«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 17 de maio de 2016

As mulheres e seu espaço na Igreja Católica - a palavra com Papa Francisco

Do Papa uma sacudida à Igreja machista

Entrevista com Irmã Carmen Sammut

Paolo Rodari
Jornal “La Repubblica” – Roma
14,05-2016

«Esta visão de uma comunidade eclesial sem mulheres, de uma Igreja em suas cúpulas somente masculina, nós a assimilamos, a interiorizamos. Creio que chegou o momento de libertar-nos e de dar o justo peso à presença feminina na Igreja.»
PAPA FRANCISCO E IR. CARMEN SAMMUT
Ela pertence à Congregação das Irmãs Missionárias de Nosso Senhor da África, também conhecida como:
"Irmãs Brancas".

“Mas você jamais refletiu sobre a Última Ceia?”. Perguntei: “Em que sentido, irmã?”. Ela respondeu-me: “Nas configurações feitas também por grandes artistas quase nunca há mulheres. Isso lhe parece possível? Uma ceia sem mulheres? No entanto, esta visão de uma comunidade eclesial sem mulheres, de uma Igreja em suas cúpulas somente masculina, nós a assimilamos, a interiorizamos. Creio que chegou o momento de libertar-nos e de dar o justo peso à presença feminina na Igreja”.

Irmã Carmen Sammut, presidente da UISG - União Internacional de Superioras Gerais -, coletou, junto a outras Irmãs, as perguntas feitas a Francisco na audiência do dia 13 de maio último. Minutos depois, olhos despertos, numa pausa dos trabalhos da reunião das 800 religiosas no Hotel Ergife em Roma, admite: “Em todo caso, que cacetada!”.

Eis a engtrevista.

Desculpe, como assim?

Ir. Carmen Sammut: A resposta de Francisco sobre o diaconato feminino é uma bela cacetada salutar. É hora que dessa coisa se comece a falar.

Fala-se disso demasiado pouco?

Ir. Carmen Sammut: Claro, é evidente. Não só a Igreja de Roma, mas a Igreja em todo o mundo omitiu o problema. Ao invés, muitas de nós somos chamadas a desenvolver um serviço que, nos fatos, já é um diaconato. Por isso, temos colocado a questão ao Papa: parece-nos justo que o diaconato seja reconhecido, porque nos demos conta de que as pessoas às quais somos enviadas nos olham assim. O diaconato pode, neste sentido, trazer muito fruto.

Falava da Última Ceia. Jesus como discípulos escolheu doze homens...

Ir. Carmen Sammut: Sim, veja, mas com as mulheres nos Evangelhos fez coisas escandalosas, desculpe-me o termo, para aquela época. Se fazia aproximar, podiam tocá-lo, estar junto dele. Parece-lhe pouco? Depois, infelizmente, foi a Igreja que separou homens e mulheres, uma separação desastrosa.

Um Papa, Albino Luciani [João Paulo I], também falou de Deus como mãe.

Ir. Carmen Sammut: Deus não é pensável simplesmente como pai, como homem. O Espírito, de resto, sempre foi visto no feminino.
PAPA JOÃO PAULO I

Que impressão teve do Papa, ele é favorável ao diaconato feminino ou não?

Ir. Carmen Sammut: Ele nos disse que também para ele deveria haver mais mulheres nos postos de comando da Igreja. E que estes postos sejam desconectados da ideia de que podem ocupá-los somente padres. Em virtude do nosso batismo podemos contribuir no momento em que se tomam decisões na Igreja. Seria um valor para todos.

E sobre o diaconato?

Ir. Carmen Sammut: Por enquanto não evitou a questão, que lhe foi feita porque de diversas partes do mundo nos foi solicitado colocá-la. Nós lhe enviamos as questões anteriormente e ele aceitou responder a todas. Também uma dedicada ao dinheiro, que tinha sido riscada. Em todo caso, a disponibilidade de estudar o diaconato é um passo importante. “Não queremos ser padres e nem bispos, por favor, mas que seja reconhecido o nosso diaconato como serviço porque é útil para o povo.

Por que considera as mulheres importantes para os processos de tomada de decisão da Igreja?

Ir. Carmen Sammut: Nós mulheres temos outra visão sobre os problemas. Sem a nossa visão as decisões são mancas, falta-lhes uma parte. Homens e mulheres devem trabalhar juntos.

A Igreja é demasiado machista?

Ir. Carmen Sammut: A meu ver, nas suas cúpulas sim.

No Sínodo vocês têm tido espaço?

Ir. Carmen Sammut: Bah, muito pouco. Havia mulheres, mas poucas. Mas realmente não creio que seja apenas um problema de Roma. É um problema da Igreja em geral. A certa altura se começou a fazer assim e este uso se tornou praxe.

O cardeal Pietro Parolin disse que por si uma mulher poderia tornar-se Secretário de Estado.

Ir. Carmen Sammut: Secretário de Estado não sei. Mas a chefia de dicastérios [espécie de ministérios do Vaticano], sim, certamente. Francisco o afirmou ontem: devem separar-se as funções, os papéis na Igreja dos sacramentos. Portanto, uma mulher pode ser colocada em qualquer função. E depois ele disse outra coisa muito forte.

Qual?

Ir. Carmen Sammut: Falou do Código de Direito Canônico. E falou que, se uma coisa é vedada pelo Código, isso não significa que deva permanecer vedada para sempre. O Código compreende leis, mas as leis podem ser mudadas.

Traduzido do italiano por Benno Dischinger. Acesse a versão original, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícia – Segunda-feira, 16 de maio de 2016 – Internet: clique aqui.

