Afinal, quem pagará a conta do ajuste?
Paga quem não pode:
a conta das mudanças do novo governo recairá
sobre os mais pobres
José de Souza
Martins
Sociólogo
e Professor emérito da FFLCH-USP
Membro
da Academia Paulista de Letras
Não é preciso muito para intuir que os mais frágeis é
que terão de apertar
o cinto para bancar as mudanças propostas pelo governo,
após a
catástrofe da administração anterior
Quem
vai pagar a conta? Para quem vai sobrar
o débito da política econômica que levou o País ao fundo do buraco? Pelo
menos é o que dizem: o País está arruinado. O brutal desemprego diz que sim. A
inflação também. O desalento reflete
essa beira de abismo em que estamos vivendo. Vai ter Bolsa Família pra todo
mundo? Temos a obrigação do otimismo
é o que me sugeriu uma beata no outro dia, incomodada com minha postura de
estudioso.
Medidas
para atingir os pobres
Não
é necessária muita imaginação para perceber que as medidas econômicas contra o
caos que vão sendo anunciadas, como a reestruturação
das relações de trabalho e a da previdência
social, já revelam que a conta não
será paga por quem pode mais e sim por quem pode menos. Mesmo que o governo
jure de pés juntos que os direitos adquiridos serão respeitados, nada diz dos
direitos não adquiridos, que são muitos neste país da informalidade, da
improvisação, do provisório, do precário, da imprevidência. Mais uma vez os
mais frágeis terão que apertar o cinto e a consciência para o bem de todos e
felicidade geral da nação. A nação será
mal agradecida, como sempre foi. [Somos um país de
desiguais, muito desiguais!]
“Sua excelência, o povo”, a maior autoridade
presente nas entronizações da República, como lembrou em seu belo e oportuno
discurso de posse a ministra Cármen
Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, sempre teme e treme quando um novo mandatário, como o presidente
recém-inaugurado, começa pelas fórmulas vencidas de inventar e nomear supostos
responsáveis pelas misérias do País.
O
povo, o bode expiatório de sempre
Nas
últimas décadas, o povo tem sido
apontado, e volta a sê-lo, como o bode expiatório de nossos problemas
econômicos. Somos convencidos pelos profetas da economia contabilística, a
do tira aqui e põe ali, que:
* os trabalhadores ganham mais do que merecem,
* os aposentados vivem mais do que têm direito.
Ninguém
diz:
1º)
o que a corrupção tem a ver com o
advento da economia política das privações.
2º)
Ninguém fala nos descabidos subsídios ao
grande capital, no desperdício dos
recursos públicos, no que nos custam
os políticos e a política.
3º)
Ninguém fala em reduzir o preço que nos
cobram os que nos governam pelo favor de nos governar.
4º)
Ninguém fala quanto nos custa
sustentar-lhes as mordomias, os carros
e motoristas desnecessários, o barbeiro, a manicure, a alimentação, a moradia,
tudo pago por sua excelência, o povo.
Povo,
aliás, que toma partido entre partidos que adotam diferentes métodos para
explorá-lo, enganá-lo, lesá-lo. É uma
escolha entre modalidades de maldade e de sofrimento. Masoquismo puro.
O contabilismo que nos assola é cheio de truques, cálculos e continhas para
convencer o povo de que tirando da maioria sem tocar nos privilégios da minoria
nos salvará. Contabilidade por contabilidade as mães de família sabem fazer
a sua, melhor do que ninguém, para saber de onde vem o prejuízo. Sabem
perfeitamente quanto entra na gaveta da economia doméstica e quanto lhes custa
o pão, o feijão, a farinha de mandioca, o arroz, o pimentão, o brócolis, o ovo
frito, o leite, o café. Se é que vão ter tudo isso. Elas sabem que sobra, cada vez mais, mais mês no fim do
salário, sábio e realista argumento que ouvi mais de uma vez nos bairros
operários de São Paulo em diferentes ocasiões.
Brasil
fez a escolha errada de política econômica
Não
é preciso ser um político brilhante para intuir que governo não se começa com
orientações desconstrutivas como as que podem afetar direitos conquistados a
duras penas por quem trabalha. A
reorientação da economia brasileira preferencialmente para o mercado externo,
nas últimas décadas, que nos fez retornar à condição de país agrícola, criou as bases da degradação social que fere o País
profundamente. A mediação do mercado internacional equiparou o Brasil aos
países cuja economia se apoia na sobre-exploração do trabalho. Em vez de competir no mercado internacional
valorizando nossa indústria, como fizeram vários países asiáticos, decidimos apostar apenas na agricultura, “nossa
vantagem comparativa”, que:
* cria menos empregos e
* quando os cria tratam-se de empregos sazonais e pobres
para pobres,
* não raro perto da escravidão. Desde o regime
militar,
* a economia brasileira foi virada de cabeça para baixo. É difícil
ver a saída.
UMA FAVELA DO RIO DE JANEIRO |
Busca
pela redução do custo do trabalho
A
persistência do trabalho escravo no mundo, e também no Brasil, e até mesmo sua
ampliação, indica com clareza que essa meta vem sendo perseguida com
tenacidade. O trabalho
escravo é hoje, no mundo, em termos econômicos, um item respeitável:
* O trabalho clandestino,
* a sobre-exploração do trabalho,
* a multiplicação das condições sub-humanas de vida, como a dos moradores
de favelas e cortiços, são técnicas de redução do custo da força de trabalho.
Quanto piores as condições
de moradia, menor o custo de vida dos moradores e menor a demanda de salário,
maior o conformismo com a migalha. São formas perversas de inserção do trabalhador no
mercado de trabalho e de inclusão social. Não
é estranho que as políticas sociais no Brasil tendam a se transformar na política da esmola, regida pela
mentalidade do chapéu na mão à porta da igreja. [É o
que, no fundo, os propalados “programas sociais” do governo são! E muitos veem “progresso”
e “conquista” nesse tipo de ação social!]
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