«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

CHINA: O QUE SE PASSA COM A ECONOMIA QUE MAIS CRESCE NO MUNDO?

Entrevista com Evan Osnos*

Cláudia Trevisan

Para jornalista, ex-correspondente da revista “The New Yorker” em Pequim, Partido Comunista da China precisa aprender a lidar com sociedade atual, mais pluralista e diversa
EVAN OSNOS
Jornalista norte-americano especializado em China
Quase quatro décadas depois de iniciar reformas econômicas que revolucionaram a vida de 1,3 bilhão de habitantes, a China corre o risco de ver o seu sistema político se desconectar de uma sociedade cada vez mais pluralista e diversa, avalia o jornalista americano Evan Osnos, ex-correspondente da revista The New Yorker em Pequim. "Essa é a questão mais urgente para o PC”, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, referindo-se ao Partido Comunista da China, que poderá superar o recorde de longevidade no poder de seu irmão mais velho soviético se estiver comandando o país em 2023. Osnos narra a transição da China do coletivo “nós” para o individualista “eu” no livro A Era da Ambição – Em Busca da Riqueza, da Verdade e da Fé na Nova China, editado no Brasil pela Companhia das Letras. A seguir, trechos da entrevista, concedida em Washington, onde Osnos vive desde 2013.

O que mais o surpreendeu em sua chegada à China?

Evan Osnos: Quando cheguei, em 2005, fiquei eletrizado pela energia que havia no ar. Eu vinha do Oriente Médio, onde vivi por três anos, um lugar onde não havia aspiração, onde as pessoas não podiam imaginar os contornos de sua própria vida. A grande surpresa foi o quanto era possível e não o quanto era impossível. Com o tempo, você fica mais consciente das limitações. No curso de suas vidas, os personagens (do livro) ficam mais confinados. Em alguns casos, porque começam a ver que as limitações em oportunidades econômicas são severas se você não tem conexões nem nasce na família certa. Outros tentaram ter atuação política e encontraram limites rígidos.

O livro fala da transformação da China do coletivo “nós” para o individualista “eu”. Em um país de 1,3 bilhão de pessoas, quão drástica foi essa transformação?

Evan Osnos: Foi profunda. Normalmente falamos da China da perspectiva de grandes movimentos, como a Revolução Cultural (1966-1976) ou o nascimento do livre mercado. No entanto, para as pessoas que estão no centro disso, o drama é extraordinário. Quando os chineses começaram a deixar as fazendas e fábricas coletivas, uma das palavras que elas usaram para descrever essa experiência foi “songbang”, que significa retirar algemas. Isso é normalmente usado para prisioneiros ou animais, mas eles estavam usando a expressão para descrever a experiência de deixar esses arranjos antigos. Nos anos 70, ninguém tinha cartões de visita, porque não importava quem você era. De repente, nos 80 e 90, as pessoas começaram a competir e houve um boom no negócio de cartões de visita.

Como a vida de um chinês de 20 anos hoje se compara com a de seus pais na mesma idade?

Evan Osnos: Se você vivia na China há 40 anos, tinha uma escolha do que vestir: um traje azul. Talvez cinza. Você não escolhia com quem se casava. Na maioria dos casos, isso era arranjado por um casamenteiro, por seus pais, o líder da fábrica ou o sargento de sua unidade militar. Havia muito poucas escolhas sobre onde viver. Os jovens hoje têm uma escolha ilimitada do que comprar, assumindo que tenham algum dinheiro para gastar. Eles podem decidir com quem casar, com incrível detalhe e precisão (em sites de relacionamento).

Qual a consequência dessa mudança?

Evan Osnos: Acredito que tenha havido um impacto subjacente profundo. Se você é capaz de descrever de maneira específica o parceiro que deseja, isso faz com que você se acostume a certo nível de escolha e controle em sua vida. Ainda há limites sobre onde você pode viver com base no hukou (registro de residência) e onde você pode trabalhar, dependendo de quem você conhece e do tipo de oportunidades que tem. Esses são limites sérios. Mas as pessoas ganharam um controle sobre suas vidas incomparável ao que existia.

