Os desafios do Papa na viagem à terra natal de Wojtyla
Agência
Askanews
20-07-2016
Mais uma viagem que fará história no pontificado de
Francisco:
Jornada Mundial da Juventude de 27 a 31 de julho em
Cracóvia – Polônia
Ele
visitou a África Central apesar de os militares franceses desaconselharem-no;
circulou pelo México de norte a sul e de leste a oeste, entre a desconfiança do
governo Enrique Peña Nieto, o descontentamento dos narcotraficantes e as
críticas de Donald Trump; foi ao Congresso dos Estados Unidos para pedir
acolhida aos migrantes e a abolição da pena de morte; em três anos de pontificado tocou as "periferias" mais
problemáticas do globo, de Sarajevo à Armênia, do Equador à Albânia, da
região das Filipinas atingida pelo tufão aos cantos mais remotos de Cuba,
sobrevoou a China pela primeira vez na história dos papas e expressou o desejo
de visitar o Iraque.
Jorge Mario
Bergoglio não descansa quando viaja
para o exterior, coerentemente com a sua ideia missionária de Igreja, e um país da Europa
central como a Polônia parece ser, à primeira vista, uma meta pacífica da sua
peregrinação. Mas a viagem à terra natal
de João Paulo II, aonde o Papa Francisco vai se dirigir pela primeira vez
na vida, entre a quarta-feira, 27, ao domingo, 31 de julho, próximos, não é desprovida de desafios para o
primeiro pontífice latino-americano da história.
PROGRAMAÇÃO NA POLÔNIA
O papa parte às 14 horas da quarta-feira, 27 de julho, e será acolhido pelo presidente Andrej Duda e pelo arcebispo
de Cracóvia, Stanislaw Dziwisz,
secretário particular de Karol Wojtyla, às 16 horas. Seguem-se a cerimônia de
acolhida, um discurso às autoridades, sociedade civil e corpo diplomático, no
palácio de Wawel, o encontro privado com o presidente e, às 18h30, na catedral vizinha, um
encontro a portas fechadas com os bispos. O papa, explicou o padre Lombardi
no dia 20 de julho, na sua última coletiva como porta-voz vaticano antes de se
aposentar, "deseja fazer esse
encontro em forma dialogante e reservada".
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PARQUE BLONIA - Cracóvia - Polônia (ao centro da foto) Local do primeiro encontro de Papa Francisco com os jovens presentes à Jornada Mundial da Juventude |
Na quinta-feira,
28 de julho, o papa se dirige de
helicóptero para Czestochowa,
santuário mariano que teceu os seus destinos com a história nacional polonesa,
e, à tarde, voltando para Cracóvia,
presidirá o primeiro encontro da Jornada Mundial da Juventude (JMJ),
ocasião oficial da viagem, chegando, aliás, a bordo de um bonde elétrico com
jovens portadores de deficiências no parque Jordan, em Blonia, onde 600 mil jovens de todo o mundo estarão
esperando por ele.
A sexta-feira de
manhã será dedicada à visita dos campos de concentração de
Auschwitz e de Birkenau: o Papa
Francisco, destacou Lombardi, não vai fazer discursos, permanecerá em silêncio e rezará em privado, sozinho, na cela de São
Maximiliano Kolbe, que foi morto aqui.
"Eu
– anunciou ele mesmo recentemente – gostaria de ir àquele lugar de horror sem
discursos, sem pessoas, somente os poucos necessários... Mas os jornalistas
certamente estarão! Mas sem cumprimentar este ou aquele... Não, não. Sozinho. Entrar, rezar... E que o Senhor me dê a graça
de chorar."
Ele se encontrará com dez
sobreviventes da Shoá [Holocausto] e 25 "justos
das nações", incluindo uma família de poloneses exterminada por ter
escondido alguns judeus perseguidos. À tarde, o papa visitará o Hospital Pediátrico Universitário (UCH) em Prokocim e presidirá a Via Sacra com os jovens no parque de Blonia.
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ENTRADA DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE AUSCHWITZ (POLÔNIA) |
No sábado,
Francisco visitará o Santuário da Divina
Misericórdia em Cracóvia, construído no lugar onde Karol Wojtyla foi
operário da Solvay e dedicado a Santa Faustina Kowaslka, e lá irá confessar alguns jovens. Às 10h30, rezará a missa para
sacerdotes, religiosos, religiosas, consagrados e seminaristas. Almoçará
com 12 jovens no arcebispado, dois para cada continente e dois poloneses. À
noite, às 19 horas, chegará ao Campus
Misericordiae, às 19h30 presidirá
uma vigília de oração com a
presença, de acordo com as estimativas da Conferência Episcopal Polonesa, de 1,5 a 1,8 milhão de jovens.
Sábado
e domingo são o ápice e a conclusão da JMJ, jubileu dos jovens no marco do Ano
Santo da Misericórdia. No domingo, 31 de julho, último dia da viagem, o papa abençoará duas casas construídas pela
Cáritas polonesa para os pobres e idosos em dificuldade. Às 10 horas,
celebrará a missa de encerramento da JMJ
no Campus Misericordiae. À tarde,
o retorno a Roma, onde o seu avião deverá pousar às 20h25.
