«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 30 de julho de 2016

As respostas aos demônios que nos perseguem

Entrevista com Zygmunt Bauman*
Sociólogo e filósofo polonês

Davide Casati
Jornal “Corriere della Sera” – Milão (Itália)
25-07-2016

Vivemos uma época marcada pelo medo e pela incerteza.
«E não devemos nos iludir: os demônios que nos perseguem não vão evaporar porque sua origem tem a ver com os mesmos elementos constitutivos da nossa sociedade e das nossas vidas.» 
ZYGMUNT BAUMAN

Eis a entrevista.

Professor Bauman, diante da corrente de ataques desses dias, a Europa se vê fazendo as contas com um abismo de medo e de insegurança. Que respostas podem preenchê-lo?

Zygmunt Bauman: As raízes da insegurança são muito profundas. Elas afundam no nosso modo de vida, são marcadas pelo enfraquecimento dos laços interpessoais, pelo desmoronamento das comunidades, pela substituição da solidariedade humana pela concorrência sem limites, pela tendência de confiar nas mãos dos indivíduos a resolução de problemas de relevância mais ampla, social. O medo gerado por essa situação de insegurança, em um mundo sujeito aos caprichos de poderes econômicos desregulados e sem controles políticos, aumenta, s e difunde para todos os aspectos das nossas vidas. E esse medo busca um objetivo para se concentrar. Um objetivo concreto, visível e ao alcance das mãos.

Um objetivo que muitos identificam no fluxo de refugiados e migrantes.

Zygmunt Bauman: Muitos deles vêm de uma situação em que estavam orgulhosos com a sua posição na sociedade, com o seu trabalho, com a sua educação. Porém, agora, são refugiados, perderam tudo. No momento da sua chegada, entram em contato com a parte mais precária das nossas sociedades, que vê neles a realização dos seus pesadelos mais profundos.

Diante desse desafio, multiplicam-se os chamados, por parte de algumas forças políticas, à construção de novos muros. Trata-se de uma resposta sensata?

Zygmunt Bauman: Eu acho que se devem estudar, memorizar e aplicar as análises que o Papa Francisco, no seu discurso de agradecimento pelo Prêmio Carlos Magno, dedicou aos perigos mortais do "aparecimento de novos muros na Europa". Muros erguidos – paradoxalmente e de má fé – com a intenção e a esperança de se proteger da agitação de um mundo repleto de riscos, armadilhas e ameaças. O pontífice observa, com profunda preocupação, que, se os pais fundadores da Europa, "mensageiros de paz e profetas do futuro", nos inspiraram a "criar pontes e derrubar muros", a família de nações que eles promoveram parece ultimamente "cada vez menos à vontade na casa comum. O desejo novo e exaltante de criar unidade parece desaparecer; nós, herdeiros desse sonho, somos tentados a nos deter apenas nos nossos interesses egoístas e a criar barreiras".

Nos seus estudos, o senhor indicou como valores fundadores das nossas sociedades a LIBERDADE e a SEGURANÇA: depois de uma época em que, para fazer crescer a primeira, renunciamos progressivamente à segunda, agora, o pêndulo está invertendo o seu curso. Que reflexos políticos decorrem daí?

Zygmunt Bauman: Diante de nós, temos desafios de uma complexidade que parece insuportável. E, assim, aumenta o desejo de reduzir essa complexidade com medidas simples, instantâneas. Isso faz crescer o fascínio de "homens fortes", que prometem – de modo irresponsável, enganoso, bombástico – encontrar aquelas medidas, resolver a complexidade. "Deixem comigo, confiem em mim", dizem, "e eu vou resolver as coisas". Em troca, pedem uma obediência incondicional.

Parece aquilo que está sendo proposto pelo candidato à presidência dos Estados Unidos Donald Trump, cujas posições sobre segurança e imigração foram recentemente indicadas pelo presidente húngaro Viktor Orban como modelos para a Europa...

Zygmunt Bauman: O que estamos assistindo é uma tendência preocupante: reivindicações de tipo social, como a integração e a acolhida, são indicadas como problemas a serem confiados aos órgãos de polícia e de segurança. Isso significa que o estado de saúde do espírito fundador da União Europeia não está com boa saúde, porque a característica decisiva da inspiração na base da União Europeia era a visão de uma Europa em que as medidas militares e de segurança se tornariam – gradual mas constantemente – supérfluas.
REFUGIADO DO AFEGANISTÃO CARREGA SEU FILHINHO
enquanto caminha entre cercas na divisa da Grécia com a Macedônia

O Islã é indicado por algumas forças políticas – por exemplo, a alemã Pegida** – como uma fé intrinsecamente violenta, incompatível com os valores ocidentais. O que o senhor pensa a respeito?

