«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

POBRE EDUCAÇÃO POBRE

José de Souza Martins*

Desvalorização da docência e burocratização da escola
comprometem o que devia ser o eixo da sociedade moderna
Professores da Rede Pública de Ensino do Estado de S. Paulo estão há mais de 80 dias em greve

Não é um triunfo da escola pública nem da luta por educação pública, laica e gratuita, objetiva e neutra, democraticamente acessível a todos, que o movimento paredista dos professores de São Paulo tenha superado a marca de mais de 82 dias de paralisação, a mais longa greve da entidade que os congrega desde 1945. A reivindicação de salários corretos pelos educadores de São Paulo, e de outros Estados em que a paralisação ocorre, é justíssima, ao menos onde o correto está proposto. Não tenho certeza, porém, de que sejam justíssimos a forma e o modo como a reivindicação é apresentada aos governantes, ao público e, sobretudo, aos alunos e suas famílias. No limite, a greve transforma o aluno de sujeito em ser adjetivo da educação. É uma das contradições desta sociedade. As contradições existem como desafios para a superação dos conflitos, e não para a sua institucionalização. Existem para quem reivindica e também para aquele a quem a reivindicação é dirigida. O gás de pimenta, como tem acontecido em vários Estados, não condimenta a paz social nem aplaina o caminho para a mesa de negociação. Do mesmo modo, emparedar os governantes com reivindicações inegociáveis não sugere a intenção de superar o conflito. Falta política na política, de ambos os lados.

A transformação do professor em caixeiro viajante do ensino para o ganho do que carece para viver como professor, e não ser reduzido a proletário da educação, nega aí o essencial do magistério. A missão civilizadora da educação só é possível na concepção da escola como comunidade de ensino e aprendizado que une em torno da causa comum professores, alunos, pais de alunos e a própria sociedade abrangente. A escola do docente enraizado, e não a do docente itinerante. Além do que não é o sindicato que deve dizer e definir o que a educação deve ser. Há aí o risco de deslocar a missão da escola para os valores do confronto empregatício e para o materialismo das disputas meramente econômicas.

Não há edificação do espírito se o que um professor ganha é insuficiente para o que o decoro recomenda como indispensável à sua apresentação pessoal e profissional, não só a casa, a mesa e o traje, mas também o tempo livre para a poesia e a arte, o tempo para ouvir e aprender. Senão, quem educará o educador? Um professor pobre não é mais do que um pobre professor. Do mesmo modo que um aluno carente da continuidade e persistência do ensino apenas aumenta o elenco dos pobres de espírito, mesmo que a quantofrenia pedagógica neoliberal dos que tudo justificam pelas quantidades diga que haverá reposição de aulas. A greve é também neoliberal quando vai por aí. O da greve é um tempo a menos, um abatimento na biografia dos que são privados do ensino a que têm direito na hora devida.
Prof. Dr. José de Souza Martins
Sociólogo - FFLCH/USP

A adoção do modelo da greve operária nas lutas sociais, em setores que estão fora do sistema produtivo e da luta de classes, transplanta uma forma de luta por reivindicações, mesmo justas, que ficam comprometidas desde o início do movimento porque não incidem diretamente sobre a reprodução do capital. Tornam-se inócuas, como se vê nas greves descabidamente demoradas em setores como o da educação pública. A demora é indício da impropriedade. Na fábrica, a greve dá concretos prejuízos à empresa desde o primeiro minuto, o que força a outra parte a negociar ou, até, a antecipar a negociação, como tem sido frequente. O patrão do setor produtivo sabe quanto está perdendo a cada minuto. Seu capital fica paralisado. Perde porque deixa de ganhar.

