Como estimular a leitura em nossos filhos e adolescentes?
Missão das leituras
Entrevista
com Susan Neuman
Psicóloga, educadora e professora da New
York University (EUA)
Lúcia
Guimarães
A pesquisadora americana Susan Neuman aponta a
importância de os pais cultivarem o hábito da leitura nos filhos, especialmente
livros de ficção, que estimulam a criatividade e ajudam no desenvolvimento e um
senso crítico apurado
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SUSAN NEUMAN Psicóloga e educadora norte-americana |
A
nova edição da pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, publicada na última quarta-feira, 18 de maio, é um
desafio para aqueles que gostam de ver o copo meio cheio. Sim, o número de leitores no Brasil aumentou
desde 2011. Eles passaram de 50% a 56%. Mas, quando se considera que 44% dos habitantes da oitava economia do
mundo não leem regularmente, em pleno século 21, e que 30% nunca adquiriram um
livro, é difícil encontrar causa para celebração.
Uma
pesquisa divulgada em outubro passado pelo Pew
Research Center revelou que sete em
dez norte-americanos leram um livro – concluindo ou não, durante o ano
anterior. A média de leitura na
população geral do país é de doze livros por ano. Mas o livro eletrônico
não parece estar criando novos leitores, as vendas de livros digitais estão
desacelerando nos Estados Unidos, enquanto as vendas de livros impressos
continuam sólidas.
Com
o começo próximo do verão no hemisfério norte, a mídia norte-americana divulga
inúmeras listas de livros para se ler nas férias, dos romances leves para
consumir na praia a livros de não ficção. É um típico exemplo cultural da
leitura associada ao lazer.
Celebridades
como Bill Gates são ouvidas. Na lista de cinco que Gates ofereceu este ano, há
apenas um romance, Seveneves, de Neal
Stephenson, uma história de ficção científica.
A cultura importa, e sabemos
que bons exemplos também. Tivemos um presidente intelectual, seguido de um presidente que
confessou não ter a menor paciência para ler e uma presidente que, em campanha,
lutou para se lembrar do que estava lendo. O presidente intelectual não
inspirou, que se saiba, os brasileiros a ler mais, e antes que o acusem de
descaso, é importante saber que o hábito de leitura não se adquire imitando
chefes de Estado, e sim quem governa a vida do futuro leitor.
“Mas
que números tristes”, lamentou a psicóloga
e educadora Susan Neuman sobre a pesquisa dos hábitos de leitura no Brasil.
Neuman é professora da Universidade de Nova York e foi subsecretária de
educação no primeiro mandato de George W. Bush, encarregada de educação
fundamental e secundária. Ela é
reconhecida como uma das principais autoridades do país em desenvolvimento na
primeira infância e alfabetização. Publicou vários livros, o penúltimo
deles, em 2012, um estudo sobre o efeito da pobreza na alfabetização, Giving Our Children a Fighting Chance:
Poverty, Literacy, and the Development of Information Capital [trad. livre:
Dando às Nossas Crianças uma Chance de Lutar: Pobreza, Alfabetização e o
Desenvolvimento do Capital Informativo].
Neuman
participou de um estudo pioneiro usando a tecnologia de eye-tracking, que acompanha o menor movimento dos olhos, e concluiu
que bebês de até 14 meses expostos ao
contato regular com livros são capazes de reconhecer, por exemplo, se o livro
está de cabeça para baixo. O estudo do qual ela participou, publicado em
2014, também derrubou o mito de que seria possível ensinar bebês a ler. Na
época, ela comentou que a enxurrada de mídia eletrônica que promovia
alfabetização precoce tinha um público alvo: pais ansiosos para tornar seus
filhos mais competitivos na escola. Mas, como ela explica nesta entrevista ao Aliás, preparar a criança para a leitura pós-alfabetização é muito mais do que
colocar um livro à sua frente. O hábito da leitura por curiosidade e prazer
depende, em boa parte, de boas memórias
da infância em torno de palavras e histórias. E elas dificilmente se formam
na ausência de exemplos adultos e de afeto.
Diante
dos números que a senhora considera tão preocupantes, como a pesquisa
brasileira pode refletir a infância dos não leitores?
Susan Neuman: Há lições críticas que já
aprendemos sobre como criar condições para a criança ler visando o objetivo
real de leitura mais tarde em sua vida. Se
uma criança não vê ninguém lendo habitualmente já é ruim, porque ela está
sempre à procura de modelos que indiquem como o mundo funciona. Se não observa à sua volta uma cultura de
leitura, tem menos chances de se sentir atraída por livros.
Em
2014, a Associação de Pediatria dos Estados Unidos passou a recomendar que, nas
primeiras visitas a consultórios, os médicos recomendassem aos pais que lessem
para os filhos bebês.
