Shimon Peres: 1923 – 2016
De perdedor a lenda-viva, Peres personificou
Fonte: Folha de S. Paulo – Mundo / Análise – Terça-feira, 27 de
setembro de 2016 – 23h13 [Horário de Brasília – DF] – Internet: clique aqui.
os dilemas de Israel
Marcelo Ninio
Washington
(EUA)
Mantinha-se o mesmo otimista incorrigível sobre a paz
com os vizinhos.
“As pessoas dizem que é impossível, mas isso é nonsense”, disse.
SHIMON PERES |
Não há israelense, vivo ou
morto, cuja biografia se confunde mais com a do Estado de Israel do que Shimon
Peres. Foi
membro de 12 gabinetes, duas vezes primeiro-ministro, um dos pais do programa
nuclear israelense e do processo de paz com os palestinos, mas só aproximou-se do consenso em seu país
quando deixou a política ativa para tornar-se peça viva da história.
Nascido
na Polônia em 1923, imigrou aos nove anos com os pais na onda sionista, aos 20 já era próximo do líder da
independência de Israel, David Ben Gurion,
e antes dos 30 tornou-se diretor do Ministério da Defesa.
Último sobrevivente da
geração de fundadores do Estado de Israel, foi testemunha ocular e símbolo dos
dilemas, sucessos e fracassos de um país que, desde o estabelecimento em 1948,
jamais deixou de estar em estado de guerra.
Sua
biografia personifica a trajetória do
movimento sionista que criou Israel:
* da luta pela fundação do Estado,
* passando pela construção de uma potência militar,
* até a busca por uma solução para o conflito com os árabes.
Exigiu
uma mudança de rumo para Peres, que chegou a apoiar a construção dos primeiros
assentamentos nos territórios palestinos ocupados na Guerra dos Seis Dias, em
1967, para depois tentar um acordo para acabar com a ocupação.
Para
as novas gerações de israelenses, Peres tem a imagem de um vovô sábio e
apaziguador, sempre pronto a dizer frases de efeito, mas sua carreira política foi marcada por disputas renhidas, não apenas com
os partidos opositores, mas também dentro de seu Partido Trabalhista.
Sua
reputação era a de um político
carismático, mas manipulador. A rivalidade com o companheiro de legenda Yitzhak Rabin foi uma das mais intensas
da política israelense, até virar parceria quando os dois fecharam o primeiro acordo de paz com os palestinos, em 1993.
O
acordo rendeu o Nobel da Paz a Rabin, Peres e ao líder palestino Yasser Arafat,
porém mais de 20 anos se passaram e a
visão de dois Estados para dois povos que moveu as negociações está longe de se
tornar realidade.
RECEBIMENTO DO PRÊMIO NOBEL DA PAZ EM 1994 - OSLO Da esquerda para a direita, temos: Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin |
Com
o mundo mais preocupado com a guerra na Síria e a facção terrorista Estado
Islâmico, não há pressão externa por uma solução. Assim, os palestinos não têm força para retomar a negociação e os israelenses
se conformaram com o status quo.
Peres foi personagem de um
dos momentos-chave da derrocada do processo de paz, quando assumiu o governo
após o assassinato de Rabin, em 1995,
por um fanático judeu.
Chocado
com o atentado, o país se moveu à
esquerda na direção aos trabalhistas e do processo de paz, mas Peres não quis realizar uma eleição
imediatamente e aproveitar a onda de apoio.
Marcou a votação para seis
meses depois,
e nesse meio tempo o cenário político mudou, com uma série de atentados terroristas palestinos. Peres perdeu uma eleição que parecia garantida para o direitista Binyamin Netanyahu.
Sem
a dupla Rabin-Peres no poder, o processo de paz jamais voltaria aos trilhos.
Peres saiu daquela derrota para Netanyahu com o estigma de jamais ter vencido
uma eleição. Admirado no exterior, virou
celebridade — suas festas de aniversário tinham de Nelson Mandela a Bono.
No país que ajudou a criar,
porém, carregava uma aura de perdedor e de propagar o sonho impossível do
"novo Oriente Médio", título do livro que ele lançou no auge da euforia
com o processo de paz.
A
tardia reabilitação pública ocorreu quando foi aprovado pelo Parlamento para
ser o presidente de Israel. Aos 84 anos, longe do fogo cruzado da
política partidária e ocupando um cargo cerimonial, finalmente passou a ser
ouvido em casa e a ser reconhecido como uma das grandes personalidades da
história do país.
Virou
lenda-viva, e continuou usando o status depois de deixar a Presidência para
promover seu legado como defensor da paz com os palestinos.
Em
entrevista à revista "Time" no início do ano, mantinha-se o mesmo
otimista incorrigível sobre a paz com os vizinhos. "As pessoas dizem que é
impossível, mas isso é nonsense",
disse.
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