Fora do sistema produtivo, é o oposto, a greve não prejudica o “patrão”. A reprodução da ordem burocrática não é comprometida. A escola não é uma fábrica. O prejuízo recai sobre a massa dos dependentes daquele serviço, os não chamados a ter presença no litígio. Prejudica a sociedade, que não tem motivos para se mover em favor dos grevistas, como nos mostram as cartas aos jornais e as mensagens da internet. A agonia das greves de professores até hoje não lhes ensinou que deveriam estar em busca de outra forma, mais eficaz, de reivindicação, no marco da civilização, e não no marco da produção. Ao mesmo tempo, os governos têm tratado os professores do ensino público com um desdém que compromete a educação e que evidencia o quanto ela deixou de ser considerada um fator positivo de desenvolvimento social. A desvalorização da docência e a minimização da escola, hoje transformada em abrigo da mentalidade e do comportamento burocráticos inócuos, compromete o presente e o futuro da sociedade em todos os sentidos. Nessa decadência, crianças e jovens não são convidados a participar de um projeto de nação, privados da alegria de aprender para viver e viver para o outro, a alteridade faltante na greve. A greve anômica, no fim das contas, apenas acelera os danos sociais de uma omissão comprometedora de todos com aquilo que na sociedade moderna deveria ser o eixo e o instrumento, o abrigo, o lugar do sonho, do que justifica nela viver para dela ser.

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor, entre outros, de A política do Brasil lúmpen e místico (Editora Contexto).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 7 de junho de 2015 – Pg. E5 – Internet: clique aqui.

Professor precisa aprender a ensinar

Lourival Sant'Anna, Marília Assunção e Bruno Tadeu

Programas de supervisão tentam complementar formação de profissionais que saem das universidades sem conhecimento prático
 
Patrícia Mota Guedes
Gerente de Educação da
"Fundação Itáu Social"
Em 2011, Goiás ocupava a quinta posição no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que combina taxa de aprovação e média de desempenho em provas de Português e Matemática. Naquele ano, foi introduzido na rede estadual, em convênio com a Fundação Itaú Social, um programa de tutoria pedagógica, pelo qual um profissional experiente, com pós-graduação, aprovado em processo seletivo da Secretaria da Educação, supervisiona o trabalho de coordenadores e diretores. No ano passado, o ensino médio subiu para o primeiro lugar no Ideb, e o fundamental, para o terceiro.

Prevista no Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, do Ministério da Educação (MEC), a tutoria tem sido introduzida também em São Paulo, Ceará e Pará, além de algumas redes municipais. Em Manaus, cerca de cem novos professores - de um total de 2 mil - que estão entrando na rede municipal neste ano também terão supervisores na sala de aula, durante seu estágio probatório, que dura três anos.

A tutoria pedagógica parte de uma constatação simples: os formandos de Pedagogia saem com algum conhecimento teórico sobre educação, e os dos cursos de licenciatura, sobre o conteúdo de suas disciplinas, mas não sabem ensinar. O mesmo acontece com gestores de escolas - professores que sobem na carreira e assumem cargos de diretores e coordenadores sem experiência nem treinamento.

Longe da escola

Quando se fala em reciclagem ou em capacitação de professores e gestores, no Brasil, pensa-se em cursos teóricos distantes da realidade da sala de aula. "Temos tradição muito grande de formação continuada em cursos fora da escola, em reuniões e oficinas, cursos online", diz Patrícia Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social. "O profissional pode até ganhar informação, mas há dificuldade de como desdobrar na prática."

Patrícia conta que, em pesquisa conduzida pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, os professores disseram coisas do tipo: "Passo por um curso fantástico sobre como estimular leitura. Depois, volto para minhas turmas e tenho dificuldades para planejar minhas aulas. Quem me ajuda a me olhar, a me dar feedback sobre como estou fazendo, a lidar com dificuldades?" Segundo a especialista, isso vale também para o diretor da escola. "Se não tem ajuda para pôr em prática na escola, ele desiste."