Susan Neuman: Sim, é importante ler para o
bebê regularmente. Mas a futura alfabetização não depende apenas do objeto
livro. Há várias atividades que contribuem para ela. Cantar para as crianças é muito importante, elas adquirem linguagem
e aprendem com rimas. É preciso conversar
bastante com a criança, mantendo contato de olhos. E brincar também, brincar com objetos, não
necessariamente brinquedos fabricados para este fim. Hoje, a gente vê que escolas
sofisticadas, frequentadas pela elite, usam pedras, materiais que forçam a criança a improvisar e exercitar a imaginação
abstrata. Lembro que o começo do aprendizado de matemática é um sistema de
símbolos que vai exigir capacidade de abstração. Por exemplo, quando uma
criança desenha rabiscos e lhe conta uma história sobre o que está naquele
papel, tudo isso contribui para alfabetização. De modo que não ter brinquedos caros, mas ser engajada por adultos em brincadeiras,
está longe de ser uma desvantagem, porque a criança apura seu imaginário.
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Tradução do título deste livro: "Dando às Nossas Crianças uma Chance de Lutar: Pobreza, Alfabetização e o Desenvolvimento do Capital Informativo" |
Em
países com populações pobres como o Brasil, é comum os pais não terem livros em
casa. Quando são limitadamente alfabetizados, podem se sentir intimidados na
leitura para as crianças.
Susan Neuman: É preciso explicar aos pais que não sabem ler que eles podem
ajudar na futura alfabetização dos filhos. O importante é terem atividades que envolvam conversa.
Até mostrar imagens sem ler um texto
e conversar sobre elas é uma atividade proveitosa.
Quando
a criança chega à escola, o quanto professores atentos podem corrigir uma
primeira infância com pouca atenção adulta?
Susan Neuman: Na verdade, a chave da capacidade de aprender está num
adulto que demonstre cuidado. Sabemos que o desejo de aprender aumenta com
a segurança que vem de se ter abrigo, alimentação e carinho. Pode vir de mãe,
pai, avó, parente, qualquer modelo de
adulto que “abrace” a criança com sua atenção, que a faça se sentir segura para
explorar. A experiência com a leitura cedo é acompanhada de um aprender a
aprender, adquirir compreensão sobre narrativas. Os dois primeiros anos de escolaridade são importantes mas, se a
criança chega lá sem ter experimentado o estímulo adulto, não há professor
dedicado que possa compensar na sala de aula. Falo de uma desvantagem que
pode acompanhar o aluno pelo resto de sua vida escolar. Sempre digo, quando a criança pisa na escola pela
primeira vez chega na companhia da geração que a enviou para lá.
Até
quando a criança que não lê ainda pode ser recuperada para a leitura habitual
na vida adulta?
Susan Neuman: Hoje chegamos a um consenso
sobre a terceira série do ensino fundamental. Ali deve ser o limite. Se o aluno não aprendeu a ler até a
terceira série, está com problemas. Não deve ser enviado ao ano letivo
seguinte sem se recuperar ou terá mais chances de fracasso acadêmico. Há cinco
anos, fundações e ONGs educacionais começaram campanhas para endossar essa
ideia e as secretarias de educação do país, apesar de sua autonomia, tendem a
aceitá-la.
O
quanto se conhece sobre o efeito de gadgets [aparelhos] eletrônicos que caem nas mãos de crianças muito antes de
chegarem à escola?
Susan Neuman: Hoje a gente ouve crianças
reclamando “estou com tédio”, querem que tudo venha até elas. Como disse, na
primeira infância é sempre bom estimular a abstração e não deixar a criança
isolada com gadgets. Mas estamos
começando a avaliar resultados positivos com aplicativos, as crianças
demonstram grande facilidade de compreender histórias em plataformas digitais.
Há o popular Speakaboos, de leitura
interativa, e também o Learn With Homer
para aprendizado pré-escolar de leitura a partir dos três anos.
Se
a senhora tivesse que enfrentar corte de gastos como o que o governo brasileiro
vai enfrentar, como atacaria o problema do baixo índice de leitura?
Susan Neuman: Apostaria em bibliotecas – fixas ou móveis. Elas
são centros de aprendizado para a vida toda, um presente que se renova. Dão
também uma sensação de segurança, são um elo comunitário.
A
senhora é a favor de programas públicos de estímulo à leitura?
Susan Neuman: Sim, sou entusiasta de
programas públicos. Eles são uma grande ajuda, não só para as crianças, como
para famílias. Tive uma ótima
experiência com bibliotecas móveis no Nepal, um país predominantemente rural,
com a ONG Read. As famílias venciam o isolamento e as unidades se tornaram
também uma fonte de atividade e construção da capital social.
Por
que certos programas de incentivo ao livro fracassam?
Susan Neuman: Um problema que vejo é o tom
excessivamente didático. É a ideia de leitura quase como um privilégio da elite
que deve ser imitado. Esquecem de
associar a leitura a brincadeiras e ao afeto adulto. Nem toda mãe ou todo
pai pode passar muito tempo lendo à noite para cada filho. Mas não importa, nem que seja alguns minutos, abrace e beije
a criança, olhe nos olhos enquanto abre um livro. Ela guarda estas emoções
na memória e vai sempre associar a
leitura a momentos preciosos.
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