«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

COMO ESTÁ O MÉDICO NO BRASIL?

O médico é um individualista

Entrevista com Claudio Lottenberg

Adriana Dias Lopes

O presidente do Hospital Albert Einstein, de São Paulo,
referência mundial, diz que é preciso uma revolução de humildade
para a medicina realmente se aproximar dos pacientes
Claudio Lottenberg
Presidente do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo (SP)
Considerado um dos melhores oftalmologistas do Brasil e com renome internacional,
formou-se pela Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo

Em dezembro do próximo ano, o médico Claudio Lottenberg terá completado quinze anos à frente do Hospital Israelita Albert Einstein. Sob seu comando, a instituição passou por transformações extraordinárias, tanto no âmbito comercial como no social. O número de leitos quintuplicou, instaurou-se um dos maiores programas de transplante hepático do país, fizeram-se parcerias com hospitais públicos.

Neste ano, em que comemora seis décadas, o Einstein inaugurará uma faculdade de medicina. Mas a marca principal de Lottenberg é outra. Aos 54 anos, ele se revela um executivo de opiniões originais e corajosas. Entre suas defesas, o programa Mais Médicos e o uso da fé na gestão do hospital. “A excelência do hospital está profundamente ligada a seu DNA judaico”.

O senhor defende em seus discursos públicos o programa do governo federal Mais Médicos. É postura contrária à da maioria dos gestores de saúde. Por que acredita estar certo?

Claudio Lottenberg: O Mais Médicos é entendido em sua superficialidade, apenas como a inserção de médicos cubanos. O programa é muito mais amplo. Ele prevê, por exemplo, a capacitação de profissionais e a ampliação de vagas de medicina. A importação dos cubanos seria feita compensatoriamente, caso os médicos brasileiros não se interessassem em preencher as vagas ofertadas pelo governo federal em locais distantes dos grandes centros.
Mas aqui cabe ressaltar um ponto paradoxal. Não há como negar os riscos no atendimento de médicos cubanos. Esses profissionais têm de trabalhar com supervisão, e é possível que isso não esteja ocorrendo. No entanto, os brasileiros que nunca tiveram ao menos uma pessoa que os olhasse, que assistisse as suas aflições, estão muito felizes com os médicos cubanos. Quem está certo, afinal? A realidade é nítida: sem esses profissionais, inúmeros doentes de vários lugares do país não teriam absolutamente nada. Diante dessa necessidade urgente de médicos, a argumentação contrária aos cubanos perde a força.

Mas o profissional brasileiro conseguiria praticar uma boa medicina em cidades distantes dos grandes centros?

C. L.: Não. Mas cabe a ele pressionar o Estado para criar as condições. A classe médica estava muito acomodada até a chegada dos profissionais cubanos. Sempre me pergunto: não fizemos o juramento de Hipócrates? Muitos discutem salários. Poucos, a inserção social.
Procuro essa postura no Hospital Albert Einstein. Ninguém nos chamou para enviar ajuda aos sobreviventes do terremoto ocorrido no Haiti em 2010. Chegamos ao país antes da Força Aérea Brasileira. Claro, o governo tem de criar condições de trabalho para o médico. Assim como tem de pagar bem ao profissional e oferecer uma carreira. Mas poucos davam atenção a essas questões até surgirem os médicos cubanos. Gosto muito da seguinte frase: “As boas intenções morrem nas palavras”.

Recentemente, médicos de hospitais públicos e privados foram acusados de operar sem necessidade e usar próteses de segunda linha em troca de proprina. Como eliminar esse tipo de crime?

C. L.: A situação é dramática em qualquer lugar do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram desperdiçados 700 bilhões de dólares na área da saúde só no ano de 2013. As duas principais causas do problema foram definidas: 40% dos casos estavam associados à falta de protocolos médicos bem estabelecidos; e 20% a fraudes. O quadro é grave, não há dúvida quanto a isso.
Acredito, no entanto, que responsabilizar unicamente o médico não resolve muita coisa. É apenas a ponta do iceberg. A indústria quer lucro a qualquer preço, a fonte pagadora [governos, planos de saúde etc.] quer sempre encontrar uma forma de pagar menos, os médicos são mal remunerados e o paciente quer ver seu problema resolvido. Não há um único culpado de plantão, portanto.

