JÁ VAI TARDE, CUNHA!
Cunha renuncia e manobra para tentar
evitar cassação do mandato
Redação
Acordo que está sendo costurado prevê que presidente da
CCJ devolva
caso para colegiado em decisão monocrática
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EDUARDO CUNHA Deputado Federal pelo PMDB do Rio de Janeiro chora durante anúncio de sua renúncia à presidência da Câmara dos Deputados Brasília (DF) Quinta-feira, 7 de julho de 2016 |
A
renúncia de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à
presidência da Câmara veio acompanhada de uma estratégia para protelar seu processo de cassação e, desse modo, tentar manter o foro privilegiado no Supremo
Tribunal Federal e evitar que o processo caia nas mãos do juiz Sérgio Moro.
Cunha apresentou, após
renunciar à presidência, um requerimento na Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) para que seu processo de cassação seja revisto, uma vez que ele não é
mais presidente da Casa. O acordo que está sendo costurado é para que o presidente do
colegiado, Osmar Serraglio (PMDB-PR), seu
aliado, devolva, em uma decisão monocrática, todo o processo ao Conselho de
Ética e retarde sua cassação. Há
controvérsia, porém, se Serraglio pode tomar essa decisão sozinho.
Com
o gesto, ele também tenta assegurar que,
ainda que seu processo avance, tenha um aliado na presidência da Casa [Câmara
dos Deputados]. Ontem, após o anúncio, o presidente interino da Câmara, Waldir
Maranhão (PP-MA), convocou novas eleições para a próxima quinta-feira. Mas logo
depois líderes da Casa se reuniram e
anteciparam a eleição para terça-feira – mesma data da análise do recurso de
Cunha na CCJ.
O
relatório desse recurso foi apresentado anteontem. Nele, o relator Ronaldo
Fonseca (PROS-PR) acatou apenas um dos 16 argumentos de Cunha que pediam a
anulação do processo na CCJ. A avaliação de seus aliados e advogados é a de que
o recurso sepultou as chances de salvar seu mandato e motivou a renúncia.
Assim,
uma eventual cassação de Cunha será
conduzida já pelo novo presidente da Casa.
Hoje,
a Câmara dos Deputados é dividida em
quatro grupos. Três deles integram a base do presidente em exercício da
República, Michel Temer:
1º)
O Centrão, no qual Cunha exerce
ainda alguma influência e cujos principais partidos são PP, PSD, PSC e PTB;
2º) a antiga oposição, formada
por PSDB, PPS e DEM; e
3º)
o PMDB.
4º)
A quarta força é a oposição,
liderada por PT, PDT e PC do B.
No
total, 14 nomes se colocam como
candidatos, mas são considerados favoritos três deputados: Rogério Rosso
(PSD-DF), Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Fernando Giacobo (PR-PR). Com tantos
candidatos, o discurso oficial do Palácio do Planalto é de não interferir no
processo por ora e esperar que a disputa seja mais restrita.
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ROGÉRIO ROSSO (PSD-DISTRITO FEDERAL) é o deputado federal que Eduardo Cunha gostaria de ver na presidência da Câmara |
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Cunha chegou ao Congresso
por volta das 13h, depois de obter autorização do Supremo Tribunal Federal para
poder entrar no Congresso. Foi direto para a
Secretaria-Geral da Mesa entregar sua carta de renúncia. No trajeto, ouviu
vaias de servidores. Depois, seguiu ao Salão Nobre do Congresso, onde, às 13h25, começou a ler sua carta de
renúncia.
Nela,
criticou a gestão de Waldir Maranhão
(PP-PE) e disse que seu gesto busca
trazer estabilidade política à Casa. “É público e notório que a Casa está
acéfala, fruto de uma interinidade bizarra, que não condiz com o que o País
espera de um novo tempo após o afastamento da Presidente da República. Somente
a minha renúncia poderá pôr fim a essa instabilidade sem prazo.”
Destacou a abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff e disse que, por isso,
passou a ser alvo de perseguição. “Foi o
marco da minha gestão, que muito me orgulha e que jamais será esquecido.
