«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

O que o desemprego provoca na juventude e nas famílias

“Vocês estão precisando de gente?”

José de Souza Martins*

Com o desemprego em alta, é preciso aprender a olhar o drama que
os números escondem – e não tentar calcular o incalculável
BUSCANDO OFERTAS DE EMPREGO NOS CLASSIFICADOS
Rotina de milhões de brasileiros atualmente!

A referência à preocupante cifra de 11 milhões de desempregados no Brasil não explica o que é próprio da situação social de desemprego e do drama que é na vida de quem o padece. Ele incide mais sobre os jovens. Na região do ABC paulista, em 2015, 39,4% dos desempregados estavam na faixa de 16 a 24 anos de idade e 33,7% na de 25 a 39 anos de idade. Nas famílias de trabalhadores, 25% dos desempregados eram os chefes da casa e 50% os filhos.

O desemprego torna os jovens mais dependentes da família num momento da vida em que mais carecem de independência. Incide mais no setor de Serviços, aquele que tem sido o de confirmação da ascensão social da classe trabalhadora. Ascensão que está sendo anulada pelo desemprego. Além disso, os limites mínimos e máximos de ganhos dos ocupados e assalariados tem sofrido sensível redução, de ano para ano, fazendo cair os ganhos tanto dos que ganham menos quanto dos que ganham mais. Um desdobramento do crescente desemprego: mais gente procurando trabalho e menos trabalho procurando gente.

Desemprego é socialmente mais complicado do que um número, um índice que sobe e desce. Seus dados mais ocultam do que revelam. Transformam o drama social em mero indício de crise econômica. Economizam palavras e verdades, tornam calculável o que calculável não é: a privação de condições de vida para ter tranquilidade, para ser feliz, para ir à balada; namorar, passear, ler um livro, encontrar amigos, viver a paz da família. O desemprego priva suas vítimas até do que não tem preço nem pode ser comprado, do que não depende do salário que se paga a quem trabalha. É nesse sentido que o desemprego é cruel e muito maior do que um índice negativo de problemas econômicos, o mero dado estatístico.

Quem nunca ficou desempregado não sabe o que é o desemprego. Quem nunca peregrinou pelas portas das fábricas para espiar a tabuleta de “Precisa-se” da portaria, “para ver se estão precisando de gente”, que é a comum expressão proletária dos que buscam e não acham trabalho, não tem condições de avaliar o que é “ficar desempregado”. Quem nunca passou horas lendo as letras miúdas de anúncios de emprego em jornal, como em famosa fotografia de German Lorca, fotógrafo brasileiro, procurando o que não está lá, não sabe o que é procurar trabalho em vão.

Há poucos dias, saindo de uma consulta no Hospital Universitário, vi duas mocinhas tímidas, relutantes, encostadas à cerca do jardim da frente, sem saber o que fazer. Fui até elas e lhes perguntei se estavam procurando emprego. Balançaram a cabeça afirmativamente, olhando para o chão. Explicaram-me que moram no bairro do Jaraguá. Souberam que uma empresa terceirizada contratada para os serviços de limpeza do Hospital estava recrutando empregados. Não sabiam com quem falar. Sugeri-lhes que falassem com o porteiro de uma porta ao lado, funcionário da terceirizada. Ele lhes indicaria o caminho. Vinham de longe. Sair de casa com o dinheiro contado, muitas vezes ficar sem comer o dia inteiro, para a peregrinação infrutífera, as humilhações descabidas, o desalento que abate, a depressão que não é rara. Essa busca é um calvário. Lembro nessas horas de um poema do poeta alagoano Judas Isgorogota, radicado em São Paulo, na época das grandes migrações de nordestinos, dos anos 1950, que vinham para o Sudeste de pau de arara, arrastando a família, em busca de emprego, expulsos da terra pela seca: “Vocês não queiram mal aos que vêm de longe, aos que vêm sem rumo certo, como eu vim; as tempestades é que nos atiram para as praias sem fim...”.

Quem quiser entender o que é esse naufrágio, o que é o desemprego, deve vasculhar as estatísticas para descobrir os rostos que se escondem envergonhados por trás delas. E, não raro, as lágrimas.

Somos uma sociedade em que a modernidade se constituiu à custa do suor de migrantes e de imigrantes mal pagos, adultos e crianças, homens e mulheres, que valorizavam e valorizam o trabalho como fundamento da decência e da vida, em que não ter trabalho envergonha e demorar a encontrá-lo envergonha mais ainda. Desemprego estigmatiza, aniquila a esperança com o passar das horas e o passar dos dias sem fim da busca e das portas fechadas. Não é o trabalhador que inventa a crise, que fecha fábricas e lojas. Satanás tece em silêncio até em recintos remotos, com as agulhas de ouro da especulação e da irresponsabilidade, às escondidas, a trama que enreda as vítimas da falta de trabalho. Os que tem poder e não compreendem que o mando político é missão social e não privilégio, é dever para com todos e não só com alguns, é mandato e não mando, os que administram mal a economia e alimentam ou agravam as crises econômicas, que distribuem dividendos negativos e embolsam os positivos. [Não lutar com todas as forças, recursos e inteligência para evitar o desemprego e criar mais postos de trabalho é um dos piores e mais graves pecados dos governantes – já indicou Papa Francisco!!!]

É justo que se queira emprego e também justiça porque é moralmente delito destruir a possibilidade do trabalho dos que só tem como alternativa a faina em terra alheia, em tear alheio, em máquina alheia, em casa alheia, para ter à mesa o pão nosso de cada dia.

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é um escritor e sociólogo brasileiro. Professor Titular aposentado do Departamento de Sociologia e Professor Emérito (2008) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Foi o terceiro brasileiro, depois de Celso Furtado e de Fernando Henrique Cardoso, a ocupar, em 1993-1994, a prestigiosa Cátedra Simón Bolivar da Universidade de Cambridge, Inglaterra, quando foi também eleito fellow de Trinity Hall. Foi professor visitante da Universidade da Flórida (Gainesville, EUA) (Mellon Visiting Professor) e da Universidade de Lisboa. Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Viçosa (20 de junho de 2013). Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Paraíba (8 de novembro de 2013) e Doutor Honoris Causa da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (2 de Agosto de 2014). Ele é membro da Academia Paulista de Letras. Para saber mais de sua biografia e ter acesso aos seus livros publicados, clique aqui.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 29 de maio de 2016 – Pág. E2 – Internet: clique aqui.

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