«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O QUE VAI ACONTECER COM NOSSA ECONOMIA?

Flertando com o abismo

Entrevista com Luis Stuhlberger

Malu Gaspar e Giuliano Guandalini

Para um dos mais bem-sucedidos financistas do Brasil,
o modelo baseado em governo grande e alta do consumo chegou ao limite.
O risco, agora, é amargarmos uma nova década perdida
Luis Stuhlberger - financista brasileiro

Em um país instável como o Brasil, é um grande desafio saber defender o poder de compra e multiplicar o valor das aplicações financeiras. Nesse campo, o gestor de investimentos Luis Stuhlberger é um craque cuja fama correu o mundo.

Nas duas últimas décadas, poucos ganharam tanto dinheiro para seus clientes. Mais raros ainda são os que tiveram a ousadia de fazer apostas como aquela em que ele antecipou a desvalorização do real, em 1999, lucrando 63% em um único mês.

Desde 1997, seu principal fundo, o Verde, que administra 22 bilhões de reais, já se valorizou mais de 10.000%. No mesmo período, o CDI rendeu 1.370%. Tais resultados dão a esse paulistano de 60 anos autoridade para desafiar os consensos do mercado e produzir algumas das mais certeiras análises econômicas.

Há cinco anos ele alerta para o esgotamento do modelo baseado em governo grande e financiamento ao consumo. Agora, radicalizou a previsão. Diz que o sistema entrou em colapso – o que vem pela frente é uma possível nova década perdida para a economia.

Eis a entrevista.

O Congresso concluiu a votação do pacote de ajustes das contas públicas. Os cortes serão suficientes para equilibrar o orçamento?

Luis Stuhlberger: Certamente não. As alterações que o Congresso fez preservaram menos da metade do que havia sido proposto pelo governo. No final, o ajuste terá pouquíssimos cortes reais, como os que foram feitos no seguro-desemprego, em abonos e nas aposentadorias. Não chegará a 10 bilhões de reais por ano. É muito pouco, de qualquer ângulo que se olhe. É apenas uma fração do que o governo diz que precisa reduzir, e uma parte minúscula dos 2 trilhões que os estados, municípios e a União gastam todo ano.

Quer dizer que o ajuste já está condenado ao fracasso?

L.S.: A verdade é que esse ajuste não interessa ao Congresso. Os deputados e senadores sabem que a situação é crítica, mas não querem arcar com o desgaste do corte. É como me disse um peemedebista outro dia, num evento para investidores: “O.k., vamos votar, porque a gente também não quer que o país caia no abismo. Mas vamos defender o aposentado e o trabalhador. O ônus a gente deixa para o PT”. A ideia é essa, tirar proveito da coisa para enfraquecer o governo. Assim, o Congresso produz não um ajuste, mas um desajuste fiscal. Por um lado aceitou cortar 10 bilhões de reais ao ano e por outro tirou 30 bilhões só em mudanças no fator previdenciário. Só que o governo terá de reagir da forma que sabe – e aí é que está o problema.

Por que o senhor diz isso?

L.S.: Porque o que vai acontecer é o que ocorre no Brasil desde a Constituição de 1988: aumentos de impostos. Posso garantir que haverá alta não só neste ano, mas também no próximo, no próximo e no próximo.

Foi essa a razão do recente mau humor do mercado, depois de um período de alívio nas bolsas?

L.S.: Para responder a essa pergunta, é preciso entender como o investidor pensa. De março para cá, houve um cenário favorável aos emergentes, com recuperação dos preços do petróleo e do minério de ferro. Mas houve, também, um fenômeno especial: um dia, os investidores acordaram e se deram conta de que o PT nunca mais será o mesmo. Perceberam que o modelo econômico está fragilizado, e o poder, dividido. Parte está nas mãos de Dilma, outra parte, com Lula, outra com o Joaquim Levy, e uma quarta fatia, ainda, com os caciques do PMDB. Pela primeira vez na democracia, o Congresso, e não o Planalto, passou a ditar a agenda. Para quem se sujeitou por tantos anos ao PT, de repente pareceu um bom negócio. Parafraseando a música do R.E.M., uma das minhas bandas preferidas, o investidor acordou e pensou: “It’s the end of PT as we know it – and I feel fine!” (Este é o fim do PT como o conhecemos – e eu me sinto bem!). Todo mundo saiu comprando real, as ações da Petrobras subiram e o risco país caiu.