O que faz o Albert Einstein para lidar com as ilegalidades?

C. L.: Tentamos nos blindar contra a fraude por meio de várias frentes. Fazemos um cerco. Primeiro, os médicos firmam um documento sobre conflito de interesses. Dessa forma, o profissional sabe que está sendo observado internamente. Padronizamos a relação com os fornecedores de próteses. Não aceitamos facilmente sugestões de fabricantes sem antes estabelecer uma discussão interna consistente. Afastamos fornecedores perante a mínima suspeita. Sei que posso perder alguns médicos por causa dessa nossa postura. E estou convencido de que, apesar disso tudo, condutas indevidas podem acontecer aqui dentro. Mas estamos atentos sempre.

O Einstein deverá inaugurar ainda neste ano uma faculdade de medicina. Já não há cursos de medicina em excesso no Brasil?

C. L.: Nossa faculdade não será apenas mais uma no mercado. Ela formará um médico com virtudes hoje pouco lembradas no universo acadêmico. Os educadores estão preparando médicos que podem ser chamados de “técnicos de pessoas”. O tecnicismo jamais substituirá a visão do contexto de vida do paciente. Um dos principais desafios da nova faculdade, portanto, será formar um médico com uma visão mais ampla de sua profissão. É preciso gerenciar dúvidas, orientar e saber trabalhar com conceitos de economia de saúde e protocolos bem estabelecidos. O profissional não pode tratar da doença simplesmente. Mas cuidar das pessoas em toda a sua complexidade. 
Hospital Albert Einstein
Bairro do Morumbi em São Paulo, capital
Há um exagero no pedido de exames da parte dos médicos?

C. L.: Sim. Há uma quantidade imensa de exames e práticas médicas desnecessários, e também exagerado uso de recursos tecnológicos. O médico só conseguirá acabar com esse quadro, muito ruim, se tiver uma visão organizada e protocolar de seus atos, além de, evidentemente, ter uma visão ampla do doente. Insisto nessa questão.
Vou citar um exemplo que aconteceu no Albert Einstein. Há cerca de três anos, propus a criação de um centro de segunda opinião em cirurgia de coluna. Nesse centro, os médicos avaliam as queixas dos pacientes que já chegam com indicação cirúrgica. São profissionais sem ligação com aqueles que fariam o procedimento cirúrgico. Mais que isso: desenvolvemos protocolos e definimos padrões cirúrgicos. Ou seja, criamos uma prática organizada de atendimento.
O resultado foi surpreendente. Apenas 40% dos pacientes que chegam ao hospital com indicação de cirurgia de coluna são de fato submetidos ao procedimento. Evita-se o desperdício de tempo e dinheiro.

Como um hospital pode contribuir para melhorar a saúde publica?

C. L.: Em primeiro lugar, sendo exemplo de qualidade em gestão. Repito aqui: sem protocolos de condutas e tratamentos baseados em estudos sólidos não há como medir resultados e, portanto, não há como melhorar. Nossa participação na saúde pública é também na esfera prática. Temos o maior e mais bem aparelhado serviço de transplante de fígado acessível aos usuários do SUS. Mantemos uma ampla parceria com hospitais públicos municipais, o Dr. Moysés Deutsch e, a partir deste mês, o Vila Santa Catarina, ambos em São Paulo.

Como anda a relação médico e paciente no Brasil?

C. L.: Precisa ser mais humanizada. Não se trata de pegar na mão do doente nem de puxar a cadeira para ele se sentar. Uma relação humanizada envolve diversos fatores, todos com um único objetivo – pôr o paciente no centro das atenções, sempre e cada vez mais. É crucial lidar com o doente a partir das suas fraquezas. E não é possível agir desse modo se o profissional não admitir as próprias fragilidades.
Chega de arrogância. O médico é um individualista. Não divide informações. Em um passado não muito distante, tal postura até era possível. O médico se bastava. Ele era único. Hoje é praticamente impossível o profissional dominar todas as informações com o grande avanço ocorrido na medicina.
Veja o que aconteceu na minha área [oftalmologia]. No início as pessoas me procuravam principalmente para trocar de óculos. Hoje, para tratar das doenças que as fazem usar óculos e de outras tantas associadas ao envelhecimento, como glaucoma, degeneração macular senil. Será que eu tenho tempo e consigo ser perfeito em todos esses campos? Ou preciso de pessoas para me ajudar a ser mais resolutivo?