(...) Estou pagando um alto preço por
ter dado início ao impeachment.” [Engane-me que
eu gosto! E os crimes dos quais ele é acusado e pelos quais já é réu no Supremo
Tribunal Federal? E a quantidade enorme de propinas recebidas de empresas
privadas e estatais ao longo de sua atuação política? Enfim, papel aceita
tudo...]
Voltou a acusar a
Procuradoria-Geral da República de seletividade na investigação contra ele e
chorou ao citar seus familiares. “Quero
agradecer especialmente a minha família, de quem os meus algozes não tiveram o
mínimo respeito, atacando de forma covarde, especialmente a minha mulher e a
minha filha mais velha. Usam a minha família de forma cruel e desumana visando
me atingir.”
Prerrogativas
Como
Cunha renunciou ao comando da Câmara, ele
perderá algumas prerrogativas que mantinha mesmo afastado do cargo. A residência oficial em Brasília deverá ser
desocupada. O prazo para que a casa seja devolvida costuma ser de 30 dias. Cunha deve perder o carro oficial também,
assim como a escolta da Polícia Legislativa. A segurança – que pode ser requisitada por qualquer parlamentar – só será mantida se o deputado solicitar.
O fim da lenda Cunha
Dora Kramer
Poderosos podem muito, mas não podem tudo
EDUARDO CUNHA é cercado por jornalistas e outras pessoas antes do anúncio de sua renúncia à presidência da Câmara dos Deputados Brasília, 7 de julho de 2016 |
A renúncia de Eduardo Cunha
à presidência da Câmara põe um ponto final na lenda urbana segundo a qual seus poderes seriam ilimitados, sua rede de proteção inexpugnável e sua influência no mundo político inesgotável. Conforme já sobejamente
demonstrado na derrocada do PT, e de Lula em particular, poderosos podem muito, mas não podem tudo. Há limite para o erro,
que se localiza exatamente na perda de apoios à medida que aliados vão
percebendo que determinadas alianças
rendem mais prejuízos que benefícios.
Cunha afastou-se com um
discurso cujo prazo de validade estava vencido. Não mencionou as agruras
que enfrenta, não fez referência à pá de cal posta sobre ele no dia anterior na
sessão da Comissão de Constituição e Justiça, não falou sequer em “renúncia”.
Procurou dar a impressão de que se afastava para permitir que a Câmara pudesse
se livrar de uma presidência “bizarra”, referindo-se ao antigo parceiro Waldyr
Maranhão.
A ideia era construir uma
saída menos desonrosa, como se fosse possível. Na verdade, uma hipótese levantada pelo
presidente em exercício Michel Temer, nas conversas que teve com ele a respeito
do tema. Um conto da carochinha, relatado apenas para conseguir quebrar a
resistência dele à renúncia. Outras histórias contadas a fim de que a fera ferida
não se sentisse irremediavelmente sem saída foram as de que ele poderia com seu gesto levar seus pares
a lhe preservar o mandato (medida protetiva contra a aproximação do juiz
Sérgio Moro) e também influir na eleição
do próximo presidente da Câmara.
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CARLOS MARUN Deputado Federal pelo PMDB do Mato Grosso do Sul tem sido um dos mais fiéis e aguerridos aliado, articulador e defensor de Cunha na Câmara Federal |
Duas
tolices
Na
verdade, três, pois a primeira subjacente às outras duas seria a garantia dada
a ele pelo Palácio do Planalto. O
governo quer vê-lo longe. E, ainda que não quisesse, não teria instrumentos
para transformar a influência do repúdio da sociedade a Cunha sobre os
deputados em votos eleitoralmente suicidas. A menos que o plano da Câmara seja assinar um contrato de
desmoralização coletiva, Cunha será cassado. Quanto à hipótese de ingerência na eleição do próximo presidente,
trata-se de uma possibilidade inexistente, risível mesmo.
Eduardo Cunha hoje é visto
como má companhia. Além disso, não dispõe mais de instrumentos para manter
unida uma tropa. Acabou-se, perdeu tudo, entre outros motivos porque o excesso de autoconfiança
o fez esticar a corda muito além dos limites suportáveis por possíveis aliados.
Ele não é mais referência que, agora, volta a ser o Palácio do Planalto e seus
eficientes mecanismos de convencimento.
