«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 9 de junho de 2015

E A INTOLERÂNCIA, COMO VAI?

Intolerância diminuiu,
mas é reforçada pelo neoliberalismo

Entrevista com Frei Betto

Luís Brasilino*

Autor de A mosca azul: reflexão sobre o poder e Calendário do poder, Frei Betto conversou com o Le Monde Diplomatique Brasil sobre o nível de intolerância no país. Em sua opinião, apesar de avanços recentes, a cultura consumista propagada pelo neoliberalismo subverte a lógica, anula o bom senso e reforça a intolerância
FREI BETTO
Nome de batismo: Carlos Alberto Libânio Christo.
É um escritor e religioso dominicano brasileiro, militante de movimentos pastorais e sociais,
tendo ocupado a função de assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004.
Foi coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero.

DIPLOMATIQUE– Em sua opinião, o que é a intolerância e o que a alimenta?

FREI BETTO – Intolerância, como friso no livro Reinventar a vida (Editora Vozes), é a incapacidade de enxergar o outro, acatar a sua opinião, entender que todo ponto de vista é a vista a partir de um ponto. Alimentam-na a arrogância, a convicção de que se é dono da verdade, o fundamentalismo, o egocentrismo.

No artigo “Arte da tolerância”, o senhor diz que a mais repugnante das intolerâncias é a religiosa. Por quê?

FREI BETTO – Porque Deus não tem religião. E transcende todas as doutrinas religiosas. Religião deriva do verbo “re-ligar”, religar-se a si mesmo, ao próximo, à natureza e a Deus. Portanto, nada mais contraditório do que, em nome de minha fé, querer me impor aos demais, pois a fé, em princípio, induz ao amor, irmão siamês da tolerância.

Todo ato de intolerância é uma atitude de desamor. O amor, como diz o apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, “é paciente e prestativo, não é invejoso nem ostenta, não se incha de orgulho e nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita nem guarda rancor. Não se alegra com a injustiça e se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.

O nível de intolerância religiosa no Brasil tem melhorado nos últimos anos?

FREI BETTO – Sim, porque já se pratica o ecumenismo, entre as Igrejas cristãs, e o diálogo inter-religioso. Católicos já não perseguem protestantes nem discriminam espíritas. Crentes não segregam ateus. Judeus e muçulmanos convivem tão bem no Brasil que isso provoca espanto no exterior. No entanto, ainda há muita intolerância a ser erradicada.

O senhor enxerga o crescimento do poder das Igrejas neopentecostais como mais um fator que alimenta a intolerância, especialmente a religiosa, ou esses grupos também são vítimas de preconceito?

FREI BETTO – Fujo do preconceito contra as Igrejas neopentecostais. Há tolerância e intolerância no interior de todas as instituições religiosas. A Igreja Católica, por exemplo, no auge de sua intolerância criou a Inquisição.

O problema é que, como assinala La Boétie em seu clássico Discurso sobre a servidão voluntária, muitas pessoas abdicam de sua autonomia e preferem ser conduzidas como cadelas na coleira... Abrigam-se à sombra de um pastor, um padre, um político, um líder, e se submetem à sua vontade como um devoto ao oráculo divino... E muitas religiões exploram esse lado vulnerável do ser humano tão bem analisado por Freud.

Para além da intolerância entre as religiões, existe a intolerância de religiosos com relação a determinadas práticas e grupos, especialmente, hoje em dia, contra os homossexuais. Qual é sua avaliação sobre isso?

FREI BETTO – A Igreja Católica, à qual me vinculo, ainda é oficialmente intolerante em relação às mulheres, embora sejam elas, entre os católicos, as principais apóstolas da fé cristã. Considera a mulher ontologicamente inferior ao homem, o que impede que possam ser sacerdotes.

Felizmente o papa Francisco, exemplo de tolerância, se empenha em mudar essa postura da instituição. Ao longo da história, houve intolerância de todo tipo: dos libertos contra os escravos, dos ricos contra os pobres, dos nazistas contra os judeus, dos judeus contra os palestinos islâmicos, dos brancos contra os negros etc.

