«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

FALTA TRANQUILIDADE PARA PENSAR, VIVEMOS NO TEMPO DA ANSIEDADE!

Ansiedade sem aplicativo

Oswaldo Giacoia Junior*

Para filósofo, pseudo urgência das coisas suprimiu o tempo do pensar.
"A civilização barbarizou-se, por falta de tranquilidade" 
A mil:
Tudo deve ser urgente, pra já!
O muito falar, a tagarelice e necessidade imperiosa de dizer algo é manifestação
da indigência (pobreza) de nossas mentes!
Nosso rumor impede-nos de encontrarmos conosco mesmos.
O ritmo da modernidade é marcado pela intensificação da agitação em escala global, do ativismo e do falatório, característicos do estilo de vida em sociedades tecnologicamente desenvolvidas. Nossa cadência é determinada pela velocidade operante nos circuitos informativos e comunicacionais nos quais estamos enredados. Como disse o filósofo Adauto Novaes, somos uma civilização de falastrões, que se obstina em Facebooks, celulares, conversas virtuais, tuítes (escritos na cadência da fala; ao contrário de Macunaíma, já não temos mais que aprender o português escrito e o português falado).
Nunca se falou e escreveu tanto, multiplicando-se a injunção à bavardage [tagarelice, falatório, conversa fútil] pelos meios e canais mais diversos, acelerando vertiginosamente a temporalidade e proliferando espaços imateriais de fala e escrita conectados em redes sociais de amplíssimo alcance. O WhatsApp, em especial, tornou-se mania, uma irresistível solicitação que nos mantém permanentemente online, fazendo desaparecer nossas horas de estudo e contemplação, alterando nossas noções de urgência e emergência.

O filósofo Friedrich Nietzsche ajuda-nos a refletir sobre essa compulsão à velocidade comunicacional e ao formigamento dos discursos vazios em dimensão planetária. Para uma percepção refinada e extemporânea como a de Nietzsche, essa curiosidade generalizada, esse anseio pela novidade, que torna tudo imperiosamente urgente, é um sintoma de:
  • corrupção do gosto e embotamento de corações e mentes,
  • indício de uma ausência de pensamento,
  • em que só há percepção para o elemento quantitativo,
  • para a maximização de performances,
  • numa alucinada e constante busca de satisfações imediatas.


Em seu tempo, Nietzsche já discernira esse traço como um ingrediente do american way of life [estilo americano de vida]: «Há uma selvageria pele vermelha, própria do sangue indígena, no modo como os americanos buscam o outro. E a asfixiante pressa com que trabalham - o vício peculiar ao Novo Mundo - já contamina a velha Europa, tornando-a selvagem e sobre ela espalhando uma singular ausência de espírito. As pessoas já se envergonham do descanso. A reflexão demorada quase produz remorso. Pensam com o relógio na mão enquanto almoçam, tendo os olhos voltados para os boletins da bolsa. Vivem como alguém que a todo instante poderia “perder algo”. “Melhor fazer qualquer coisa do que nada”. Esse princípio é também uma corda, boa para liquidar toda cultura e gosto superior».

Parar para pensar sobre isso é, paradoxalmente, uma tarefa urgente, na medida em que a palavra urgência nos convoca para uma retomada do sentido autêntico de necessidade. A racionalidade instrumental embutida nessas formas de comunicação e vida equaciona, em sua lógica estreitamente binária, urgência e pressa, açodamento e procura reiterativa por opções de consumo e prazer. É necessário resgatar a memória daquilo que a nossa linguagem pensa com a palavra urgentia. Seu etmo [vocábulo do qual se origina outra palavra] em urgeo/urgere significa originariamente operar, trabalhar. Trata-se, pois, de um encargo, não de um conforto. É uma tarefa do pensamento que, fiel à sua origem, não se distingue da ação. Nada parecido com o ativismo frenético e o falatório vão. Fazer a experiência da urgência significa entrar em correspondência com aquilo que urge, com a necessidade constringente, que pressiona, comprime, faz um cerco, onera, sobrecarrega, mas também impele, impulsiona, convoca. Essa força é também o compromisso com o dar-se tempo para pensar a respeito da condição do homem no mundo, portanto, do compromisso com sua liberdade e sua dignidade ensombrecidas.

