«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 3 de maio de 2016

O Papa e a família: a novidade inesperada

José María Castillo
Teología Sin Censura
24-04-2016

A nova exortação apostólica pós-sinodal “AMORIS LAETITIA”
inova em questões fundamentais e capta os “sinais dos tempos”.

O escritor José Artrila publicou um estudo detalhado, “A verdadeira novidade do Amoris laetitia”, no qual explica documentadamente a novidade que é o conteúdo da recente Exortação do Papa Francisco. Seguindo em frente digo que concordo plenamente com o que disse José Artrila em sua recente escrita. E valeria a pena que as mentalidades mais rígidas e espiritualistas se concentrassem no que ensina o Papa Francisco quando fala, por exemplo, do “amor erótico” (nº 150) e do amor como “paixão” (nº 148). Coisas que, aliás, muitas vezes não são ouvidas na retórica clerical.

Mas, acima de tudo, o impressionante é a insistência do Papa sobre o tema do amor mútuo, “amor de amizade” que iguala e une os cônjuges – e não na doutrina da Igreja ou de suas leis – como argumento transversal, que recorre toda a recente Exortação papal do início ao fim.

Pois bem, dado o que acabo de indicar, parece-me importante que aprendamos (ou nos demos conta) da novidade que envolve toda a aproximação da família, se este assunto é pensado a partir de dimensões que lhe são inerentes. Por exemplo, a dimensão histórica ou quanto afeta à sociologia a instituição familiar.

Explico-me. Se prestarmos atenção ao que dizem os sociólogos atualmente mais renomados, logo entendemos que a família é uma das instituições que está experimentando mudanças tão rápidas e tão profundas, que, na mesma família – isso é frequente – os avós não entendem os novos hábitos dos filhos e, ainda menos, dos netos.

Muitas pessoas não pensaram que a família tradicional era acima de tudo uma unidade econômica. De maneira que, durante séculos, o casamento não acontecia na base do amor sexual. Era assim que se entendia (e se vivia) este assunto desde as origens do direito romano. Todos os direitos e todo o poder estavam concentrados no Pater familias (Peter G. Stein). E assim ficamos, em coisas muito fundamentais, até pouco tempo. Daí que a desigualdade era intrínseca à família tradicional.

Nos últimos anos, tudo isso saltou pelos ares. E restam três pontos capitais, que estão substituindo os velhos laços que costumavam unir as vidas privadas das pessoas; as relações sexuais e românticas, relações entre pais e filhos e amizade. Daí que o centro da instituição familiar mudou: da família como “unidade econômica”, ao que foi justamente chamado de “relação pura” (Anthony Giddens). Mas o que é, definitivamente, essa “relação pura”? “A relação que se baseia na comunicação, de modo que compreender o ponto de vista de uma outra pessoa é essencial”.

Agora, se tudo isso é assim, e creio que por aí vão as coisas, se agora voltamos a nossa atenção para a Exortação do Papa Francisco, não temos que nos esforçar muito para advertir que o papa, sendo fiel à tradição da Igreja, bateu no prego do que está acontecendo na instituição familiar. E também no prego da solução que o estado tem de coisas em que vivemos.
JOSÉ MARÍA CASTILLO
Teólogo espanhol autor deste artigo

Dito mais claramente: a solução dos problemas da família não vai estar em afirmar verdades rotundas. Tampouco virá pela submissão a regras totalmente rígidas que se quer. Não. Em nada disso está o problema. E, por conseguinte, em nada disso está a solução. A família recuperará a sua estabilidade, o seu equilíbrio e sua razão de ser, na medida em que o amor de amizade, que, na linguagem secular, pode ser chamado de "relação pura", ocupe o centro que, durante séculos, ocupou o Pater familias, como proprietário e fiador da unidade econômica que, de fato, foi a instituição familiar.

O Papa Francisco, não só tem inovado em questões muito fundamentais, em relação a são João Paulo II, mas também tem captado os "sinais dos tempos" muito melhor do que imaginam aqueles que se empenham para que tudo fique na mesma.

Traduzido do espanhol por Evlyn Louise Zilch. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 26 de abril de 2016 – Internet: clique aqui.

O Papa pode ensinar algo novo ou só eram
Vigários de Cristo os de antes?

Elske Rasmussen
Religión Digital
28-04-2016

Francisco ensina que o discernimento no foro interno pode, em alguns casos, levar a admitir uma aplicação diversa da norma. Não neguemos ao Papa Francisco, que também é Vigário de Cristo e também possui a assistência do Espírito, a possibilidade de enriquecer a Igreja com uma melhor compreensão de seu ensinamento moral e de sua disciplina.
ÚLTIMOS PAPAS DA IGREJA:
João Paulo II, Bento XVI e Francisco

1. Francisco dissimulado

É chamativo como alguns portais católicos tratam o Papa Francisco, sobretudo, após a Amoris Laetitia. Por um lado, se leem notas de Melina, Pérez Soba e outros, que afirmam: “aqui não aconteceu nada, tudo continua igual, a disciplina se mantém inalterada”. Porém, existem as notas no rodapé do capítulo 8, onde Francisco esclarece as dúvidas.