Todo preconceito reforça a intolerância e provoca a discriminação. Hoje em dia isso é evidente em muitos países ricos em relação aos muçulmanos, considerados potenciais terroristas; em homofóbicos, em relação aos homossexuais; em policiais, em relação a negros pobres etc. Na Igreja Católica, o papa Francisco se esforça para erradicar o preconceito contra a homossexualidade, que já não é considerada doença nem desvio. Falta ainda dar o passo principal: aceitar que, se Deus é amor, toda relação amorosa é uma experiência de Deus.

Com as redes sociais e a possibilidade de comentar o conteúdo jornalístico na internet, as manifestações de intolerância ganharam maior visibilidade. Isso passa do mundo virtual para o real ou fica confinado nesses espaços?

FREI BETTO – As redes sociais apenas quebram as paredes da intimidade e revelam as pessoas como elas são de fato. Houve uma inversão do processo: o delito de invasão de privacidade cedeu lugar ao cinismo da hiperexposição, da evasão de privacidade. As pessoas se expõem com seus preconceitos, taras, neuras e loucuras. É o mundo real que apenas usa a virtualidade para reforçar a realidade tal como ela é. Isso demonstra que temos um longo caminho a percorrer para criar um projeto civilizatório livre de preconceitos e discriminações, em suma, de intolerâncias.

Na medida em que a crise econômica reduz as oportunidades e deprime a qualidade de vida, a intolerância tende a inflar?

FREI BETTO – Não é a crise econômica que reforça a intolerância, é a cultura consumista propagada pelo neoliberalismo que, ao declarar que “a história acabou”, procura confinar todos nós em um presente cíclico sem perspectiva histórica e horizonte utópico.

A meu ver, o principal problema filosófico da pós-modernidade, que trato em A mosca azul (Rocco), é a desistorização do tempo produzida pelo neoliberalismo, o que explica por que o debate político desce sempre mais do racional para o emocional. Isso reforça a intolerância, que subverte a lógica e anula o bom senso.

O Congresso atual é apontado por muitos especialistas como o mais conservador desde a redemocratização. Isso é expressão de um aumento da intolerância ou é apenas reflexo de distorções do sistema político brasileiro?

FREI BETTO – Fico com a segunda hipótese. Nosso sistema político, malgrado a Constituição de 1988, ainda é muito tributário do longo período de ditadura militar. E não acredito em reforma política positiva com o atual Congresso. Daí a importância de uma assembleia soberana e exclusiva para a reforma política.

As manifestações de insatisfação em relação ao governo federal e ao PT frequentemente ultrapassam a barreira do ódio. Como o senhor analisa esse fenômeno?

FREI BETTO – O PT, embora tenha sido o melhor governo de nossa história republicana, sobretudo ao promover a inclusão econômica de amplos setores pobres da população brasileira, cometeu o erro de não promover também a inclusão política. Agora paga a sua grave omissão. E ao abraçar um projeto neodesenvolvimentista, de estímulo ao consumo de bens pessoais (linha branca, celular, carro etc.), sem a contrapartida dos bens sociais (saúde, educação, moradia, transporte coletivo etc.), fomentou uma cultura consumista neoliberal que, diante do ajuste fiscal, o qual castiga apenas os mais pobres, agora se volta contra o governo. Fora dos movimentos sociais, o PT não tem salvação.

Por fim, quais são os caminhos para fomentar a tolerância na sociedade?

FREI BETTO – Educação, educação, educação, incluindo nos currículos ética e espiritualidade (não confundir com religião, conforme distingo em meu livro O que a vida me ensinou, Editora Saraiva). E uma legislação severamente punitiva para quem pratica a intolerância lesiva ao próximo e à coletividade. A lei tem de ser intolerante com os intolerantes. Não vejo outro caminho

* Luís Brasilino é jornalista e editor do Le Monde Diplomatique Brasil.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 8 – Número 95 – Junho 2015 – Pg. 9 – Internet: clique aqui.

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