«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

“Diversidade é vida – Uniformidade é a morte”

O mais fácil é atacar e diminuir, especialmente
nos campos dolorosos

Entrevista com Leandro Karnal
Historiador, antropólogo, filósofo e professor da Unicamp – é um irreverente pensador do comportamento humano passado e presente.

Renata Valério de Mesquita

Leandro Karnal dissemina o conceito de tolerância ativa, postura que celebra a pluralidade de opiniões, em vez de combatê-la ou simplesmente aturá-la
LEANDRO KARNAL

Quando o ensino religioso se tornou lei no Brasil, em 1989, o historiador, antropólogo, filósofo e professor Leandro Karnal logo se mobilizou para evitar que a aula se tornasse espaço de pregação de doutrinas. Produziu, com a colega Elaine Moura, uma série de livros didáticos com reflexões sobre história da religião, antropologia religiosa e tolerância ativa. Embora não seja novo, este último conceito propõe que não basta tolerar a existência de outros com opiniões diferentes; é preciso achar fundamental que haja diversidade de credos, culturas e etnias para a riqueza do mundo. Nesta entrevista, Karnal estende o debate para o fundamentalismo, a internet e a escuta.

PLANETA – Diante dos extremismos político, religioso e a intolerância aos estrangeiros, dentro e fora do país, é possível pensar a tolerância ativa como uma solução?

KARNAL – A tolerância ativa é uma utopia, e a utopia serve para reformar a prática atual. A utopia tem a função de estabelecer um padrão para a mudança. A intolerância é um crime que deve ser combatido, e a tolerância passiva é a postura dominante hoje. Nesse contexto, a tolerância ativa é a meta. Eu sou A, ele é B, e o mundo é melhor por causa disso. “A uniformidade é a morte”, como diz Octavio Paz – e Paz era considerado conservador. Diversidade é vida. Mas a palavra tolerância, em si, tem uma raiz terrível. Tolerância vem do latim e significa “sofrer resignado”. Não é uma boa palavra. “Tolerante” é alguém que baixa a cabeça. A tolerância ativa dá um sentido de que, exatamente porque domino a minha cabeça, posso baixá-la, ou pelo menos não deixá-la se abater.

Teria outra palavra melhor?

KARNAL – Você não deve se ater à etimologia, porque vai rejeitar as palavras. O que é um fulano entusiasmado? En + theos, “em Deus”. O que é alguém fanático? É alguém que está dentro do templo. O que é alguém profano? Aquele que está na frente do templo. Ou seja, as palavras não podem ser consideradas em si, mas, nesse caso, ela mostra uma admiração indireta que temos pela força da intolerância. Pagamos para ver alguém batendo em alguém sem motivo – o que é uma patologia curiosa. E quem bate mais é o macho alfa, não é o tolerante. A tolerância é vista como feminina, fraca. Tolera quem não tem condições de mudar. Quem tem condições muda. Então, um dos motivos para a intolerância que está na moda é que hoje ela é sinal de força e de ação. E todos os manuais de autoajuda indicam que você deve ser afirmativo, colocar sua opinião, olhar no rosto. Porque é sinal de decisão, de clareza, de caráter, e assim por diante.
AS PESSOAS ESTÃO COM MUITA DIFICULDADE EM OUVIR OS OUTROS ! ! !
QUASE NINGUÉM DESEJA COMPARTILHAR, DEBATER DE VERDADE.

Parece que as pessoas não conseguem mais conversar e expor cada um o seu lado. Ou isso é uma impressão?

KARNAL – Não, não estão conseguindo mesmo. Não é fácil ouvir as pessoas. Não é fácil contrapor-se às ideias. O mais fácil é atacar e diminuir – especialmente nos campos dolorosos, como a política. A sociedade hoje não tolera a divergência, não escuta o outro, e isso é um comportamento autista. Falei isso em uma palestra. Aí, levantou a mãe de um autista, começou a chorar e disse que não posso usar essa palavra. Respondi a ela em latim: “Quod erat demonstrandum” (“Como queria demonstrar” – ou seja, aquela mãe com essa atitude comprovou o que Karnal havia afirmado!). Eis o autista contemporâneo! Ela não ouviu e só pegou aquilo que a toca. Aí, em outra ocasião substituí “autista” por “esquizofrênico” e a Sociedade Brasileira de Psicanálise me escreveu dizendo que não posso usar o termo dessa forma. Agora eu pergunto: a gente pode usar alguma palavra no mundo?