Zygmunt Bauman: Absolutamente é preciso evitar o erro, perigoso, de tirar conclusões de longo prazo a partir das fixações de alguns. É claro, como disse o grandíssimo sociólogo alemão Ulrich Beck, no fundo da nossa atual confusão, está o fato de que já estamos vivendo uma situação "cosmopolita" – que nos verá destinados a coabitar de modo permanente com culturas, modos de vida e fés diferentes – sem ter desenvolvido completamente as capacidades de compreender as suas lógicas e os seus requisitos: ou seja, sem ter uma "consciência cosmopolita". E é verdade que preencher a lacuna entre a realidade em que vivemos e a nossa capacidade de compreendê-la não é um objetivo que se alcança rapidamente. O choque está apenas começando.

Então, estamos destinados a viver em sociedades nas quais o sentimento dominante será o do medo?

Zygmunt Bauman: Trata-se de uma perspectiva sombria e perturbadora, mas cuidado: o destino de sociedades dominadas pelo medo, de fato, não está predeterminado, nem é inevitável. As promessas dos demagogos pegam, mas também têm, por sorte, uma vida curta. Uma vez que novos muros sejam erguidos e mais forças armadas sejam postas em campo nos aeroportos e nos espaços públicos; uma vez que àqueles que pedem asilo de guerras e destruições essa medida seja rejeitada, e que mais migrantes sejam repatriados, ficará evidente que tudo isso é irrelevante para resolver as causas reais da incerteza. Os demônios que nos perseguem – o medo de perder o nosso lugar na sociedade, a fragilidade dos marcos que alcançamos – não vão evaporar nem desaparecer. Naquele ponto, poderemos acordar e desenvolver anticorpos contra as sereias de falastrões e populistas que tentam ganhar capital político com o medo, desviando-nos do caminho. O temor é que, antes que esses anticorpos sejam desenvolvidos, muitos verão suas próprias vidas sendo desperdiçadas.

O senhor defendeu que as possibilidades de hospitalidade não são ilimitadas, mas também não o é a capacidade humana de suportar o sofrimento e a rejeição. Diálogo, integração e empatia, porém, requerem tempos longos...

Zygmunt Bauman: Vou lhe responder citando o Papa Francisco mais uma vez: "Sonho com uma Europa em que ser migrante não é crime, que promove e protege os direitos de todos, sem esquecer os deveres para com todos. O que te aconteceu, Europa, principal lugar dos direitos humanos, democracia, liberdade, terra natal de homens e mulheres que arriscaram e perderam a própria vida pela dignidade dos próprios irmãos?". Essas perguntas são dirigidas a todos nós; a nós que, como seres humanos, somos moldados pela história que ajudamos a moldar, conscientemente ou não. Cabe a nós encontrar respostas a essas perguntas e a expressá-las em atos e palavras. O maior obstáculo para encontrar essas respostas é a nossa lentidão para procurá-las.

* ZYGMUNT BAUMAN (nasceu em Poznań, no dia 19 de novembro de 1925) é um sociólogo polonês. Serviu na Segunda Guerra Mundial pelo exército da União Soviética e conheceu sua esposa, Janine Bauman, nos acampamentos de refugiados polacos. Nos anos 1940 e ‘50 foi militante entusiasmado do Partido Comunista Polaco, até se desligar da organização devido ao fracasso da experiência socialistas no leste europeu. Graduou-se em sociologia na URSS e, por seu status de combatente, conseguiu ascender socialmente: saiu da condição modesta que seus pais lhe propiciaram durante a juventude e tornou-se professor universitário. Iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, de onde foi afastado em 1968, após ter vários livros e artigos censurados. Emigrou então da Polônia, por motivo de perseguições antissemitas, e na Grã-Bretanha tornou-se professor titular da Universidade de Leeds (1971 em diante). Recebeu os prêmios Amalfi (1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (1998, pelo conjunto de sua obra). É professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Para saber mais e conhecer quais obras desse renomado filósofo e sociólogo estão traduzidas no Brasil, clique aqui.
** PEGIDA, sigla para Patriotische Europäer gegen die Islamisierung des Abendlandes (em alemão) ou Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente (em português), é uma organização que se opõe à imigração de muçulmanos na Alemanha, com base na cidade de Dresden. Desde 20 de outubro de 2014, o PEGIDA organiza demonstrações públicas contra o governo alemão e aquilo que considera ser a islamização do Ocidente. Fonte: Wikipédia.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 29 de julho de 2016 – Internet: clique aqui.

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