Em todo caso, no retorno [da ilha] de Lesbos, fizeram ao papa uma pergunta sumamente precisa, para que não fiquem sombras de dúvida: «Alguns defendem que nada mudou para que os divorciados em segunda união acedam os sacramentos; outros defendem que mudou muito e que há muitas novas aberturas. Há novas possibilidades concretas ou não?». A pergunta procurava fazer com que o Papa explicitasse se é apenas o caso de manter o já dito na Familiaris Consortio ou se, a respeito desse assunto concreto, foram abertas “novas possibilidades”. Francisco respondeu: «Eu posso dizer que sim». Não me deterei sobre este ponto porque o escrito José Artrila já o explicou muito claramente em sua nota: “A verdadeira novidade da Amoris Laetitia”.

2. Francisco condenado

Contudo, junto com a tentativa de dissimular a novidade da Amoris Laetitia, há aqueles que perceberam claramente, e com amargura, que a mudança é realmente muito importante, porque dá origem a outro modo de discernir e de atuar na pastoral. Estes, então, tentam negar que a Exortação faça parte do Magistério, ou então criam a impressão de que o Papa caiu dentro de alguma condenação, porque afirma coisas que o Magistério anterior havia rejeitado.

Basta considerar dois exemplos. Um é o artigo intitulado “Inconveniências eclesiais IV: uso da linguagem situacional na Amoris Laetitia, I: pontos 291 a 300”. Neste, dá a entender que a Exortação de Francisco cai sob a condenação de um discurso de Pio XII. A “moral de situação” que Pio XII rejeita, “não se baseia de maneira alguma nas leis morais universais”, de maneira que a decisão da consciência “não pode ser imperada pelas ideias, princípios e leis universais”. A isto, Pio XII respondia que “por causa de sua universalidade, a lei moral compreende necessária e intencionalmente todos os casos particulares”.

No entanto, Francisco não afirma precisamente que a lei moral não abarque todas as situações, nem que seja incapaz de imperar a decisão da consciência, mas que “as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve desatender, nem descuidar, mas em sua formulação não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares” (Amoris Laetitia 304). É a formulação da norma a que não pode abarcar tudo, não a norma em si mesma. Isto vale, é claro, para as leis positivas, como as leis canônicas, mas vale também para nosso modo de formular a lei natural em suas diversas expressões.

A esse respeito, no ponto 305, o Papa utiliza uma afirmação da Comissão Teológica Internacional, escrita dentro do pontificado de Bento XVI e com a aprovação da Congregação para a Doutrina da Fé: “A lei natural não deve ser apresentada como um conjunto já constituído de regras que se impõem a priori ao sujeito moral, mas é muito mais uma fonte de inspiração objetiva para o seu processo, eminentemente pessoal, de tomada de decisão” (Em busca de uma ética universal, 2009, 59). O autor da nota deveria ter dito, então, que Bento XVI admitiu que sua própria “Comissão Teológica Internacional” caiu em uma moral de situação condenada.

Alguém pode não concordar, ou pode dizer que não consegue compreender, mas acredito que é preciso ter um pouco mais de cuidado no momento de deixar transparecer que o Papa cai sob a condenação de um antecessor.

3. Francisco subjetivista

Outro artigo lança uma suspeita semelhante e nos permite completar a resposta. Trata-se de uma nota de José A. Sayés, intitulada: “A misericórdia de Deus na Amoris Laetitia”. Nela se diz: “Perguntamo-nos por que a Exortação parece não indagar a existência do bem e o mal objetivos. Pois bem, se a reflexão que realizou o Papa Francisco não se interroga sobre a objetividade da moral, caberia se perguntar se o cumprimento dos mandamentos é uma exigência para a salvação cristã”. Ao fazer este questionamento, cita textos de São João Paulo II que condenariam esta falta de Francisco. Outra vez condenado.

No entanto, Francisco deixa claramente em pé a existência do mal objetivo e do pecado objetivo, ainda que a culpabilidade da pessoa possa ser atenuada ou eliminada. O que a “moral de situação” rejeitada pelo Magistério pretende é que a situação concreta permita chamar de branco o que é preto, chamar de bem o que é mal, porque são as circunstâncias concretas que determinam a moralidade objetiva. No entanto, a postura de Francisco é outra.

