerras, mascaradas com nobres reivindicações”.

Cobiça “tecnocrática”

A devastação da Criação, disse o Papa, tem sua origem na pulsão acumuladora que acompanha a condição humana marcada pelo pecado original, que condiciona inclusive os mecanismos convulsivos da globalização do mercado. O Bispo de Roma descreve todas as manifestações de tais reflexos condicionados, que confluem na ruína global, das lutas das multinacionais pelo controle das fontes de água potável, por exemplo, ou pela pesca que depreda seletivamente espécies marinhas de acordo com o seu preço no mercado.

No desastre ambiental que paira sobre o mundo, a febre cega que corrompe todo o sistema chega a um ponto de ruptura que é evidente para todos, porque todos – apesar da distorção da realidade feita mediante a manipulação da informação de acordo com os interesses de blocos de poder econômico financeiro – podem perceber em carne e osso os efeitos autodestrutivos provocados pelos modelos de produção e de consumo que estão afetando todo o planeta.

Para as gerações que vivem esta passagem histórica, a cega pulsão que tende à acumulação assume efeitos tão devastadores porque pela primeira vez na história pode utilizar os terríveis instrumentos que colocaram à disposição “novas formas de poder derivadas do paradigma tecnoeconômico”. Uma potência sem limites, que é liberada sem poder ser contida pela fragilidade das reações da política internacional. “A submissão da política à tecnologia e às finanças mostra-se no fracasso das Cúpulas Mundiais sobre o Meio Ambiente. Há muitos interesses particulares, e muito facilmente o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e a manipular a informação para que os seus projetos não se vejam afetados”.

Voltar à realidade

O olhar crítico aplicado pelo Papa Francisco aos processos de autodestruição postos em marcha pela busca de “um benefício imediato” – ao qual instigam as leis do mercado “divinizado” – não surge de um idealismo romântico ou do sonho nostálgico de voltar no tempo para retomar formas de vida pré-industriais. O ponto do qual surge o juízo sobre o estado da questão é, antes, o respeito pela realidade, o respeito por esse que o delírio de onipotência tecnocrática trata constantemente de violar. A raiz do problema ecológico, reconhece o Papa Francisco, está no fato de que “há um modo de entender a vida e a ação humana que se desviou e que contradiz a realidade até violá-la”.

Toda a encíclica está cheia de realismo e de respeito pelo princípio da realidade frente aos dados objetivos que marcam a condição humana, começando pelo reconhecimento dos limites do mundo e de seus recursos. Ao longo do texto, o Papa Francisco dissemina eficazes antídotos contra o fideísmo [fé cega] do “paradigma tecnocrático” e seus propagadores bem remunerados.

Seguindo as pegadas de Romano Guardini, autor importante para o Papa, Francisco denuncia os limites do antropocentrismo moderno que “acabou colocando a razão técnica acima da realidade, porque este ser humano ‘não sente a natureza como norma válida, menos ainda como refúgio vivo’”. A intervenção do ser humano na natureza, recorda Bergoglio, “sempre aconteceu, mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar, de favorecer as possibilidades que as próprias coisas oferecem. Tratava-se de receber o que a realidade natural permite, como estendendo a mão. Agora, ao contrário, o que interessa é extrair todo o possível das coisas pela imposição da mão humana, que tende a ignorar ou a esquecer a realidade mesma do que tem diante de si”.

Agora, caso se queira neutralizar verdadeiramente o germe da auto-aniquilação que aninha nos modelos de vida e de consumo impostos pelo paradigma tecnocrático, “chegou o momento de prestar atenção novamente na realidade com os limites que ela impõe, que, por sua vez, são a possibilidade de um desenvolvimento humano e social mais saudável e fecundo”.

Um documento “operacional”

As previsões catastróficas, adverte o Papa Francisco, “já não podem ser olhadas com desprezo e ironia. Poderíamos deixar às próximas gerações muitos escombros, desertos e sujeira. O ritmo de consumo, de desperdício e de alteração do meio ambiente superou as possibilidades da Terra, de tal modo que o estilo de vida atual, por ser insustentável, só pode acabar em catástrofe, como de fato já está ocorrendo periodicamente em diversas regiões”.