O agosto de Dilma e Cunha
Eliane
Cantanhêde
Há uma grande interação entre Dilma e Cunha, mas por
motivos
muito diferentes
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EDUARDO CUNHA E DILMA ROUSSEFF Ambos com destinos muito semelhantes por motivos diferentes!!! Agosto pode ser o mês decisivo para os dois!!! |
É
incrível como os arqui-inimigos Dilma Rousseff e Eduardo
Cunha vão caminhando para o ocaso político, lado a lado, semana a
semana, e podem chegar juntos ao cadafalso em agosto, o mês do cachorro
louco na política brasileira, quando Getúlio Vargas se matou, Jânio Quadros
renunciou, Juscelino Kubitschek morreu.
Dilma não foi pessoalmente se
defender na Comissão de Impeachment e
enviou uma carta em que fala menos para os senadores, que já têm seus votos
bastante definidos, e mais para sua biografia e para a opinião pública. Nessa
carta, disse que errar é humano, mas, no seu caso, sem “desonestidade, covardia
ou traição”. O impeachment, acusou, é
uma “injustiça” e uma “farsa”.
Quanto
a Cunha: ele renunciou à presidência da Câmara para ganhar ainda mais tempo e
principalmente para tentar salvar o mandato, mas é tarde demais: não vai
escapar da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nem do plenário da Câmara
e muitíssimo menos da Justiça.
No máximo, ele e seus
seguidores vão tentar manobrar com os prazos. Por exemplo, marcando para o mesmo dia, a
próxima terça-feira, a votação da cassação de Cunha na CCJ e a eleição do novo
presidente no plenário da Câmara. Cria-se, assim, uma relação direta de causa e
efeito: elege-se o sucessor para livrar a cara de Cunha? Mas pode ser em vão.
Ambos, Dilma e Cunha, sabem
que estão perdidos. O mundo político considera pule de dez que o impeachment dela será
aprovado em agosto pela comissão e em seguida pelo plenário do Senado. E
trabalha ativamente para evitar que Cunha, já ferido de morte, tenha fôlego
para definir como e quando será seu próprio enterro.
Há um esforço
suprapartidário especialmente para evitar que possa fazer o sucessor na
presidência.
Seria como morrer num dia e reencarnar no outro na pele de um aliado. Faria,
assim, uma dupla pressão sobre o Planalto, com o líder do governo, André Moura,
e com um futuro presidente da Câmara tirado do Centrão.
A
estratégia de Dilma, de Lula e do PT é adiar ao máximo a votação final do
impeachment, não para tentar reverter votos ou chegar a um resultado
surpreendente a favor dela, mas sim para manter uma excelente plataforma para
enfraquecer e minar as chances de sucesso do interino Michel Temer.
Temer,
porém, não sangra sozinho. Enquanto o
Brasil tiver dois presidentes e ainda houver dúvidas quanto à sua confirmação,
por mínimas que sejam, mais lenta e mais difícil é a recuperação da confiança,
dos investidores e, portanto, da economia – e dos empregos.
Quanto
a Eduardo Cunha: seus dois problemas agora são os prazos e suas contas com a
Justiça. Ele está estrebuchando, mas tenta empurrar o fim para agosto,
aproveitando-se do início do recesso branco do Congresso na próxima
quinta-feira. E, na Justiça, ele dá murro em ponta de faca.
Sem a presidência da Câmara,
seus muitos processos no Supremo Tribunal Federal saem do plenário para uma das
turmas e podem ganhar mais celeridade. E, quando perder o mandato de deputado, ele
perderá o próprio direito a foro privilegiado. Trocando em miúdos: vai sair do
Supremo e cair nas garras do juiz Sérgio Moro, já implacáveis com sua mulher,
Claudia Cruz.
Em
resumo, há uma grande simbiose entre Dilma e Cunha, mas por motivos muito
diferentes e com destinos também bastante distintos. Dilma faz o caminho de volta para Porto Alegre, de onde nunca deveria
ter saído. Cunha está com um pé na prisão, para onde já poderia ter ido há
anos, talvez décadas. Eles já são cartas fora do baralho e o Brasil quer
saber como, para onde e com que peças esse jogo vai continuar.
P.S.: Com a Olimpíada, em agosto,
bilhões de pessoas mundo afora vão estar olhando para tudo isso sem entender
nada. Se nem a gente entende...
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