Governador Alckmin ataca a ciência!
José de Souza
Martins*
As críticas do governador Geraldo Alckmin à Fapesp e às
universidades públicas paulistas, noticiadas nessa semana, são para deixar
alarmada, pela improcedência, toda a comunidade científica
GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN EM REUNIÃO DE SEU SECRETARIADO |
O site da revista Veja divulgou comentários,
não desmentidos, do governador do Estado, sobre as universidades públicas
paulistas e, particularmente, sobre a Fapesp
– Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em reunião do
secretariado. “Gastam dinheiro com pesquisas acadêmicas sem nenhuma utilidade
prática para a sociedade. Apoiar a pesquisa para a elaboração da vacina contra
a dengue, eles não apoiam. O Butantã sem dinheiro para nada. E a Fapesp quer
apoiar projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma relevância.”
São comentários para deixar alarmada, pela improcedência, a comunidade
científica, não só a de São Paulo. A
pesquisa para a produção da vacina contra a dengue, já em fase final, pelo
Instituto Butantã, é financiada pela Fapesp como o é, também, a pesquisa sobre
a zika e a microcefalia. A pesquisa científica tem seu tempo e custo, por
maiores que sejam as urgências dos políticos. As ciências da saúde levam quase metade de seus recursos, enquanto as
humanas e sociais apenas 10%.
Sobrou também para as três universidades públicas
paulistas, em diversos campos do conhecimento situadas com as melhores
colocações da América Latina nos “rankings” internacionais. Foram definidas como “máfia das
universidades sugando dinheiro público”. Fica difícil explicar isso aos
professores da USP, da Unesp e da Unicamp, que veem seus salários reais sendo
reduzidos a cada dia. Nem por isso deixam de cumprir com zelo e competência, em
condições adversas, sua missão nas salas de aula, nos laboratórios e no
trabalho de campo, não raro até mesmo fora dos horários e dos dias
convencionais da lei. A última coisa de
que os docentes e pesquisadores de São Paulo precisam é de um insulto desses.
Enormidade do engano
Convém lembrar o que são as três
universidades paulistas e o que é a Fapesp para que se entenda a enormidade do
engano. Em 1934, um dos mais lúcidos
governadores que São Paulo já teve, Armando
Salles Oliveira, criou a
Universidade de São Paulo. Uma universidade pública, laica, gratuita e
democrática. O governo de São Paulo queria uma educação revolucionária,
moderna, que nos emancipasse definitivamente dos grilhões do atraso, da burrice
e da ignorância. A Sociologia era um dos
principais instrumentos dessa emancipação. Já haviam sido dados passos
nesse sentido, após a Abolição, nas áreas básicas e técnicas, com a criação da
Escola Politécnica, do Instituto Butantã, da Faculdade de Medicina, do
Instituto de Higiene, do Liceu de Artes e Ofícios.
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ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA (em destaque) Foi governador do Estado de S. Paulo entre 1935 e 1936 - antes, foi interventor federal de 1933 a 1935 |
Em 1934, os paulistas propuseram-se a
realizar aqui pela cultura e pela ciência, em curto prazo, a revolução social e
econômica que em outros países tardou séculos. A USP e, depois, a Unesp e
a Unicamp deram um passo gigantesco
como centros de produção e difusão de conhecimento de alto nível, o que é
internacionalmente reconhecido. Os
fundadores da USP, sobretudo Júlio de Mesquita Filho, tinham consciência de que
eram esses os atos finais de superação da sociedade criada pela escravidão,
nosso grande débito e estigma.
A Fapesp
foi o coroamento dessa revolução, em
1960, no governo do lúcido professor Carlos Alberto de Carvalho Pinto. Ela recebe hoje, da arrecadação do Estado,
apenas 1% e, por lei, não pode gastar no custeio nem um centavo além de 5%
daquilo que é recebido, uma norma que, neste país de desperdícios, deveria
ser aplicada a todas as instituições públicas.
Conhecimento para superar a pobreza
Na universidade, o conhecimento para
aplicação prática é uma de suas grandes metas, também nas ciências humanas e
sociais. Na área médica e de saúde, se
faz nos hospitais universitários. Ninguém diria que são hospitais
irrelevantes, que as escolas de aplicação dos cursos pedagógicos são
desnecessárias, que os hospitais veterinários são descabidos, que as fazendas
experimentais são inúteis. Ora, as
nossas universidades públicas e a Fapesp foram criadas justamente para que
superássemos a pobreza e a estreiteza das soluções meramente práticas e
caseiras dos problemas que temos.
Há os que acham que as ciências humanas, como
a sociologia, que são parte integrante do ideário humanista de criação da USP,
da Unesp, da Unicamp e da Fapesp, são inúteis e que é um desperdício que também
elas tenham acesso a recursos públicos para a pesquisa. A sociedade movida por
ímpetos de senso comum é a da evasão escolar, dos problemas sociais, dos
linchamentos e dos esquadrões da morte, mas não a da escola e a da Justiça, da
lei e da ordem, da elevação cultural e da emancipação da pessoa. Um dos programas apoiados pela Fapesp é o
do Núcleo de Estudos da Violência da USP
que, com base na sociologia, na antropologia e no direito, investiga,
interpreta e indica soluções práticas
para superação das questões que estuda. Se os governos, em particular o
governo do Estado, se interessassem mais pelos resultados das pesquisas
científicas realizadas pelas universidades e patrocinadas pela Fapesp,
cometeriam menos erros do que os que cometem em áreas como a saúde, a segurança
e a educação.
* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é professor
emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor,
entre muitos, de Linchamentos – A Justiça
Popular no Brasil (Editora Contexto), com apoio da Fapesp.
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