No entanto, a encíclica ambiental não pertence de maneira alguma ao gênero “catastrofista”. Diante do diagnóstico realista e detalhado do estado da questão, não há nenhum discurso paralisado pelo medo sobre o futuro nem por um sentimento de impotência. Pelo contrário. Nas páginas da encíclica há disseminadas várias propostas operacionais e chamando para agir rapidamente. Porque a situação é grave e o tempo vai se reduzindo, mas uma mudança de direção concreta e compartilhada pode manter viva a esperança de mudar as coisas.

Bergoglio dirige-se a todos: a cada crente, a cada mulher e homem de boa vontade, mas também às nações, aos órgãos internacionais e ao grupo “dos que decidem”. Propõe dezenas de sugestões concretas e pistas a seguir. Entre todas destaca, para os países avançados, a perspectiva da “desaceleração”, a mesma que os analistas mais clarividentes indicaram como via mestra, caso se queira interromper o processo de autodestruição.

“Se em alguns casos o desenvolvimento sustentável implicará em novas formas de crescer, em outros casos, diante do crescimento voraz e irresponsável que se produziu durante muitas décadas, é preciso pensar também em deter um pouco a marcha, em colocar alguns limites racionais e inclusive em voltar atrás antes que seja tarde. Sabemos que o comportamento daqueles que consomem e destroem sempre mais é insustentável, enquanto outros ainda não conseguem viver de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora de aceitar certo decrescimento em algumas partes do mundo proporcionando recursos para que se possa crescer saudavelmente em outras partes”.
Gianni Valente
Jornalista italiano vaticanista

A Igreja amiga dos seres humanos

Ao propor ao mundo sua “Suma Ecológica”, o Papa Francisco também oferece a todos os dons apropriados e saudáveis que encontra no rico tesouro da Tradição e da memória cristã. Não reivindica para o cristianismo a “matriz” teológico-cultural do sistema capitalista ou dos modelos de desenvolvimento difundidos pela economia de mercado. Pelo contrário, nessa vertente descreve as posturas de um “antropocentrismo desviado” e reconhece que “uma apresentação inadequada da antropologia cristã foi capaz de respaldar uma concepção equivocada sobre a relação do ser humano com o mundo. Transmitiu-se muitas vezes um sonho prometeico de domínio sobre o mundo que provocou a impressão de que o cuidado da natureza é coisa de fracos”.

Bergoglio sugere que na atualidade é a experiência cristã da gratuidade da Criação, marcada pela estupefação e pelo agradecimento por um dom recebido que deve ser tutelado, a que pode ajudar a todos a encontrar novamente estilos de vida que não estejam submetidos às bulimias neuróticas impostas pelo consumismo. “Quando pensamos na situação em que se deixa o planeta às gerações futuras”, escreve Bergoglio, “entramos em outra lógica, a do dom gratuito que recebemos e comunicamos. Se a terra nos é doada, já não podemos pensar só a partir de um critério utilitarista de eficiência e produtividade para o benefício individual”.

Enquanto volta a propor como dom para todos a via da sobriedade e da estupefação diante da Criação, já indicada por São Francisco e por muitos outros humildes eleitos pela espiritualidade cristã, o atual Bispo de Roma propõe outra vez a imagem da Igreja amiga dos seres humanos delineada pelo Concílio Vaticano II. Uma Igreja que, com o anúncio do Evangelho de Cristo, não tem, nem pretende defender, interesses ou planos para sublinhar sua própria relevância. E justamente por isso, pode oferecer a toda família humana os dons sempre novos da milenar sabedoria cristã.

Com sua encíclica, o Papa toca um nervo do mundo, chama a atenção profeticamente para a urgência planetária da hora presente. No cenário do mundo, sacudido por guerras e inimizades, indica a todos, na defesa da vida e na salvaguarda da Criação, um terreno comum no qual é possível redescobrir e viver de maneira concreta o destino comum que une os judeus e os cristãos, os muçulmanos, os fiéis das diferentes tradições religiosas e todos os homens e mulheres da Terra.

Talvez por este motivo, é provável que mesmo os poderosos das nações atendam às suas palavras. Como aconteceu no passado com a Pacem in Terris – quando o outro nome de Deus era evocado diante das ameaças da guerra nuclear – e com a Populorum Progressio – quando Paulo VI falou ao mundo que saía do neocolonialismo sobre os “povos da fome” que “interpelavam os povos da opulência”. Isto pode acontecer quando a Igreja demonstra ao mundo limpidamente que pregar o Evangelho de Cristo quer dizer ocupar-se do bem de todos e estar a serviço de todos. Porque, como dizia Santo Agostinho, o bem próprio da Cidade dos homens é fundamental para todos os que pertencem à Cidade de Deus.