Por que o movimento se inverteu e o dólar voltou a subir?

L.S.: Porque o pessoal percebeu que surgiu um buraco negro, um vácuo político em que predominam interesses imediatos e paroquiais. Enquanto parte do PT joga pôquer com o Levy, os outros partidos querem desgastar os petistas, para conquistar novos nacos de poder e faturar mais prefeituras em 2016. Está todo mundo dormindo com o inimigo – e o país fica refém desses jogos. Depois da euforia inicial de saber que 2018 será outro mundo, o investidor está se dando conta de que, primeiro, é preciso sobreviver até lá.

Sua visão sobre o Brasil sempre foi mais pessimista que a da média dos analistas. Por isso, neste breve momento de alta, o seu fundo teve um desempenho ruim. Isso o fez mudar de opinião?

L.S.: Sofri muito, porque esperava um dólar mais alto. Mas os gestores que vivem de pensar nas grandes tendências de longo prazo estão sujeitos a essas oscilações. Com uma responsabilidade grande como a nossa, de cuidar do dinheiro dos outros, temos a obrigação de nos perguntar todo dia se estamos, afinal, na direção certa. Faço isso sempre – especialmente quando o mercado vai contra mim, como foi por 45 dias. Eu me perguntei inúmeras vezes se estava errado.

E o que concluiu?

L.S.: Que estou certo, e tais oscilações são meros ruídos. O importante é manter o foco no que venho antecipando desde 2010, quando disse que a economia brasileira funcionava num esquema que chamei de moto-contínuo tropical. Disse que esse era um modelo condenado ao fracasso e que em algum momento se esgotaria.

O que é exatamente esse moto-contínuo tropical?

L.S.: É o círculo vicioso que infla cada vez mais o governo para financiar o consumo, estrangulando o setor privado. Não é apenas um modelo do PT porque surgiu em 1988 e alçou voo com o sucesso do Plano Real. Desde 1989, o tamanho do governo aumentou 15 pontos porcentuais do PIB [Produto Interno Bruto]. Nenhum outro país do mundo fez isso. Mas, em vez de aproveitarem o ciclo favorável para fomentar um crescimento equânime, investindo em educação, saúde e infraestrutura, os governos optaram por colocar dinheiro direto na conta das pessoas. Hoje, quase 90 milhões de brasileiros recebem cheques do governo – 78 milhões são beneficiários de programas sociais e mais 10 milhões de funcionários públicos. Nos primeiros dez, quinze anos, o empresariado adorou, porque toda essa gente passou a comprar seus produtos. Era como dizia o Lula: “Eles ficaram ricos comigo”.

Por que esse modelo se esgotou?

L.S.: Ficou difícil sustentá-lo só com a arrecadação dos impostos tradicionais, e por isso foram sendo criados tributos sobre o consumo. Não estamos falando de taxar o lucro ou recolher para a Previdência, mas sim de pagar imposto antes mesmo de produzir qualquer riqueza. Para completar, com tanta gente pendurada no governo, falta mão de obra para o setor privado e os salários sobem.
As margens de lucro se achatam e as empresas começam a morrer. Destrói-se, assim, o que mais teria de ser protegido: o espírito animal de 5%, 10% dos brasileiros, que querem empreender e sustentam todo o resto. É um erro crasso. Se eles morrerem, não vai sobrar ninguém para pagar a conta. Chegamos ao momento em que a vitima não é mais o trabalhador ou o desassistido, e sim o empreendedor. Essa é hoje a questão fundamental, mas ninguém está disposto a lidar com a verdade inconveniente.

Como o empresariado pode sobreviver?

L.S.: Reduzindo os investimentos, diminuindo as horas trabalhadas, demitindo funcionários, atrasando o pagamento de impostos. Alguns quebram. E o mais nefasto disso tudo é que, sem investimentos, quando o Brasil voltar a crescer, o desequilíbrio entre a demanda e a oferta será ainda mais profundo, e a inflação voltará ainda mais forte. Mas o Congresso e o Executivo ainda estão em estado de negação. Se tudo o mais falhar, eles acham que se pode aumentar mais ainda os impostos.

