500 líderes religiosos contra o engano do terrorismo
O “espírito de Assis” ressurge em tempos
sombrios e desafiadores
Entrevista
com Marco Impagliazzo
Presidente
da Comunidade de Santo Egídio – Itália
Gian Guido
Vecchi
Jornal
“Corriere della Sera” – Milão (Itália)
18-09-2016
Para a Comunidade de Santo Egídio, não foi fácil levar
adiante o espírito de Assis. No início, mesmo entre os católicos, havia a ideia
de que o evento desejado em 1986 por João Paulo II devia permanecer como algo
único.
MARCO IMPAGLIAZZO |
Marco Impagliazzo, 54 anos, professor de
História Contemporânea da Universidade para Estrangeiros de Perugia, desde 2003
é presidente da Comunidade de Santo Egídio. Trinta anos depois da intuição de Wojtyla, Assis volta a ser a capital
mundial da paz e do diálogo.
Junto
com as famílias franciscanas e a diocese, a Comunidade Santo Egídio organizou o
encontro "Sede de paz. Religiões e
culturas em diálogo":
* mais de 500 líderes
religiosos e personalidades da cultura,
* seis prêmios Nobel da Paz,
* 29 "painéis" de
discussão em três dias.
O
encontro iniciou nesse domingo, com o presidente da República italiana, Sergio Mattarella. Na terça-feira, o Papa Francisco vai acompanhar todo o
dia conclusivo.
Eis
a entrevista.
Por
que Assis novamente, hoje?
Marco
Impagliazzo:
Porque era necessário voltar para onde se tinha começado. A Comunidade fez com
que o espírito de Assis não permanecesse apenas algo simbólico, mas se
encarnasse a cada ano na vida de muitas cidades na Europa, nos Estados Unidos,
na Terra Santa. Houve momentos memoráveis, como em 1989, quando, na Polônia,
antes da queda do Muro, levamos os muçulmanos para Auschwitz...
Mas
o que é o “espírito de Assis”?
Marco
Impagliazzo: O
diálogo entre as religiões, não ser
uns contra os outros, mas trabalhar
juntos por alguns objetivos: a paz, acima de tudo. Não significa
sincretismo, não é um diálogo teológico. É um compromisso comum para vencer as muitas formas de pobreza e de
desigualdade no planeta: fazer ouvir a voz das religiões ao lado das
pessoas que sofrem.
PAPA JOÃO PAULO II ladeado por dezenas de lideranças religiosas de todo o mundo na primeira edição do encontro de Assis, na Itália |
O
que mudou nesse meio tempo?
Marco
Impagliazzo: Há
30 anos, o mundo era outro, dividido pela Guerra Fria; a ideologia comunista
ainda era muito forte, e metade da Europa não era livre. Depois, tudo mudou,
veio a globalização. Hoje, as guerras
não são mais feitas pelas ideologias, mas pelo dinheiro: tráfico de armas,
ouro, diamantes, riqueza. Além disso, insinuou-se o vírus do terrorismo. João Paulo II já tinha intuído que as
religiões deviam se ajudar para superar todo laço com a violência.
Francisco
repete que há uma “guerra mundial em pedaços”, mas “não é uma guerra
religiosa”. Há alguns dias, ele disse: “Eu gostaria que todas as religiões
dissessem: matar em nome de Deus é satânico”.
Marco
Impagliazzo: Esse
discurso deve ser feito com grande clareza. No mundo globalizado, o homem
navega ao largo, e o papel das fés é ainda mais importante. Nem todas as
religiões acreditam em Satanás. O mal é
dito de modos diferentes, mas é mal. É preciso dizer isso com as palavras
do Patriarca Bartolomeu, que ele verá em Assis: toda chamada guerra religiosa é
uma guerra contra a religião. O fundamentalismo terrorista trabalha
para destruir os laços e a paz social, e colocar-nos
uns contra os outros, desencadeando a reação contra os estrangeiros. Não
devemos cair nessa armadilha, respondendo com a mesma lógica.
Fala-se
de 26 delegações. A presença muçulmana nunca foi tão numerosa. O que isso
significa?
Marco
Impagliazzo: Significa
que os muçulmanos precisam de ajuda,
buscam interlocutores, porque tocaram com a mão como o terrorismo, o uso
pervertido do nome de Deus para incitar a violência está ceifando vítimas
principalmente no mundo deles. É um
momento de grande dificuldade para os teólogos e para as escolas do mundo
islâmico. É preciso sair da autorreferencialidade, assumir posições comuns.
Além
dos momentos simbólicos, haverá uma grande quantidade de encontros...
Marco
Impagliazzo: Não
se caminha juntos apenas assinando abaixo-assinados, mas, como eu dizia,
trabalhando sobre questões concretas – ambiente, desigualdades, migrantes – a
partir das periferias do mundo: são os
pobres, lembra-nos Francisco, que nos explicam melhor a realidade. Os
refugiados vão participar dos painéis, vão almoçar com o papa. Uma mulher de
Aleppo falará em frente ao Sacro Convento. Como diz Andrea Riccardi, a
guerra é a mãe de todas as pobrezas.
Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão
original desta entrevista, clicando aqui.
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