Traduzido do italiano por André Langer. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 19 de junho de 2015 – Internet: clique aqui.

Uma revolução cultural.
A encíclica ambiental do Papa Francisco

Massimo Faggioli
Commonweal
18-06-2015

«Para Francisco, a questão-chave é “redefinir o progresso”, a fim de reforçar a política em face de um sistema econômico dominante profundamente excludente. Nesse sentido, o papel da Igreja é, em grande parte, educacional. Laudato Si’ incentiva os movimentos de base feito por consumidores socialmente responsáveis e encoraja os católicos a serem politicamente ativos de várias maneiras.»
 
Massimo Faggioli
Historiador italiano radicado nos Estados Unidos
A encíclica do Papa Francisco Laudato si’ defende nada menos do que uma revolução cultural. Em prosa facilmente legível, o pontífice convida as pessoas de todas as religiões a combater, com urgência, a crise climática produzida por nós mesmos. Embora o texto afirme claramente o consenso científico sobre o aquecimento global, Laudato si’ preocupa-se mais com o poder político e econômico do que com a ciência. Nesse sentido, a encíclica inspira-se e se edifica na tradição do ensino da Igreja sobre o meio ambiente, que remonta a Paulo VI e continua até o pontificado de Bento XVI.

Dificilmente o escopo da encíclica poderia ser mais amplo. Francisco enfatiza a solidariedade entre todas as criaturas de Deus, entre os seres humanos e o resto da criação. No entanto, o papa não se afasta de uma análise política mais detalhada. Por exemplo, ele exorta os países a reduzir o dióxido de carbono e outros poluentes.

Mas a primeira fonte da encíclica, muito visível na introdução, é Francisco de Assis (o título da encíclica foi retirado do “Cântico das Criaturas”, de Francisco de Assis).

Francisco se inspira na Pacem in Terris (1963), de João XXIII, encíclica escrita durante uma outra crise mundial: a Guerra Fria. Como Pacem in Terris, a nova encíclica dirige-se às pessoas de boa vontade no intuito de “entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum”. Naturalmente, o papa cita o Vaticano II (Gaudium et Spes), juntamente com os ensinamentos de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI (especialmente Caritas in Veritate, escrita por este último).

Outras citações importantes vêm de Teilhard de Chardin e Romano Guardini. Ele também menciona as cartas de algumas Conferências Episcopais (especialmente a dos bispos da América Latina e Caribe). Igualmente, ele cita o trabalho do Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, que tem falado de forma comovente sobre as questões ambientais.

Em alguns aspectos, Laudato Si’ parte de onde Evangelii Gaudium parou. Francisco denuncia a “cultura do descarte”, o poder da tecnologia e da globalização que busca insanamente o lucro. Como esperado, ele afirma o consenso científico sobre o aquecimento global. A fim de melhor ouvirmos o que a terra está nos dizendo, escreve Francisco, a Igreja deve defender os pobres – os primeiros a sofrerem os efeitos das mudanças climáticas.

O Papa rejeita as “soluções demográficas” (como escreve Paulo VI na Humanae Vitae, porém Francisco não cita o texto aqui), tais como o controle populacional. Ele critica os países ricos que alavancam as necessidades dos mais pobres em nome do controle político. Particularmente forte é a análise do papa das relações entre a política, a economia global e a informação, que é manipulada por interesses comerciais. Francisco lamenta que, no debate sobre o meio ambiente, o papel da política está, em grande parte, ausente.

O Evangelho pede à Igreja que fale contra tudo o que ameace a dignidade de cada ser humano, incluindo a desigualdade. Nesse sentido, a ecologia de Francisco é totalmente pró-vida: o respeito pelas pessoas e o respeito por outras criaturas estão intimamente ligados.

A seção mais forte de Laudato Si’ é a sua crítica da tecnocracia (um ceticismo compartilhado por Bento XVI). O “paradigma tecnocrático” se reflete em nossa incapacidade de compreender o fato de que muitos dos recursos do planeta são finitos.

Para Francisco, a tecnologia nunca é neutra – ela pode ser usada para produzir efeitos maléficos. O mercado em si não irá corrigir isto por conta própria. Portanto, a própria Igreja deve oferecer uma voz unificada, a fim de ajudar a nos libertar do paradigma tecnocrático. Para isso, Francisco exorta-nos a repensar os nossos excessos consumistas: uma boa relação com a criação pressupõe um bom relacionamento com o Criador.