Como, porém, recuperar essa concepção de necessidade quando somos concitados [instigados, estimulados] a modificar tecnologicamente até mesmo aquilo que outrora reconhecíamos como elementarmente necessário, como o sono? Experimentos avançados são feitos no sentido de diminuir drasticamente sua necessidade, com o propósito de manter ativos, ocupados e rentáveis, na maior parte do tempo possível, indivíduos e grupos que podem desempenhar funções socialmente valorizadas. O exemplo mais eloquente são tentativas de limitar a necessidade de sono para adestrar soldados capazes de permanecer em vigília por dias seguidos, sem necessidade do repouso do sono. Eles seriam aptos a combater durante a noite. Assim se extrairia o máximo rendimento e utilidade de sua atuação. Nessa linha, nada impede que, além de soldados programados para guerrear como máquinas, venhamos a produzir também consumidores capazes de manter-se em ação 24 horas por dia, durante a maior parte dos 365 dias do ano.
OSWALDO GIACOIA JUNIOR
Professor de Filosofia na UNICAMP
Autor deste artigo

Na persecução desse objetivo aliam-se as engenharias de ponta - nos domínios da informática - com pesquisas sobre inteligência artificial, neurofisiologia e psicologia experimental, genética, ciências do comportamento e cognição, nanotecnologia. Busca-se reconfigurar a consciência para que ela ultrapasse seu natural atrelamento aos cinco sentidos e se conecte a redes neurais, ligando o sistema neurológico a redes computacionais, a bancos de registro e processamento de informações. Não tem sentido demonizar essas mudanças e as conquistas da racionalidade tecnocientífica, como se fossem portadoras do infortúnio. O problema reside em nossa atitude face a elas.

Hoje a regra é dada pela ansiedade, que assume proporções exponenciais, a ponto de uma cultura não poder mais amadurecer seus frutos por excesso de rapidez no fluxo do tempo. A civilização barbarizou-se, por falta de tranquilidade. Nunca homens e mulheres ativos, isto é, intranquilos e permanentemente excitados, valeram tanto. Entretanto, no fundo da alma do homem hiperativo disfarça-se a indolência, sempre à cata de novas distrações, uma resignação que o impede de entrar em contato consigo mesmo e com os outros. O primado do rentável e do útil, imposto a qualquer custo, exige uma equação cerrada entre operação e utilização integral do tempo. A rapidez das operações foi transformada em imperativo categórico, que suprime o «tempo de pensar». Nossa loquacidade [verborreia, facilidade para falar] é signo de indigência mental.

Essa barbárie civilizada denuncia-se na relação da arte com a vida moderna. A esterilidade que nos assola manifesta-se na relação inautêntica, consumista com as obras de arte, cuja fruição exige, antes de tudo, repouso, sossego e paz no corpo e na alma. «Nós temos a consciência de uma época laboriosa. Isso não nos permite dedicar à arte as melhores horas e manhãs, ainda que essa arte seja a maior e mais digna», afirma Nietzche. «Para nós ela faz parte do ócio, da recreação. Damos-lhe o resto de nosso tempo, de nossas forças. Esse é o fato mais geral que alterou a posição da arte diante da vida: ao fazer grandes exigências de tempo e energia aos seus receptores, ela tem contra si a consciência dos laboriosos e capazes.» A agitação verborrágica, no entanto, não é sequer ocupação. Considerada em sua verdade, é apenas dissipação denegada, um fazer de conta.

Esse diagnóstico cultural inclui também uma apreciação afirmativa do ócio criativo, uma chamada de atenção para a necessidade do inútil em estrita oposição à incontinência do entretenimento verborrágico, sempre ocupada e curiosa. «Há algo de nobre no ócio e no lazer. Se o ócio é realmente o começo de todos os vícios, então ao menos está bem próximo de todas as virtudes; o ocioso é sempre um homem melhor do que o ativo. Mas não pensem que, ao falar de ócio e lazer, estou me referindo a vocês, preguiçosos», continua Nietzsche.

O filósofo não se dirige aos apressados, mas aos que sabem e podem calar sem ser assolados pelo tédio. Só é capaz de silêncio quem pode falar, quem tem linguagem. Quem nunca diz nada, assim como quem nada tem a dizer, também não pode guardar silêncio. Ao silenciar, permanecemos reticentes, porque nos guardamos para dizer algo, algo que temos a dizer, e que consideramos ter significação e importância. Essa é a lição que colhemos em João Guimarães Rosa, que sabia de si. “Ser dono definitivo de mim, era o que eu queria, queria. Existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem -, mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. A gente quer se afastar de si próprio... pra isso é que o muito se fala. O senhor sabe o que é o silêncio? É a gente mesmo, demais...”.

* Oswaldo Giacoia Junior é filósofo, professor titular da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas – SP) e autor, entre outros, de Nietzsche: o humano entre a memória e a promessa (Ed. Vozes).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 28 de junho de 2015 – Pg. E2 – Internet: clique aqui.

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