Quais são os riscos para o Partido Comunista?
Evan Osnos: São dramáticos. O primeiro é econômico. Toda a legitimidade do partido nos últimos 30 anos teve como base sua performance, na ideia de que ele pode transformar a vida das pessoas a cada sete ou oito anos, prazo no qual a economia dobrava. Esse período acabou em razão de questões demográficas e da curva natural de transformações econômicas radicais. É por isso que agora eles falam da nova normalidade, para tentar acostumar as pessoas à ideia de que sua vida não vai ser transformada totalmente a cada seis ou sete anos. É preciso estar mais próximos de um crescimento de 5%, 6%. Se a economia cair, é um risco.

E o que significa cair?

Evan Osnos: O crescimento cair abaixo de 4%. Isso seria o que eles chamam de crescimento recessivo. Não é exatamente uma recessão.

É uma recessão com características chinesas.

Evan Osnos: Perfeito (risos). Se isso acontecer, é um risco óbvio. O outro risco é o sistema político, com base na ideia de consolidar poder no topo, ficar desconectado da sociedade. A sociedade agora é tão diversa, tão pluralista, que há o risco de o aparato político não ser capaz de acomodá-la. Essa é a questão mais urgente para o partido. Eles fizeram uma aposta de que poderiam sobreviver sem se adaptar politicamente. E eles estavam certos. Mas há um perigo no fato de que a performance passada não é uma previsão do futuro. Talvez eles tenham de ser tão flexíveis na área política como foram na econômica para sobreviver.

Mas não há nenhuma indicação nesse sentido, certo?

Evan Osnos: Não creio que ouviremos isso antes que aconteça. Foi a mesma coisa em 1977, quando não era claro que a China estava se preparando para fazer uma mudança econômica radical. E eles fizeram em 1978 e 1979. Não acho que eles farão isso gradualmente. Mas é especulação. Eles são conscientes desse risco e não querem ser expulsos da maneira como os soviéticos foram.

Xi Jinping é um retorno ao estilo de liderança maoista?

Evan Osnos: Não acredito que Xi seja maoista. Ele tomou elementos da receita de Mao, mas também de Deng Xiaoping e de seu pai (Xi Zhongxun) e criou essa nova fórmula que é de Xi Jinping. Não há dúvida de que ele é mais poderoso e personalista em sua liderança do que qualquer pessoa desde Deng. A diferença entre ele e Mao é substancial, no sentido de que Mao acreditava na mobilização de massas. A Revolução Cultural propunha abrir os portões e deixar as pessoas bombardearem os quarteis generais. Xi não tem nenhum interesse em deixar o povo fazer isso. Ele acredita que o povo é mais bem servido quando é contido, quando é liderado por uma elite. Xi tem uma formação de elite. Ele cresceu em Pequim e estudou em uma escola de elite. Depois, viveu a Revolução Cultural e sofreu terrivelmente. Seu pai ficou na prisão por 16 anos. Sua meia irmã cometeu suicídio. Como resultado, ele aprendeu a ter medo do povo. Pode parecer como Mao porque ele está concentrando muito poder, mas há uma diferença. Mao era um populista genuíno e Xi não é um populista. Ele é um elitista.

O ativista cego Chen Guangcheng está vivendo nos EUA, o advogado Gao Zhisheng está em prisão domiciliar e o artista Ai Weiwei não pode deixar a China. O que a história dessas pessoas nos diz sobre os limites dessa transformação?

Evan Osnos: De Ai Weiwei, nós aprendemos que ninguém é imune. Antes de sua prisão, eu achava que ele era muito famoso, que sua família era muito importante e que nunca iriam atrás dele. E foram. A mensagem é que ninguém é imune.  O crime de Gao Zhisheng foi a persistência, a crença absoluta no poder da lei. Eu me concentro nesse conceito do poder da ambição e da aspiração porque em muitos casos o que vemos são pessoas motivadas por sua própria autoconfiança, pela descoberta de que podiam fazer coisas. Em determinado momento, o Estado concluiu que a única maneira de controlá-lo era quebrá-lo totalmente. Isso teve um efeito de contenção, ao enviar a outros advogados a mensagem “isso é o que acontece se você vai muito longe”.

É a mesma história com Chen Guangcheng?

Evan Osnos: Ele é incrível. Ninguém acreditaria em sua história se fosse ficção. Quando você nasce com uma deficiência na zona rural chinesa, sua vida não costuma ser maior que os limites de sua casa. Chen Guangcheng se rebelou contra os limites de seu próprio corpo e essa é a metáfora para sua luta com o governo.

