«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Refletindo sobre greves estudantis

Uma luta que não é deles

José de Souza Martins

Os estudantes universitários grevistas, os dos cadeiraços, das ofensas e ameaças, querem a sociedade ultrapassada de uma geração vencida, diz sociólogo
PASSEATA DE PROFESSORES, FUNCIONÁRIOS E ALUNOS DA USP
Junho de 2016

A notícia do fim da greve dos funcionários da Universidade de São Paulo (USP) veio com uma ressalva. A de que poderá ser retomada após o término das férias do calendário escolar. Para quem, como eu, cresceu dentro de uma fábrica e presenciou a greve dos 300 mil, em 1957, soa estranho que alguém pare para descansar da paralisação e a ela retornar após o merecido descanso.

As greves universitárias do período pós-ditatorial fluem no cenário adverso da peculiar impotência do paredismo de classe média. Não incidem sobre atividades produtivas. Nenhuma riqueza deixa de ser criada, ninguém lamentará que alunos deixem de estudar, funcionários deixem de funcionar, professores deixem de ensinar. As perdas são invisíveis. Quem se importará com os enormes danos que bibliotecas fechadas durante meses causam a estudantes de pós-graduação que tem teses para concluir e prazos rígidos para cumprir na Universidade e nas agências de fomento que lhes concedem bolsas de estudo? Prazos que a greve não modificará. Em nossa cultura alienada, que de vários modos valoriza a ignorância, estudar não é necessariamente um bem. Para muitos é um castigo. Concretamente, ninguém perde com paralisações em setores que não produzem diretamente mais-valia, para irmos ao vocabulário que dá sentido às verdadeiras greves, as fabris. Ao contrário, são setores que vivem à custa de uma parcela da distribuição da mais-valia extorquida dos trabalhadores do setor produtivo.

As três universidades públicas paulistas são mantidas às custas de uma proporção não pequena da arrecadação do ICMS, recolhido sempre que alguém compra alguma mercadoria de alguém que não seja propriamente bandido e sonegador e que, portanto, emite nota fiscal para pagar o devido imposto. Os favelados da favela de São Remo, encravada em terreno da USP, e os favelados da favela do Jaguaré, a quatro quarteirões da Cidade Universitária, são comantenedores da Universidade de São Paulo. Quando, a duras penas, compram um quilo de feijão ou de arroz ou um litro de leite para refeição da família e das crianças, pagam parte do ICMS que mantém a Universidade e assegura à pequena burguesia que a frequenta o ensino de primeiro mundo que seus filhos nunca terão. A USP é agora mesmo anunciada como a ocupante do 10º lugar, a Unicamp do 12º e a Unesp do 36º no ranking das Universidades do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Da Cidade Universitária não se vê a favela que se espalha pelo morro do Jaguaré, no entanto tão perto, e a miséria dos exíguos barracos de chão de terra batida, com a bacia da privada encravada num canto do cômodo único, com a mesa de caixote e a cama coletiva lado a lado. De lá, porém, se vê perfeitamente o próspero cenário dos muitos carros estacionados na USP, do vai e vem dos beneficiários do ensino público gratuito, democrático e laico, da alimentação subvencionada, do transporte gratuito, das bolsas de estudo e até das moradias gratuitas para muitos. Não se trata aqui de fazer a crítica fácil a quem se deixa manipular ou arrebanhar para causas que tem sua razão. Trata-se de tentar desvendar o nó que se esconde por trás das tensões que aos poucos vão consumindo a Universidade.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS
Sociólogo e Professor emérito da FFLCH/USP

A facilidade com que alunos são mobilizados para causas que não são as suas, as dos funcionários ou as dos professores, apenas sugere as peculiaridades da crise de gerações entre nós nos dias atuais. Antes da ditadura, as novas gerações tinham uma causa e uma esperança, a da definição de um projeto de nação para todos, confirmação de uma história social em andamento. Na ditadura, o projeto foi truncado e reprimido, quem o defendia foi perseguido, quem insistia foi preso, cassado, banido ou morto. A crise de gerações ganhou outro contorno, o da vítima, o da generosa disponibilidade até para dar a vida em nome do sonho de uma pátria livre e soberana, justa e democrática. Com o fim da ditadura, o sonho aparentemente acabou, perdeu conteúdos, cedeu lugar aos arranjos e conveniências de poder, à busca de privilégios corporativos. As novas gerações já não têm uma causa. Tudo já está pré-formatado para elas pelos outros, pelos que não tendo causa própria se apossam do direito dos jovens de terem sua própria causa, suas próprias perguntas e suas próprias respostas. No afã autoritário do mando e da imposição, cada um a seu modo, professores e funcionários usurparam o que é próprio das novas gerações, que é recriar o mundo segundo seu modo de vê-lo e seu modo de querê-lo. Hoje, os estudantes dos movimentos grevistas nas universidades públicas, os dos cadeiraços, das ofensas e ameaças aos professores, querem o mundo e a sociedade ultrapassados de uma geração vencida, a geração fracassada que levou o Brasil ao abismo do mensalão e do petrolão, da Operação Lava Jato, da corrupção descarada, do poder pelo poder. Não lhes ensinaram a ver suas próprias contradições nem a reconhecer sua missão no mundo. Apenas a gritar sem falar, calar sem ouvir, espernear sem caminhar.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 24 de julho de 2016 – Pág. E2 – Internet: clique aqui.

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