"Professor é profissão, precisa de formação profissional", explica o físico Luís Carlos Menezes, consultor da Unesco e membro do Conselho Estadual de Educação (CEE) e do Conselho Técnico Científico da Capes/MEC para Educação Básica.
Luís Carlos Menezes
Consultor da UNESCO - Membro do Conselho Estadual de Educação
e do Conselho Técnico Científico da Capes/MEC
Professor da USP

Outra analogia frequente é com a formação do médico, que coloca seus conhecimentos em prática, sob supervisão, nas residências dos hospitais, antes de obter a licença para trabalhar. Guiomar Namo de Mello, também integrante do CEE e consultora da Fundação Lemann, observa que esse tipo de residência, já adotado na Europa, está sendo introduzido também nos Estados Unidos.

Menezes propõe que, assim como os hospitais universitários, ligados aos cursos de Medicina, sejam credenciadas escolas de referência, onde os estudantes de Pedagogia e licenciatura ensinem sob supervisão de professores experientes e reconhecidos por sua capacidade. Tanto os supervisores quanto os estagiários seriam remunerados. "Os formadores transmitiriam sua experiência e seriam multiplicadores. Isso criaria uma carreira, premiando os melhores", diz o especialista. "Melhorariam seu salário sem ter necessariamente de se tornar gestores."

De acordo com Guiomar, o CEE está impondo que os estágios dos professores na rede estadual de São Paulo incluam a "regência", ou seja, eles devem dar aulas, em vez de ficar apenas assistindo. O MEC criou há dois anos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), que concede 70 mil bolsas no valor de R$ 350 aos alunos de licenciatura.

Os especialistas elogiam a iniciativa, mas acham que a prática supervisionada deveria ser obrigatória. "No concurso público, tampouco há uma prova didática", critica Claudia Costin, diretora de Educação Global do Banco Mundial. "Para ser professor em universidade, tem prova didática. Para dar aula para criança, que é extremamente difícil, não tem. Fazem perguntas sobre teóricos e sobre a Lei de Diretrizes e Bases."

Resistência
 
Maria Helena Guimarães de Castro
Diretora-Executiva da "Fundação Seade"
Ex-Secretária-Executiva do MEC
"A Finlândia enfrentou esse problema há cerca de 50 anos", lembra Claudia. "Um dos componentes importantes da reforma foi dar um caráter mais profissionalizante à formação dos professores na universidade. Tiveram de enfrentar briga feia na universidade, que se sentiu desqualificada, e aumentar o rigor na seleção dos professores. Temia-se que não houvesse candidatos suficientes a professor para cada sala de aula. Ao contrário, a profissão passou a ser socialmente mais valorizada."

No Brasil também as universidades públicas resistem a mudanças na formação dos professores. "Para a universidade, dá trabalho e não dá camisa", explica Menezes, professor da Universidade de São Paulo (USP). "O que dá camisa é pesquisa e pós-graduação, é publicar em revistas referenciadas. Graduação pesa pouco e formação de professor é sub, subprioridade. O MEC precisaria pensar a universidade pública como espaço de formação de excelência de professor, mas ela não é avaliada por isso."

"As faculdades de formação inicial estão muito distantes da rede pública", diz Maria Helena Guimarães de Castro, diretora executiva da Fundação Seade e ex-secretária executiva do MEC. "Meu sonho de consumo é o sistema canadense. Em algumas províncias, é preciso ter ao menos cinco anos de experiência na rede pública para se candidatar a professor de universidade", afirma.

As faculdades particulares também não têm ligação com as escolas - e a maioria sofre de má qualidade. "Não existe mecanismo que impossibilite uma faculdade que está se saindo mal de formar professores", critica Rose Neubauer, ex-secretária da Educação de São Paulo. "O País se denomina 'Pátria educadora' e não tem um projeto decente realmente impactante de formação de professores. Não adianta deixar a criança na escola oito horas em vez de cinco, se não tem professor bem formado."

Fonte: O Estado de S. Paulo – Metrópole – Domingo, 7 de junho de 2015 – Pg. A19 – Internet: clique aqui.

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