Francisco, as mulheres e a urgência de
uma reforma

Vito Mancuso*
Jornal “La Repubblica” – Roma
13-05-2016

É uma questão de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.
VITO MANCUSO
Teólogo italiano

Talvez nos encontremos na presença do primeiro movimento significativo daquela que poderia ser uma revolução realmente epocal. Considero-a a mais importante de todas as meritórias iniciativas de reforma empreendidas até agora pelo Papa Francisco. Se há um caminho privilegiado, de fato, para a renovação da qual a Igreja Católica hoje tem uma necessidade imensa, trata-se do caminho feminino.

Mais do que a reforma da Cúria, mais do que o ecumenismo, mais do que a reforma da moral sexual, mais do que a liberdade de ensino nas faculdades teológicas, mais do que muitas outras coisas, o ingresso das mulheres na estrutura hierárquica da Igreja Católica teria o efeito de transformar de modo irreversível tal venerável e também um pouco debilitada instituição.

Reconhecendo a emancipação feminina que já havia chegado a cumprimento no Ocidente em todos os âmbitos vitais, João Paulo II produziu uma série de documentos altamente elogiosos em relação àquilo que ele definia como "gênio feminino"; pense-se na carta apostólica Mulieris dignitatem, de 1988, e na específica Carta às Mulheres, de 1995.

Nem nesses textos nem em outro lugar, porém, o papa polonês jamais definiu o que ele realmente entendia por essa expressão, usada também, em seguida, mais de uma vez, por Bento XVI nos seus discursos sobre o assunto.

O Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii gaudium, de 2013, também falou de "gênio feminino". Nessa quinta-feira, 12 de maio, no entanto, com a abertura ao diaconato feminino, falando diante de mais de 800 freiras superiores, essa expressão papal hermética finalmente recebeu a possibilidade de passar de uma edificante proclamação retórica a um concreto caminho institucional.

Talvez, em breve, não se falará mais de gênio feminino, mas de gênios femininos, porque as mulheres individuais finalmente terão a possibilidade de voltar a doar, de pleno direito, o seu patrimônio genético a todo o organismo da Mãe Igreja, que, agora, na sua mente, é feminina unicamente quanto à gramática, enquanto, em relação ao direito canônico, ela é exclusivamente masculina (e daí decorre a atual esterilidade, porque a vida espiritual, além da biológica, também precisa de cromossomos Y e cromossomos X).

Eu usei a expressão "voltar a doar" porque a abertura ao diaconato feminino por parte de Francisco não é uma novidade absoluta. No Novo Testamento já se fala de diaconisas. Ou, melhor, tal abertura papal pode envolver a revolução epocal de que eu falava precisamente porque remete a uma dupla fidelidade: a uma fidelidade ao presente, a fim de tornar a Igreja Católica à altura de tempos em que a emancipação feminina, ao menos no Ocidente, é um processo quase completo, e uma fidelidade ao passado, a fim de recuperar a extraordinária inovação neotestamentária quanto ao papel das mulheres.

Se lermos os Evangelhos, de fato, vê-se como Jesus, de um modo totalmente descontínuo em relação à práxis rabínica do tempo, buscava e encorajava a presença feminina. Lucas, por exemplo, escreve que, no seu ministério itinerante, "estavam com ele os Doze e algumas mulheres", dando até os nomes delas: Maria Madalena, Joana, Susana e, acrescenta, "muitas outras", expressão a partir da qual é lícito inferir um número de seguidoras mulheres mais ou menos igual ao dos seguidores homens.
 
Portanto, não deve surpreender o fato de que a Igreja primitiva conhecia as diaconisas, como aparece em São Paulo, que escreve: "Recomendo a vocês nossa irmã Febe, diaconisa da igreja de Cencreia" (Romanos 16,1; o texto oficial da Conferência Episcopal Italiana, infelizmente, é infiel ao original, porque traduz o grego diákonon como "a serviço"! Muito diferente é a Bible de Jérusalem, que traduz corretamente "diaconesse de l'Église" [a versão em português usada acima, que mantém o termo "diaconisas", é da Bíblia Pastoral]).

Que resultado terá a instituinte comissão de estudo sobre o diaconato feminino? Quanto tempo passará antes de que ela realmente esteja trabalhando? Quanto tempo antes de que ela entregue os resultados? E que sabor terão? São perguntas às quais, neste momento, não é possível responder. Certamente, porém, a reforma no feminino do Papa Francisco é uma urgência da qual a Igreja não pode mais se eximir.

Trata-se, simplesmente, de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.

É um sonho destinado a se tornar realidade? Ninguém sabe, mas certamente o sucesso da reforma no feminino do Papa Francisco vai depender da capacidade de saber mostrar a dupla fidelidade que está em jogo: fidelidade às mulheres de hoje e fidelidade ao Mestre de 2.000 anos atrás, fidelidade à atualidade e fidelidade àquele eterno princípio de paridade que surgiu no momento da criação: "E Deus criou o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher" (Gênesis 1,27).

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Para acessar a versão original, clique aqui.

* Vito Mancuso é casado, teólogo católico leigo italiano, desde 2013 é professor da Università degli Studi de Pádua (Itália), após ter ensinado de 2004 a 2011 na Faculdade de Filosofia da Universidade San Raffaele de Milão. Autor de vários livros e numerosos artigos, com presença constante na TV e rádios italianos. No Brasil, até o momento, há somente um livro dele publicado Eu e Deus: um guia para os perplexos (Edições Paulinas, 2014).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 16 de maio de 2016 – Internet: clique aqui.

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