Na questão da ampliação das possibilidades de escolha, um dos personagens mais interessantes do livro é Gong Hayian, dona de um site de relacionamento. Como você a encontrou?

Evan Osnos: Eu estava trabalhando no Chicago Tribune antes da New Yorker e tinha uma amiga que estava tentando se casar e entrou no site de relacionamento. Ainda era um formato muito básico e era chamado love21. Eu achei aquilo fascinante e quis saber mais. Minha amiga perguntou a eles se poderia levar um laowai (estrangeiro) a uma das atividades. Eu visitei Gong Hayian em um escritório minúsculo, fui ao evento e perdi contato com ela por alguns anos. Na próxima vez que a encontrei, sua empresa tinha explodido. Em um período de tempo muito curto, ela passou de uma estudante pobre a dona de uma empresa que estava para abrir o capital na Bolsa de Valores e captar US$ 77 milhões. O mais fascinante é que esse não é um caso único. Quase todos os ricos da China são novos-ricos. Tão novos que eles não sabem o que fazer com o dinheiro. Eu adoro isso sobre Gong Hayian. Quando visitei sua casa e não havia obras de arte nas paredes.

Como a percepção dos chineses em relação aos estrangeiros e o Ocidente mudou no período em que você estava lá?

Evan Osnos: Nós somos cada vez menos necessários. É uma questão de tempo para que o tipo de livro que eu escrevi seja escrito por autores chineses. E isso é saudável. Sempre haverá um lugar para escritores estrangeiros escreverem sobre outro país, como aqui nos Estados Unidos. Mas há tantos chineses jovens com boa formação e experiência internacional que o espaço para estrangeiros está encolhendo.

O mesmo se aplica a capital e tecnologia, não?

Evan Osnos: A China está produzindo tecnologia que é genuinamente inovadora. Eles ainda têm um problema de propriedade intelectual e de roubo de tecnologia, mas estão começando a fazer seus próprios produtos, que são competitivos e sérios. E obviamente a China tem mais dinheiro do que todo o mundo. O que me preocupa é que agora que o país tem todos esses recursos eles podem chegar a uma conclusão muito abrangente e decidir que a China é mais forte quando se fecha a influências externas. Se olhamos para a história da China, os períodos em que o país foi mais dinâmico, mais criativo, como a dinastia Tang, foi quando se abriu para o mundo exterior. Nós estamos em um momento estranho, no qual a China está se debatendo com a questão de quanto a influência estrangeira tem um lugar no país. As manchetes todos os dias podem ser desencorajadoras, como redução de livros acadêmicos estrangeiros nas universidades e a limitação da influência de estrangeiros na religião.
XI JINPING
Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês e Presidente da República Popular da China
E Xi Jinping tem uma posição muito forte nesse sentido, com a ideia do “Sonho Chinês”.

Evan Osnos: Sim, mas eu acho que em relação à questão estrangeira isso é parcialmente tático. É uma tentativa de fortalecer as defesas nos terrenos ideológico e político, como assegurar que não haja ONGs estrangeiras promovendo protestos democráticos na China. Mas não acho que ele tem a fantasia de que a China pode se isolar do resto do mundo em 2015. Sua filha foi para Harvard. Ele teve uma experiência nos Estados Unidos no começo de sua carreira. Acho que há elementos mais de curto prazo do que de longo prazo.

Outro lado dessa relação com o Ocidente são os jovens nacionalistas e um dos personagens de seu livro é Tang Jie, um integrante desse movimento. Qual a ressonância do nacionalismo na sociedade chinesa e quais os riscos representados por esse sentimento?

Evan Osnos: O nacionalismo é uma das surpresas quando você vai para a China. Eu me interessei por isso porque o massacre da praça Tiananmen estava completando duas décadas e, para meu espanto, os jovens estavam se levantando em 2008 em defesa do Partido Comunista e da bandeira da China, e não pela abertura ou o combate à corrupção. Foi um dos momentos que me forçaram a reexaminar minhas premissas em relação à China. O nacionalismo, significando orgulho em relação ao país, de seu crescimento e do sentimento de possibilidade em relação a seu lugar no mundo, é sentido de maneira ampla na China. As pessoas são orgulhosas das conquistas da última geração. Também houve um esforço deliberado do Partido de promover essa mensagem. Não é acidental. Em 1992, depois de Tiananmen, o governo decidiu promover a chamada “educação patriótica”. Isso é importante, mas não explica tudo. As pessoas são realmente orgulhosas de seu país e ficam desconcertadas quando olham no exterior e se perguntam “por que vocês não são tão orgulhosos da China como eu sou”? Eu só me preocupo com nacionalismo em um aspecto. Ele poderia ser usado em um momento de crise por uma facção (do Partido) em competição com outra. Uma delas poderia tentar se aproveitar do poder do nacionalismo focando, por exemplo, no Japão, no Mar do Sul da China ou nos Estados Unidos. Nesse cenário, muita dessa energia seria voltada à oposição ao Ocidente.