Ou seja: o fato de que os condicionamentos possam diminuir a culpabilidade, não significa que o que objetivamente é mau passe a ser bom. Basta ler a seguinte frase do documento: “Por causa dos condicionamentos ou fatores atenuantes, é possível que, em meio a uma situação objetiva de pecado – que não seja subjetivamente culpável ou que não o seja de forma plena – seja possível viver na graça de Deus” (Amoris Laetitia 305). Continua sendo uma “situação objetiva de pecado”. Precisamente, alguns teólogos progressistas criticam Francisco por manter a “obsoleta” distinção entre o objetivo e o subjetivo.

Francisco só assume, com todas as suas consequências, o que o Catecismo já assumiu há bastante tempo: “A imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ser diminuídas e inclusive suprimidas por causa da ignorância, inadvertência, violência, temor, hábitos, afetos desordenados e outros fatores psíquicos ou sociais” (Catecismo da Igreja Católica 1735). O Catecismo menciona também a imaturidade afetiva, a força dos hábitos contraídos, o estado de angústia (cf. Catecismo da Igreja Católica 2.352). Mantém-se, então, a qualificação objetiva do ato, mas o Papa explica que esse ato pode não ter uma gravidade que retire a vida da graça. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando uma pessoa está “em condições que não lhe permitem atuar de maneira diferente e tomar outras decisões, sem uma nova culpa” (Amoris Laetitia 301).

Em outra parte, o Papa deixa a salvo a existência do bem e o mal objetivos e da “objetividade da moral”. É quando diz que a consciência “pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objetivamente à proposta geral do Evangelho. Também pode reconhecer com sinceridade e honestidade aquilo que, no momento, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus” (Amoris Laetitia 303).

4. Francisco condenado a repetir

Contudo, para além do fato de demonstrarmos que Francisco não contradiz os ensinamentos dos Papas anteriores, alguns sustentam que ele só está autorizado a repetir o que disse o Magistério anterior, especialmente de Pio XII a Bento XVI.

Parece que “só eram Vigários de Cristo os de antes”. Por acaso, entre estes e os Papas dos séculos anteriores não houve diferenças e novidades? Olhemos um pouco a história. De “pérfidos judeus” a “irmãos maiores” há uma diferença. O Vaticano II produziu uma profunda evolução em temas como a liberdade religiosa, a separação entre Igreja e Estado e a possibilidade de salvação fora da Igreja Católica. Em 1832, o Papa Gregório XVI havia dito que é um “julgamento absurdo e errôneo, ou melhor, um delírio, que se deva admitir e assegurar a cada um a liberdade de consciência” (Mirari vos 14). O syllabus de Pio IX (1864) inclui a liberdade religiosa entre os perigosos “erros”.

Mais claro ainda é o caso da escravidão. Em 1452, o Papa Nicolau V concedeu ao rei de Portugal o direito de entrar em guerra contra os sarracenos e reduzi-los à escravidão perpétua, e o confirmou a Bula Romanus Pontifex. Até o século XV, a escravidão não era considerada pecado. No século XVI, os Papas Paulo III e Gregório XIV tentaram acabar com a escravidão na América Latina, mas no Estado Pontifício continuou existindo vários séculos depois.

Costuma se dizer que qualquer evolução só se pode realizar na mesma linha do dito anteriormente pela Igreja. Porém, em alguns exemplos mencionados, não se pode dizer que a evolução se produz “na mesma linha” do dito antes. Entre admitir a escravidão e não a admitir, em nenhum caso, há uma grande novidade. Aí, a continuidade só existe em relação à doutrina geral acerca da dignidade humana, mas não no ponto preciso que está em questão, onde a Igreja realmente mudou de opinião.

Do mesmo modo, entre afirmar que só um católico pode se salvar, a sustentar que há possibilidade de salvação fora da Igreja, a continuidade só está dada em alguns princípios gerais que impedem cair no relativismo. Algo semelhante ocorreu com a pena de morte. Em outros casos, como o da liberdade de consciência, o ensinamento não é contraditório, mas há algo mais que uma nova forma de expressão da verdade. Há realmente uma melhor captação da proposta do Evangelho, há uma riqueza nova e novos modos de aplicar o ensinado.

Até agora, o discernimento sobre uma culpabilidade atenuada não permitia tirar consequências no âmbito externo ou disciplinar, e as consequências de uma norma canônica permaneciam inalteradas. Agora, Francisco ensina que o discernimento no foro interno pode, em alguns casos, levar a admitir uma aplicação diversa da norma. Não neguemos ao Papa Francisco, que também é Vigário de Cristo e também possui a assistência do Espírito, a possibilidade de enriquecer a Igreja com uma melhor compreensão de seu ensinamento moral e de sua disciplina. Ou, ao menos, não coloquemos sobre ele uma condenação de Pio XII ou de São João Paulo II.

Traduzido do espanhol pelo Cepat. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 2 de maio de 2016 – Internet: clique aqui.

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