De acordo com Francisco, a ecologia sempre inclui cuidar dos pobres, dos marginalizados e da natureza. Isso também significa proteger a cultura: a palavra “inculturação” não aparece no texto, mas, para a Laudato Si’, a verdadeira ecologia deve ser inculturada, e não importada com uma mentalidade colonialista. A “ecologia humana” autêntica não ignora as diferenças sexuais: aceitar a masculinidade e a feminilidade, escreve o Papa, é uma forma de respeitar criação, em vez de impor a nossa vontade sobre ela. Nesta apresentação católica de ecologia, a sociedade tem um papel na defesa do bem comum, assim como os países e governos.

Em parte, Francisco culpa uma falha na governança global para a atual crise climática. Aqui, o papa repete o apelo a uma autoridade política mundial que começou com João XXIII. Quando os cidadãos se deparam a corrupção política, eles devem resisti-la. É a corrupção, afinal de contas, que subjuga a política aos interesses financeiros. O Papa Francisco não mediu palavras. Ele considera a crise financeira de 2007-2008 como uma oportunidade perdida que poderia ser usada para mudar todo o sistema econômico (em vez disso, o Ocidente focou-se em salvar os grandes bancos).

Para Francisco, a questão-chave é “redefinir o progresso”, a fim de reforçar a política em face de um sistema econômico dominante profundamente excludente. Nesse sentido, o papel da Igreja é, em grande parte, educacional. Laudato Si’ incentiva os movimentos de base feito por consumidores socialmente responsáveis e encoraja os católicos a serem politicamente ativos de várias maneiras.

A encíclica termina com duas orações. Na oração inter-religiosa, encontramos os temas favoritos de Francisco: a ternura, os pobres e a “nossa luta pela justiça, o amor e a paz”. Na oração ecumênica, ele pede pela conversão dos ricos e poderosos no sentido de servirem ao bem comum – protegendo os pobres e a terra.

Como todo o ensino social católico, este rico documento estará sujeito a interpretações. Algumas questões me parecem importantes para compreendermos o impacto da Laudato Si’ nos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, Francisco escreve sobre a criação e o meio ambiente a partir de uma perspectiva cultural que é diferente da de muitos americanos. Francisco é um papa um tanto urbano, e para ele o meio ambiente está profundamente ligado com os – e é configurado pelos – seres humanos (os termos “direito natural” e “direito da natureza” não aparecem no texto).

Em segundo lugar, Francisco não é um papa contrário à modernidade, mas também não é um progressista. Em vez disso, ele é um progressista crítico. A tecnologia pode nos ajudar a arrumar a bagunça que fizemos, mas a tecnologia por si só não é o suficiente. É necessária uma conversão “pessoal e comunitária”, uma mudança de coração.

Em terceiro lugar, assim como seus antecessores, Francisco acredita que o bem comum é servido tanto pelos indivíduos quanto pelos governos. Mas ele não é um católico do “governo pequeno” [Estado mínimo], ao contrário dos candidatos presidenciais republicanos católicos, que pediram ao papa que “deixe a ciência para os cientistas”. O papa rejeita a noção de prosperidade como um projeto nacional. Isso também não vai soar muito bem para os americanos. Um certo nível de prosperidade, um nível que implica a desigualdade de renda, é simplesmente incompatível com a justiça econômica.

Em quarto lugar, Francisco repete o ensino católico tradicional sobre as “questões de vida”, relacionando-as com o imperativo de cuidar de toda a criação. Mas os americanos que pensam essas questões de forma isolada, à parte da economia e do meio ambiente, vão se decepcionar.

Francisco convida-nos a termos uma visão mais global. Resta saber, todavia, se aceitará este convite aquela metade dos [norte-]americanos que negam que as mudanças climáticas são um problema urgente.

Traduzido do inglês por Isaque Gomes Correa. Para acessar o artigo em sua versão original, clique aqui.

Uma série de fotos criadas pelo fotógrafo Cris Jordan, 
mostra de forma impressionante a cultura do descarte
O trabalho do fotógrafo é registrar os detritos que nós deixamos para trás. São celulares, carros, vidro, carregadores de celular e muitos outros. 
Observe as fotos abaixo:
Celulares descartados - lixo!!!
Vidros quebrados em depósito de lixo
Lixo "empacotado" para reciclagem
 
Carros esmagados em "Ferro Velho"

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 19 de junho de 2015 – Internet: clique aqui.