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"CAMPUS MISERICORDIAE" Local da missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia - Polônia |
DESAFIOS
Durante a sua viagem, o papa
irá enfrentar diversos desafios. O primeiro, óbvio, é o da segurança. A viagem de Francisco
ocorre em uma conjuntura geopolítica dramática, entre atentados terroristas em
várias partes da Europa e do resto do mundo, a dramática situação na Turquia,
uma União Europeia às presas com a imprevisível saída do Reino Unido (Brexit).
Tensões
que, de acordo com o Vaticano, porém, não deverão se refletir na visita papal. "Não há preocupações particulares na
Polônia em relação à segurança", assegurou padre Lombardi. Na Polônia,
"ocorreram recentemente cúpulas da Otan que foram realizadas de modo
absolutamente tranquilo", e "não consta que grupos tenham sido
removidos nos últimos dias por causa das preocupações". O clima, em suma, "é de grande
normalidade e tranquilidade".
Um
segundo desafio é o contexto político polonês. O governo, depois do
sucesso eleitoral do partido Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedliwość), presidido
por Jaroslaw Kaczynski e fundado em 2001 pelo próprio Kaczynski, junto com o
falecido irmão gêmeo Lech, é liderado, desde novembro passado, por Beata
Szydło. A equipe de governo conservador
tem ideias significativamente diferentes das do Papa Francisco em matéria, por
exemplo, de imigração.
"Nós
estamos na fronteira oriental da Otan e da União Europeia, e também estamos
hospedando centenas de milhares de ucranianos e bielorrussos. A maioria dos
ucranianos estão vindo ao nosso país", declarou em março passado o
ministro das Relações Exteriores, Witold
Waszczykowski, depois de um encontro preparatório no Vaticano. "Isso,
às vezes, é esquecido pelos nossos parceiros ocidentais. Nós não estamos
esquecendo os desafios que vêm do Sul, estamos tentando participar da solução
dessa onda migratória, mas lembramos os nossos parceiros ocidentais que temos os nossos problemas com os migrantes
provenientes da Ucrânia."
O
papa, como é habitual quando é convidado de outro país, certamente não entrará
em rota de colisão com o executivo polonês. Mas não é nenhum segredo que a sua ideia de acolhida não tem muitas
sintonias com o mainstream [pensamento
dominante] político do grupo de
Visegrado (Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia), a ponto de
levar um cardeal próximo do papa, o arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, a temer, nos últimos meses, o ressurgimento de
uma invisível "cortina de ferro", que marca diferenças profundas
sobre a crise migratória dentro da União Europeia.
O
próprio Schönborn, no entanto, em uma entrevista recente ao jornal austríaco Der Standard, apontou que, em relação às
ondas de migração anteriores na Áustria, provenientes da Hungria e da
Tchecoslováquia, hoje aparece uma diferença: "Aqueles refugiados eram
europeus, tinham mais ou menos a mesma cultura, muitos a mesma religião. A
integração dos bósnios, que, em sua maioria, eram muçulmanos, também foi mais
rápida por causa do pertencimento cultural comum. Agora, estamos lidando com uma migração do Oriente Médio, da África, e,
neste caso, a diferença cultural e religiosa certamente é um fator que cria
preocupação". Na vigília de oração da JMJ no sábado à noite, além disso,
entre os três jovens que irão dar o seu testemunho, há também um jovem sírio de Aleppo.
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ROCCO BUTTIGLIONE Filósofo e político italiano muito identificado com o papa São João Paulo II e influente durante o seu pontificado |
No
pano de fundo da viagem do papa à Polônia, por fim, há o duplo Sínodo sobre a
família, que ocorreu no Vaticano em 2014 e em 2015, e que se
concluiu com a [exortação apostólica] Amoris
laetitia, de Francisco.
Os bispos poloneses, no
Sínodo, manifestaram um certo desconforto em relação ao reformismo bergogliano. E não faltaram reservas
também em relação à sua exortação apostólica. O Vaticano, no entanto, jogou com
antecedência. No L’Osservatore Romano,
o "wojtyliano" Rocco
Buttiglione defendeu o Papa Francisco dos "sábios" que
"custam" a entender o pontífice argentino sobre a questão da família
e, particularmente, sobre o ponto nodal da comunhão aos divorciados recasados,
"criticam-no, opõem-no à tradição da Igreja e, particularmente, ao seu
grande antecessor São João Paulo II".
No
jornal vaticano dirigido por Giovanni Maria Vian, Buttiglione, filósofo e
político, além de colaborador de João Paulo II em alguns textos-chave do
pontificado de Karol Wojtyla, ressalta que "São João Paulo II e o Papa Francisco certamente não dizem a mesma
coisa, mas não se contradizem sobre a teologia do matrimônio. Em vez disso,
eles usam de modo diferente e em situações diferentes o poder de ligar e de
desligar que Deus confiou ao sucessor de Pedro".
Na
mensagem de vídeo à Polônia em vista da viagem, aliás, o próprio papa disse:
"Agradeço aos bispos e aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas, aos
fiéis leigos, especialmente às famílias, às quais levo, idealmente, a exortação
apostólica Amoris laetitia. A ‘saúde’ moral e espiritual de uma nação
pode ser vista pelas suas famílias: por isso, São João Paulo II trazia em
seu coração os namorados, os jovens casais e as famílias. Continuem nesse
caminho!".
Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão
original deste artigo, clicando aqui.
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