Por que as posições se mostram mais polarizadas atualmente?

KARNAL – Uma professora de gênero na Unicamp dava uma palestra e um aluno da sala perguntou quantos gêneros sexuais havia no planeta Terra. Ela parou, pensou e respondeu: “Provavelmente, 7 bilhões”. Mas a grande questão é que tanto o pensamento conservador como parte da esquerda querem produzir uniformização. Porque a uniformização tranquiliza o pensamento. Quando você divide o mundo de maneira maniqueísta, entre petralhas e coxinhas, estabelece uma tranquilidade de pensamento. Porque não é mais necessário passar pelo debate – você tem apenas dois polos, o preto e branco.

É mais fácil, não tem de pensar…

KARNAL – A liberdade à qual estamos condenados é incômoda. Ela causa a má-fé, quer dizer, vou atribuir a decisão a terceiros. Não é fácil viver na incerteza, em liberdade. É por isso que hoje cresce tanto a sedução do fundamentalismo. Em um mundo em que tudo é mais ou menos líquido, como diz (o sociólogo polonês) Zygmunt Bauman, o fundamentalista só transmite certezas. Isso é muito sedutor.

Mas essa tendência não existia antes?

KARNAL – As pessoas não tinham acesso à informação. Imagine o que eram as bibliotecas medievais, comparativamente, com a facilidade de acesso da internet. Essas confusões são contemporâneas. E são positivas, porque o saber era muito concentrado, pouco democrático, muito desequilibrado há algum tempo. Derrubamos o discurso da autoridade e instituímos a terra da liberdade total, em que tudo é uma questão de opinião. Isso é mais forte nas ciências humanas do que nas exatas. Então, como ser tolerante com o outro, se a verdade é opinativa? Todo mundo pode fazer do que jeito que quiser. Toda escolha é validada pelo sujeito, e não mais pela sociedade. Há 300 anos, ninguém escolhia sua profissão, nem com quem ia casar. Hoje podemos escolher. E, curiosamente, não nos tornamos mais felizes – nos tornamos mais livres para escolher a infelicidade.

Fonte: Revista PLANETA – Entrevista – Edição nº 520 – 01/06/2016 – Internet: clique aqui.

“Vivemos uma guerra civil verbal”

Entrevista com Jorge Forbes
Psicanalista e médico psiquiatra, preside o Instituto da Psicanálise Lacaniana e é um pensador sobre as novas formas de viver na pós-modernidade

Renata Valério de Mesquita

Respeitado estudioso de tendências mundiais, o psicanalista Jorge Forbes chama à reflexão sobre a falência das verdades estanques e a busca das pessoas por grupos que tirem delas a responsabilidade de pensar por si mesmas

Enquanto o surto precoce da gripe H1N1 preocupa os brasileiros, o psicanalista e psiquiatra Jorge Forbes chama a atenção para outro tema, uma crise social do país que, a seu ver, é tão importante ou mais que a gripe: a falta de diálogo entre as pessoas, que estão aferradas a verdades estanques.

“Essa crise social pega muito mais pessoas e o país está dividido, mas não temos vacina para isso”, comenta. Ele diagnostica o problema como uma questão da vida pós-moderna, mas ressalta que as reflexões sobre as mudanças socioculturais deste momento ainda são muito esparsas e pequenas na imprensa e no universo acadêmico. “Estamos muito atrasados para gerar conceitos que possam captar uma nova realidade do ser humano.” Forbes comenta essas questões a seguir.

PLANETA – Ultimamente temos visto muitas brigas em família e entre amigos quando o tema é política. Está faltando diálogo ou isso é uma forma de diálogo?

FORBES – Concordo que estamos vivendo uma crise de tolerância como nunca dantes vista. Ela fica clara pela desistência do diálogo em todas as camadas. Pessoas muito próximas estão preferindo não abordar mais o assunto política porque sabem que, se o abordarem, vão ter problemas sérios. O que vemos é que estamos em uma guerra civil verbal. A um passo de uma guerra civil carnal. E quando o diálogo termina, o próximo passo é a agressão física. Por essa percepção, a revista resolve dizer “opa, gente, peraí, vamos refletir”.

Já vimos agressões físicas em manifestações diversas.