Acadêmicos defendem implicações políticas e antropológicas da Laudato Si'

Soli Salgado
National Catholic Reporter
18-06-2015

Acadêmicos de diversas áreas opinaram sobre a nova encíclica de Francisco, concordando que as implicações políticas e antropológicas dentro do texto são inerentes à discussão.

Por mais de um século, os norte-americanos – incluindo os católicos – reagiram ao ensinamento da Igreja, argumentando que o papa e os bispos deveriam ficar fora da política e se limitar a falar de religião, disse Una Cadegan, professora da University of Dayton, em Ohio, especialista na cultura intelectual e literária católica do século XX.
Una Cadegan

"Mas se estamos falando de salário mínimo, ou de justiça social, ou de proliferação nuclear ou do destino do planeta, estamos falando da nossa vida comum, que é apenas outra palavra para política", disse. "E, se somos cristãos, no coração dessa vida comum, está o amor."

Marian Diaz, professora assistente de estudos pastorais da Loyola University de Chicago, concordou que discutir a justiça ambiental exige que se aborde a justiça social, cultural, antropológica e econômica.

"Defender uma ecologia integral na nossa casa comum requer uma justiça integral", afirmou.

Também devemos redefinir sucesso e progresso, acrescentou, a partir do mero desenvolvimento econômico, para todas as "ações criativas, construtivas e comuns" feita no sentido do cuidado ambiental e social.

John Sniegocki, professor de teologia e ciências ambientais da Xavier University, disse que tomar medidas requer uma transformação fundamental dos sistemas culturais, econômicos e políticos que estão "destruindo a boa criação de Deus e causando graves prejuízos para os pobres".

"Devemos tomar medidas ousadas para realizar essas reformas estruturais e também para mudar os nossos próprios estilos de vida. Trabalhar juntos para realizar essas mudanças é uma parte essencial da fé cristã", disse.

Sniegocki acrescentou que, embora a encíclica ofereça uma "forte afirmação do valor intrínseco de todas as criaturas aos olhos de Deus" – a mais clara declaração que ele já viu em declarações papais –, ela perdeu a chance de explorar as implicações de tais afirmações, tais como as relacionadas com as escolhas alimentares e, especificamente, com o consumo de carne.

"A encíclica deixa de salientar que a indústria mundial de gado está entre as maiores causas de destruição ambiental, sendo também uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa", disse ele, embora também tenha reconhecido que as afirmações de Francisco facilitariam que as pessoas enfrentem a questão no âmbito da doutrina social da Igreja.
Nancy Rourke

A promessa do céu não deve nos distrair de apreciar os dons que temos atualmente, disse Nancy Rourke, diretora do Programa de Estudos Católicos do Canisius College, em Buffalo, Nova York.

"Nós, cristãos, pensamos na criação como um dom, mas também pensamos no além com Deus como uma coisa melhor, um dom superior", disse ela, acrescentando que esse tipo de pensamento facilita assumir a terra como algo garantido. "Na verdade, esse dom, essa criação é tudo o que precisamos para ser felizes, completos e estar em comunhão com Deus".

Embora a maioria dos acadêmicos expressasse entusiasmo para o leque de questões que a encíclica aborda sobre a ação ambiental, Kevin Ahern – especialista em ética teológica e professor do Manhattan College, em Riverdale, Nova York – disse ter percebido três coisas que faltam no texto.

Ele observou que não há menção ao pecado social e estrutural, o que o surpreendeu, "dada a análise de Francisco sobre as causas profundas". E, embora tenha dito que há rumores de que a próxima encíclica será sobre o desarmamento, ele disse que deveria haver mais menções ao efeito da guerra sobre o ambiente e os pobres. Por último, Ahern considerou que o texto carece de um forte apelo à ação para as paróquias, escolas e instituições eclesiais.

«Eu posso até ver um pároco, um reitor de universidade ou um administrador de hospital olhando para a encíclica e dizendo: “E daí?”», disse Ahern, acrescentando que o desafio consiste em articular melhor como as instituições podem ser instrumentos de Deus na proteção do nosso planeta.

Traduzido do inglês por Moisés Sbardelotto. Para acessar a versão original, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 19 de junho de 2015 – Internet: clique aqui.

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