O Partido tem uma relação ambivalente com esse sentimento. Às vezes o utiliza em seu benefício e em outros momentos tenta controlá-lo.

O nacionalismo é um químico muito instável. É muito poderoso quando você o usa, mas pode facilmente sair de controle.

Você também diz que nacionalismo preenche parte do vazio criado pelo fim da ideologia e que agora há essa busca por um compasso moral, por sentido. A era da ambição perdeu força ou as expectativas se ampliaram para abranger questões espirituais?

Evan Osnos: Acredito que é a segunda opção. A abertura desse vazio espiritual deu às pessoas a oportunidade de descobrirem o que querem para preenchê-lo. Não é um sentimento muito prazeroso para muitos que estão no meio disso. Além do dinheiro, além da casa, além do carro, o que eu quero da vida? Isso deixa muitas pessoas ansiosas. O governo teria uma enorme dificuldade em preencher esse vazio. O governo não pode dizer “agora você é confucionista”. Precisa dar às pessoas o espaço em suas vidas para definir suas experiências e decidir o que importa, o que é certo ou errado, o que é bom e o que é imoral. E muitos são incapazes de fazer isso. Nós assistimos em tempo real o governo se debater com a questão de permitir ou não que esse vazio espiritual seja preenchido pelas próprias pessoas. Xi Jinping falou sobre os clássicos chineses, sobre confucionismo, sobre religiões chineses.

O livro será publicado na China?

Evan Osnos: Foi publicado em Taiwan e Hong Kong. Editores da China continental entraram em contato comigo e queriam publicar o livro. Mas disseram que partes dele teriam de ser cortadas. Eu não aceitei. Obviamente eu gostaria de ver o livro nas mãos de chineses, mas quero que eles leiam todo o livro e não uma versão censurada.

Eles disseram que partes teriam de ser censuradas? 

Evan Osnos: Sim, eles me deram uma lista detalhada. Disseram que eu não poderia falar sobre Chen Guangcheng, Ai Weiwei, Liu Xiaobo (preso político vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2010), Gao Zhisheng. Eles estimaram que tivessem de cortar um quarto do livro. Algumas coisas que queriam cortar foram surpreendentes. Eu descrevo a origem das reformas econômicas chinesas e digo que foram realizadas por Deng Xiaoping com Chen Yun e Zhao Ziyang. Esses três foram uma combinação muito efetiva, porque Chen era muito conservador, Zhao era muito progressista e Deng era o árbitro. Eles disseram que a descrição era problemática porque Zhao Ziyang não deve ter crédito (ele era primeiro-ministro da China na época do massacre da Praça Tiananmen e teve uma posição simpática aos estudantes).

Por causa de Tiananmen?

Evan Osnos: Sim. Eles disseram que eu deveria fazer um “ajuste”. E não havia nenhuma razão para isso. A vida é longa e eu não tenho dúvida de que esse livro será lido por chineses. Acho que é um insulto para os leitores chineses dizer “eu acho que você só está pronto para essa versão”. Jamais faria isso.

* EVAN OSNOS é jornalista da prestigiada revista The New Yorker, também membro do Brookings Institution, de Washington. Especialista em relações internacionais e política, foi correspondente da New Yorker em Pequim entre 2008 e 2013. Seu livro Era da Ambição – Em Busca da Riqueza, da Verdade e da Fé na Nova China foi vencedor do prêmio National Book, de 2014, e finalista do Pulitzer Prize deste ano. Antes de se mudar para a China, ele trabalhou no Oriente Médio cobrindo, principalmente, o Iraque.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Segunda-feira, 1 de junho de 2015 – Pg. A11 – Internet: clique aqui.

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