«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Querem abafar e impedir a Justiça de funcionar!

As “Medidas pela Corrupção”

Diogo Castor de Mattos e Carlos Fernando dos Santos Lima*

Surgem projetos de lei no Congresso que visam a embaraçar a apuração
dos crimes de colarinho branco (= corrupção)
DIOGO CASTOR DE MATTOS
Procurador da República - Curitiba (PR)

Recentemente, os noticiários deram destaque ao projeto de lei do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) que altera a lei dos recursos especial e extraordinário e o Código de Processo Penal, prevendo que os recursos apresentados pelos réus ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF) suspendam os efeitos da decisão condenatória e impeçam a execução provisória da pena. O projeto de lei vem como resposta à recente decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus n.º 126.292, quando, em sessão plenária do dia 17 de fevereiro de 2016, foi decidida pela constitucionalidade da execução da pena criminal após a decisão de segundo grau de jurisdição.

Naquela oportunidade, após acirrada discussão, os ministros decidiram pôr fim à chamada “indústria dos recursos protelatórios” que se instaurou no Poder Judiciário brasileiro.

Agora, o que se vê é a vontade do Parlamento de, por via oblíqua, cassar a decisão do Supremo Tribunal Federal, num manifesto ataque à separação dos Poderes.

Vale lembrar que, na Itália na década de 1990, após a deflagração da Operação Mãos Limpas, o Congresso italiano aprovou a toque de caixa diversas leis de contrainteligência com o inequívoco propósito de frear a possibilidade de avanço das investigações dos crimes do colarinho branco.

Entre outras normativas aprovadas na Itália no período entre 1994 e 2006, citem-se o famoso Decreto Salva Ladri [Decreto Salva Ladrões], de 13 de julho de 1994 (dia em que a Itália jogava a semifinal da Copa do Mundo contra a Bulgária), que converteu em prisão domiciliar todos os decretos de prisões preventiva da Operação Mãos Limpas; a criação do juízo da instrução em 2001, separando o juiz da investigação do juiz do processo; a lei que declarou a nulidade de provas obtidas por carta rogatória, de 2002; as mudanças etárias da prescrição; e a vedação de recursos pelo Ministério Público em 2005 e 2006.

[Só leis boazinhas para quem comete crime!]

No presente momento, no Brasil, começam a surgir projetos de lei com a mesma finalidade de embaraçar as investigações dos crimes do colarinho branco.

[1ª] De início, a Medida Provisória n.º 703/2015, que no apagar das luzes do último ano institucionalizou o “acordão” entre as empreiteiras, prevendo a possibilidade de acordo de leniência sem exigência do real compromisso de autoincriminação, com a facilitação do pagamento pela empresa de indenização em prejuízo da vítima e sem a necessidade do fornecimento de informações de fatos novos. [Que paraíso é o Brasil para os corruptos e corruptores! E pensar que essa Medida Provisória partiu de Dilma, do PT a fim de salvar a pele das empreiteiras amigas!]

[2ª] Na sequência, a lei da repatriação de ativos não declarados no exterior, que legaliza a propriedade de recursos espúrios mantidos secretamente fora do Brasil (projeto semelhante foi aprovado na Itália na década de 1990).

[3ª] E, atualmente, ainda se debatem outras iniciativas casuístas, como a que visa a impedir a colaboração premiada de réus presos, ou

[4ª] a que veda os colaboradores de prestar esclarecimentos complementares e, agora, mais recentemente,

[5ª] o supracitado projeto de lei, que intenta perpetuar o indevido processo penal infinito dos réus ricos e poderosos no Brasil.

São todos esses projetos um incentivo à manutenção da cultura da corrupção em nosso país. Poderíamos chamá-los, em contraponto aos projetos de lei popular que alcançaram recentemente mais de 1,5 milhão de assinaturas, de “Medidas em Favor da Corrupção” [o nome da campanha é “10 Medidas Contra a Corrupção” – clique aqui para acessar o site da campanha].
CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA
Procurador Regional da República - Curitiba (PR)

Especialmente em relação ao último projeto mencionado, do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), a sua justificativa de que o mencionado projeto visa a assegurar o direito constitucional à presunção de inocência não encontra correspondência na realidade fática.