FORBES – Sim, já está ocorrendo. Se existe tal violência que justifica deletar uma pessoa, dar um murro no outro, separar um casal e fazer irmãos brigarem, é porque as pessoas estão aferradas a verdades estanques. Hoje, porém, não existe mais uma só verdade. E isso é uma tendência da pós-modernidade. As verdades são todas provisórias. (O psicanalista francês) Jacques Lacan disse que a maior verdade que você pode alcançar é a “verdade mentirosa”.

Mas em algum momento existiu uma verdade absoluta ou apenas se acreditava nela?

FORBES – Até uns 40 anos atrás, o laço social era vertical e padronizado. E quando você padroniza, tem meios de estabelecer o verdadeiro e o falso, uma verdade superior. Não tínhamos outra visão. Agora, na pós-modernidade, é evidente que verdade é um construto lógico. Sendo assim, sempre há mais de uma forma de construir uma verdade. Por exemplo, os idiomas. Quando você olha por um único binóculo, acha que o mundo é aquilo. Casa é casa, carro é carro. Quando aprende uma segunda língua, aprende uma segunda visão de mundo. Uma terceira língua, uma terceira visão. Estamos entrando em uma época em que a verdade não é mais referência estável ao laço social. Em todos os níveis o laço social será estabelecido por certezas não demonstráveis. Por exemplo, não há nenhuma razão possível, nenhuma verdade que explique o porquê de você ter um filho, muito menos por que morreria por ele. Mas tente fazer uma política sem a possibilidade de explicação. Então, a política tem de ser totalmente reinventada.

Como reformar esse modelo político?

FORBES – Não há nada a melhorar no sistema que nos levou à situação atual no Brasil. Tem de jogar fora. Mas qual vai ser a política? Quem descobrir vai ganhar um Prêmio Nobel. Vamos ter de descobrir isso antes de nos matarmos. E acho que o brasileiro já está sensível à questão. A “turma do deixa disso” está entrando em campo. Mas precisa ter argumentos melhores para apontar um caminho político possível que não seja a guerra.
RAÚL CASTRO CONVERSA COM BARACK OBAMA
durante histórica visita do Presidente dos Estados Unidos à Cuba
Segunda-feira, 21 de março de 2016

Há algum exemplo político de adequação à pós-modernidade?

FORBES – Já vemos alguns testes dessa reinvenção. Um exemplo disso é o discurso do presidente Barack Obama em Cuba. Ele escolheu se mostrar como um líder que não fala desde o local do poder, da potência e da arrogância, do “eu sei mais”. Ele fez um discurso a partir das escolhas dele. Quando ele diz frases como “vou dizer o que penso que é melhor para um país”, é como se estivesse dizendo: “Sei que a gente pensa diferente – se não pensássemos não estaríamos brigados esses anos todos. Mas tenho o direito de dizer a vocês o que penso, não tenho? E vocês, por sua vez, de dizerem o que pensam”.

Diante da polarização, escolher um lado é uma necessidade humana?

FORBES – Não. Os lados deveriam ser escolhidos provisoriamente. A tendência da pós-modernidade é que as pessoas se reúnam em grupos e os desfaçam depois de um tempo. Quando você faz uma escolha, quer compartir seu prazer, a expressão dessa escolha, com outras pessoas. Por isso há grupos que gostam de carros antigos, de viajar para a Disney, de filosofia…

Quando esses grupos se tornam nocivos?

FORBES – Quando aquilo que, num primeiro momento, é levado para um compartir vira, num segundo momento, uma fortaleza, um grupo de defesa. A instabilidade da verdade faz as pessoas buscarem transformar grupos de pertencimento em grupos radicais. Quando se tem dez coisas e se escolhe uma, a única certeza que tenho é que perdi nove. O que num momento era opção passa a ser verdade absoluta. E a preguiça de se responsabilizar por seus desejos leva as pessoas a querer ter o conforto do grupo. Se escolhe uma religião e existe outra, quer dizer que talvez outra pessoa possa estar errada. E ela já escolheu uma religião para não estar errada. Essa foi a resposta dos extremistas do Estado Islâmico. Dá muito mais trabalho defender uma postura mais equilibrada. É bem mais tranquilo ter um pastor dizendo o que você deve fazer, pensar, comer e vestir. Uma escolha é sempre um ato arriscado.

Fonte: Revista PLANETA – Entrevista – Edição nº 520 – 31/05/2016 – Internet: clique aqui.

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