A política recente de intensificar a intervenção do Estado na economia é a causa do fiasco?

L.S.: Não dá para colocar toda a culpa nessa estratégia, chamada pelo ex-ministro Guido Mantega de “nova matriz econômica”. O modelo ruiria de qualquer maneira, cedo ou tarde. Essa política foi uma reação desesperada e atabalhoada da Dilma, no primeiro mandato, para dar sobrevida ao crescimento da era Lula. Baixou os juros mais do que devia, não deixou o real desvalorizar, segurou tarifas e preços dos combustíveis. E, por fim, usou a última ferramenta que restava: distribuir crédito via bancos públicos. Agora, simplesmente acabou o dinheiro. Estamos flertando com o abismo.

O Brasil pode quebrar novamente?

L.S.: Acredito que não como no passado, mas vamos viver um equilíbrio vicioso, e não virtuoso. O cenário virtuoso seria o aumento da produtividade, com reformas e inflação baixa. Mas como não existe nem debate, nem liderança, nem espírito patriótico para fazer esse tipo de reforma, só resta fazer remendos. Enquanto isso, a economia vai sendo sucateada, como um transatlântico afundando lentamente. Só não é pior porque o colchão social é enorme.

Alguns falam em um respiro na economia já em 2016. O senhor acredita?

L.S.: Não. Desde o semestre passado, entramos com força em um período de baixo crescimento, que não chegará ao fim em 2016, nem em 2017 e talvez nem mesmo em 2018. Estamos apenas começando a atravessar o deserto. Não descarto vivermos uma nova década perdida.

Há alguma forma mais rápida de incentivar a retomada?

L.S.: A única chance é atrair investimento estrangeiro, porque não existe dinheiro no Brasil. Tenho certeza de que, depois que acabarem as votações no Congresso, a agenda será vender o que puder e montar pacotes de concessões. A Lava-Jato pode até favorecer a entrada de investidores internacionais, já que a grande restrição a esses capitais hoje é das barreiras não formais, as ligações viciosas entre os políticos e as empreiteiras, nem setor profundamente cartelizado.

A sua reputação é de saber ganhar dinheiro com as crises. Como se faz isso?

L.S.: Não é muito simples de explicar, mas um pilar básico é aplicar em segmentos que serão importantes não por dias ou por meses, mas por anos. Tenho parte do capital em ações no exterior, alguma coisa em petróleo, ienes, títulos da Alemanha. No Brasil, firmei posições em dólares. Acerto muito, mas sofro todo dia. Afinal, conquistei uma credibilidade que até me permite errar de vez em quando, mas não por muito tempo. Isso porque o consenso do mercado está quase sempre correto. Ganha mais quem consegue identificar a hora de remar contra a corrente consensual.

No ano passado, seu fundo teve uma rentabilidade abaixo da média do mercado. Onde o senhor errou?

L.S.: Todo ano de eleição apertada é um sufoco. Nessa última, surgiu um cisne negro, um imprevisto absurdo, que foi a morte do Eduardo Campos. A eleição não teria tido a emoção que teve se não fosse isso. No fundo, estava certa a minha suposição de que o dólar subiria com Dilma ou com Aécio. O que eu poderia ter antecipado foi que a presidente seguraria o dólar para ganhar a eleição. Apesar disso, mantivemos nossa aposta e estamos ganhando muito em 2015.

O senhor já disse que o mercado brasileiro é dominado por tubarões. Acha que não é lugar para os pequenos?

L.S.: Se estivermos falando de investimentos em ações, até pode ser, porque existe alguma regulação e são aplicadas punições para o competidor desleal. Mas, no mercado de câmbio, inflação e juros, é terra sem lei. Nesse mercado, até eu evito investir no curto prazo.

O senhor recomendaria comprar ações da Petrobras?

L.S.: Não. Um dos meus princípios é fugir de estatais. Por uma questão básica: elas não visam ao lucro. Por que vou investir em uma empresa cujo objetivo é servir o Estado? Eu até aceito perder dinheiro quando tomo decisões baseadas em princípios corretos. Já perder investindo na Argentina, na Rússia ou na Petrobras me traria um desgosto muito grande.


Fonte: VEJA – Edição 2429 – Ano 48 – nº 23 – 10 de junho de 2015 – Pgs. 15, 18-19. Edição impressa.

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