Entre dezenas de exemplos de casos que simplesmente não acabam pela interposição de recursos infinitivos, o ministro Luis Roberto Barroso, no recente julgamento do STF já mencionado, ilustrou de forma prática e objetiva como funcionam os processos criminais dos réus ricos, com recursos para custear caros advogados no Brasil, mencionando no seu voto um crime de homicídio cometido em 1991 em que o réu interpôs:
1) recurso em sentido estrito;
2) apelação;
3) embargos de declaração;
4) recurso especial;
5) novos embargos de declaração;
6) recurso extraordinário;
7) agravo regimental;
8) novos embargos de declaração;
9) embargos de declaração em face dos novos embargos de declaração;
10) embargos de divergência;
11) novo agravo regimental;
12) novos embargos de declaração;
13) novo agravo regimental; e
14) novos embargos de declaração, estes últimos pendentes de apreciação pelo plenário do Supremo, sendo certo que até hoje (25 anos após o crime) a sentença ainda não transitou em julgado. [Alguém ainda tem alguma dúvida PARA QUEM e PARA QUE serve essa “indústria” de recursos e apelações???]

Existem no Brasil outras centenas de exemplos de casos de abuso no direito recursal, como, por exemplo, o processo do ex-senador Luiz Estevão (que antes de ser preso, em março, já havia ingressado com 21 recursos em face da mesma condenação) ou os dos congressistas Jader Barbalho e Paulo Maluf, que utilizaram do expediente de sucessivos recursos infundados para serem agraciados pela prescrição durante a tramitação dos recursos. [Só rico e político se beneficiam dessa “indústria” de recursos e apelações infinitas!]

O que se vê nesses casos não é o exercício legítimo do exercício do direito de defesa pelos réus, mas, sim, o manifesto abuso de direito com a inequívoca finalidade de perpetuar a impunidade dos ricos e poderosos no País, em desrespeito aos direitos constitucionais das vítimas e de toda a sociedade.

No entanto, o que causa mais perplexidade no referido projeto de lei é a insensibilidade de seus idealizadores, que em uma semana se mobilizaram para aprovar uma legislação em sentido diametralmente oposto ao futuro projeto de lei de iniciativa popular que está há um ano coletando assinaturas com o objetivo, entre outros, de possibilitar a execução imediata da sentença condenatória após o julgamento do recurso no tribunal inferior.

Conheça os detalhes desse projeto de lei de iniciativa popular
que visa aumentar o rigor e eficácia das leis contra a corrupção no Brasil,
clique aqui

Estejamos de olhos bem abertos. Como diria Fabrizinio de André, jornalista que escreveu sobre a Operação Mãos Limpas: “Uma vez um juiz julgou quem havia ditado a lei. Primeiro, mudaram o juiz. Logo em seguida, mudaram a lei”.

* Diogo Castor de Mattos e Carlos Fernando dos Santos Lima são procurador da República e procurador regional da República, respectivamente.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 31 de maio de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

A Justiça e os decaídos

Sérgio Fernando Moro*

A colaboração premiada deve ser vista por duas perspectivas:
da defesa e da investigação
TOMMASO BUSCETTA
mafioso escoltado quando de seu retorno à Itália, extraditado do Brasil

Tommaso Buscetta é provavelmente o mais notório criminoso que, preso, resolveu colaborar com a Justiça. Um detalhe muitas vezes esquecido é que ele foi preso no Brasil, onde havia se refugiado após mais uma das famosas guerras mafiosas na Sicília. No Brasil, continuou a desenvolver suas atividades criminosas por meio do tráfico de drogas para a Europa. Por seu poder no Novo e no Velho Mundo, era chamado de “o senhor de dois mundos”.

Após sua extradição para a Itália, o célebre magistrado italiano Giovanni Falcone logrou convencê-lo a se tornar um colaborador da Justiça. Suas revelações foram fundamentais para basear, com provas de corroboração, a acusação e a condenação, pela primeira vez, de chefes da Cosa Nostra siciliana. No famoso maxiprocesso, com sentença prolatada em 16/12/1987, 344 mafiosos foram condenados, entre eles membros da cúpula criminosa e o poderoso chefão Salvatore Riina, que, pela violência de seus métodos, ganhou o apelido de “a besta”. Para ilustrar a importância das informações de Tommaso Buscetta, os magistrados italianos admitiram que, até então, nem sequer conheciam o verdadeiro nome da organização criminosa. Chamavam-na de Máfia, enquanto os próprios criminosos a chamavam, entre si, de Cosa Nostra.