Há poucos meses, o senhor sofreu uma cirurgia de catarata. Como se sentiu no papel de paciente, justamente na área em que é especialista?

C. L.: Tive muita dificuldade em lidar com a doença do início ao fim. Primeiro, relutei para aceitar que estava com o problema de visão, mesmo sofrendo de um sintoma clássico. De repente, o grau dos meus óculos de miopia começou rapidamente a aumentar. Quando um paciente relata essa situação ao médico, o diagnóstico de catarata é praticamente certeiro. Mas, como era comigo, criava desculpas, relutava. Até que um dia minha visão de fato ficou comprometida e tive de aceitar o diagnóstico.
A partir daí foi outro dilema: a cirurgia. Passei a me lembrar de todas as situações ruins que vivenciei em minha carreira, que foram raríssimas. O procedimento é extremamente simples e seguro. Mas nada funcionava comigo. O mês em que marquei a operação foi um dos mais sofridos da minha vida.
Quando entrei no centro cirúrgico, tive a sensação de estar entrando para outra vida. Cheguei a pensar que ia morrer. E repito: como especialista no assunto, sei que isso não acontece. Só me tranquilizei no dia seguinte, quando voltei a enxergar.

Os médicos que passam por situação semelhante costumam mudar a postura com os pacientes?

C. L.: Essa experiência mudou a minha vida pessoal e profissional. Não há dúvida de que me tornei um médico muito melhor. Estou mais próximo dos meus pacientes. Agora, valorizo absolutamente todas as tristezas e angústias do doente, mesmo sabendo que esses sentimentos não vão repercutir na doença em si. Hoje me dedico com a mesma intensidade a discutir com o paciente sobre uma simples aflição e um procedimento cirúrgico. Mas estar do outro lado da mesa do consultório, digamos assim, e de um tipo de consultório tão familiar para mim, me fez cuidar mais da minha saúde. Nos últimos seis meses emagreci 6 quilos, voltei a praticar ginástica diariamente. Ganhei disposição. Sinto-me mais jovem. Tenho ânimo para brincar com meus filhos.

A imagem do Einstein está profundamente associada aos valores do judaísmo. Até que ponto essa relação é decisiva para a qualidade do hospital?

C. L.: A excelência do Albert Einstein está profundamente ligada ao seu DNA judaico. O judeu tem o papel de questionar permanentemente tudo. O judeu sempre acha que tem de fazer mais. Trata-se de um inconformismo sistemático. Isso para não falar do papel primordial da fé na gestão desse hospital.
Tenho aqui, evidentemente, as melhores ferramentas da lógica e da ciência para comandar esse hospital. Mas me dou ao luxo de usar a fé como instrumento de gestão fundamental. O que significa acreditar naquilo que as pessoas acham que não vai dar certo. É acreditar em coisas não tão tangíveis. Essa atitude é um fator fundamental na busca constante da qualidade no Albert Einstein.

O papa Francisco reconheceu o Estado da Palestina recentemente. O que o senhor achou disso?

C. L.: Francisco é um homem que tem avançado sobre temas polêmicos que ficaram parados por muito tempo. O Oriente Médio precisa encontrar uma solução para o povo palestino. Acredito que esse reconhecimento não significa uma negação do Estado de Israel. Mas de nada adianta tomar uma atitude se não houver um desdobramento de caráter prático. Gostaria que o papa não parasse esse movimento e usasse sua legitimidade para convencer o povo palestino de que, se não reconhecer o povo de Israel, não será possível nenhum tipo de entendimento. O papa tomou essa iniciativa positiva. Mas a partir de agora ele passa a ser um dos protagonistas dessa história. Ele tem de exigir do povo palestino que aceite também o Estado de Israel.

Fonte: Revista VEJA – Entrevista / Páginas amarelas – Edição 2430 – Ano 48 – nº 24 – 17 de junho de 2015 – Pgs. 13, 16-17 – Edição impressa.

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