Sammy “Bull” Gravano era o braço direito de John Gotti, chefe da família Gambino, uma das que dominavam o crime organizado em Nova York até os anos 80. Gotti foi processado criminalmente diversas vezes, mas sempre foi absolvido, obtendo, em decorrência, o apelido na imprensa de “Don Teflon”, no sentido de que nenhuma acusação “grudava” nele. Mas, por meio de uma escuta ambiental instalada em seu local de negócios e da colaboração de seu braço direito, foi enfim condenado à prisão perpétua nas Cortes federais norte-americanas, o que levou ao desmantelamento do grupo criminoso que comandava.

Mario Chiesa era um político de médio escalão, responsável pela direção de um instituto público e filantrópico em Milão. Foi preso em flagrante em 17/2/1992, por extorsão de um empresário italiano. Cerca de um mês depois, resolveu confessar e colaborar com o Ministério Público Italiano. Sua prisão e colaboração são o ponto de partida da famosa Operação Mãos Limpas, que revelou, progressivamente, a existência de um esquema de corrupção sistêmica que alimentava, em detrimento dos cofres públicos, a riqueza de agentes públicos e políticos e o financiamento criminoso de partidos políticos na Segunda República italiana.
MARIO CHIESA

Nenhum dos três indivíduos foi preso ou processado para se obter confissão ou colaboração. Foram presos porque faziam do crime sua profissão. Tommaso Buscetta foi preso pois era um mafioso e traficante. Gravano, um mafioso e homicida. Chiesa, um agente político envolvido num esquema de corrupção sistêmica em que a prática do crime de corrupção ou de extorsão havia se transformado na regra do jogo. Presos na forma da lei, suas colaborações foram essenciais para o desenvolvimento de casos criminais que alteraram histórias de impunidade dos crimes de poderosos nos seus respectivos países.

Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar seus crimes e colaborar com a Justiça.

É certo que a sua colaboração interessava aos agentes da lei e à sociedade, vitimada por grupos criminosos organizados. Essa é, aliás, a essência da colaboração premiada. Por vezes, só podem servir como testemunhas de crimes os próprios criminosos, então uma técnica de investigação imemorial é utilizar um criminoso contra seus pares. Como já decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos, “a sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei” (On Lee v. US, 1952).

Mas é igualmente certo que os três criminosos não resolveram colaborar com a Justiça por sincero arrependimento. O que os motivou foi uma estratégia de defesa. Compreenderam que a colaboração era o melhor meio de defesa e que, só por ela lograriam obter da Justiça um tratamento menos severo, poupando-os de longos anos de prisão.

A COLABORAÇÃO PREMIADA deve ser vista por essas duas perspectivas. De um lado, é um importante meio de investigação. Doutro, um meio de defesa para criminosos contra os quais a Justiça reuniu provas categóricas.

Preocupa a proposição de projetos de lei que, sem reflexão [será, mesmo, sem reflexão?], buscam proibir que criminosos presos, cautelar ou definitivamente, possam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça. A experiência histórica não recomenda essa vedação, salvo em benefício de organizações criminosas. Não há dúvida de que o êxito da Justiça contra elas depende, em muitos casos, da traição entre criminosos, do rompimento da reprovável regra do silêncio. Além disso, parece muito difícil justificar a consistência de vedação da espécie com a garantia da ampla defesa prevista em nossa Constituição e que constitui uma conquista em qualquer Estado de Direito. Solto, pode confessar e colaborar. Preso, quando a necessidade do direito de defesa é ainda maior, não. Nada mais estranho. Acima de tudo, proposições da espécie parecem fundadas em estereótipos equivocados quanto ao que ocorre na prática, pois muitos criminosos, mesmo em liberdade, decidem, como melhor estratégia da defesa, colaborar, não havendo relação necessária entre prisão e colaboração.
SÉRGIO FERNANDO MORO
Juiz Federal - Autor deste artigo

Na Operação Lava Jato, considerando os casos já julgados, é possível afirmar que foi identificado um quadro de corrupção sistêmica, em que o pagamento de propina tornou-se regra na relação entre o público e o privado. No contexto, importante aproveitar a oportunidade das revelações e da consequente indignação popular para iniciar um ciclo virtuoso, com aprovação de leis que incrementem a eficiência da Justiça e a transparência e a integridade dos contratos públicos, como as chamadas Dez Medidas contra a Corrupção apresentadas pelo Ministério Público ou outras a serem apresentadas pelo novo governo. Leis que visem a limitar a ação da Justiça ou restringir o direito de defesa, a fim de atender a interesses especiais, não se enquadram nessa categoria.

* Sérgio Fernando Moro é juiz federal da 13ª Vara Criminal de Curitiba (PR).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 31 de maio de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

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