Um genocídio prossegue no Brasil!
Violência contra povos indígenas no Brasil permanece
acentuada
Conselho
Indigenista Missionário – Cimi
15-09-2016
Os dados evidenciam que, em 2015, também permaneceu a
situação de constante invasão e devastação das terras demarcadas; assim como se
manteve a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos
direitos, com casos de assassinatos, espancamentos e ameaças de morte.
O
relatório Violência Contra os Povos Indígenas no
Brasil – Dados de 2015, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), evidencia a permanência do quadro de omissão dos
poderes públicos em relação aos direitos dos povos indígenas, especialmente
em relação ao direito à terra, o que impacta drasticamente no direito deles
viverem de acordo com o seu modo tradicional, ambos reconhecidos e garantidos
pela Constituição Federal.
Os
dados evidenciam que, em 2015, também
permaneceu a situação de:
* constante invasão e devastação das terras demarcadas;
* assim como se manteve a
realidade de agressões às pessoas que
lutam por seus legítimos direitos, com casos de assassinatos, espancamentos e
ameaças de morte, dentre outros; e
* permaneceu ainda um assustador número de morte de crianças até
5 anos, em muitos casos por doenças facilmente tratáveis.
Chama atenção o agravamento
do número de perversos ataques milicianos contra os frágeis acampamentos das
comunidades Guarani e Kaiowá
no Mato Grosso do Sul. Até mesmo inaceitáveis práticas
de tortura com requintes de crueldade, como a quebra de tornozelos de
anciãos, foram realizadas. Neste caso específico, em outubro, no tekoha
Mbaracay, município de Amambai, após um desproporcional ataque com armas de
fogo.
Nesse
sentido, o presidente do Cimi e
arcebispo de Porto Velho, Dom Roque
Paloschi, na apresentação do relatório, indigna-se “porque se repetem e se aprofundam as mesmas
práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas”, e
questiona: “Até quando teremos que
apresentar esses relatórios?”.
DOM ROQUE PALOSCHI Arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Cimi se interroga: “porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas” |
DADOS DE 2015
Como em anos anteriores, em
2015 pouco se avançou nos processos de regularização das terras indígenas. Sete homologações foram
assinadas pela presidenta Dilma Rousseff, enquanto o Ministério da Justiça
publicou apenas três Portarias Declaratórias e a Presidência da Fundação
Nacional do Índio (Funai) identificou somente quatro terras indígenas, além de
ter publicado duas Portarias de Restrição.
De acordo com a Constituição
Federal, todas as terras tradicionais indígenas deveriam ter sido demarcadas
até 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição. No entanto, de acordo com
o levantamento do Cimi, de 31 de agosto de 2016, 654 terras indígenas no Brasil aguardam
atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios
finalizados. Esse número corresponde a 58,7% do total das 1.113 terras
indígenas do país. [É um absurdo! Nada justifica essa
morosidade e descumprimento da norma constitucional!]
Observa-se
que, do total dessas 654 terras indígenas com pendências administrativas para
terem finalizados os seus procedimentos demarcatórios, 348 terras - ou seja, pouco mais da
metade (53%) - não tiveram quaisquer providências administrativas tomadas pelos
órgãos do Estado até hoje. O maior número de terras nessa etapa Sem Providências concentra-se no Amazonas (130), seguido pelo Mato Grosso do Sul (68) e pelos estados
de Rio Grande do Sul (24) e Rondônia (22).
Outras
175 terras, ou 26%, encontravam-se na fase A
Identificar. Em muitos casos, verifica-se intensa morosidade nesta etapa.
Podemos citar o caso da Terra Indígena
(TI) São Gabriel/São Salvador, do povo Kokama, localizada no município de
Santo Antônio do Içá, no Amazonas, que teve
seu Grupo Técnico criado em 25 de abril de 2003 mas, doze anos depois, seus
trabalhos ainda não foram concluídos. [E olha que
houve 13 anos de governo petista, dito popular e voltado ao povo, durante este
período de embromação!]
O
Cimi registrou 18 conflitos relativos a
direitos territoriais e 53 casos de
invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos
ao patrimônio dos povos, sendo que o Maranhão é o estado com o maior número
de registros, com 18 casos.
Em 2015, segundo os dados oficiais
da Secretaria Especial de Saúde Indígena
(Sesai) e do Distrito Sanitário Especial
Indígena do Mato Grosso do Sul (Dsei-MS), houve 137 assassinatos de indígenas em todo o país, sendo que 36 deles
foram registrados pelo Dsei-MS. Os dados da Sesai, no entanto, não permitem
uma análise mais aprofundada, visto que não apresentam informações detalhadas
das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade e povo. Os
dados sistematizados pelo Cimi registraram um total de 54 vítimas, sendo que 20
das ocorrências aconteceram no Mato Grosso do Sul, que novamente é o estado com o
maior número de casos.
ADENILSON DA SILVA NASCIMENTO - vulgo PINDUCA |
Dentre
os casos envolvendo conflitos fundiários, destacamos o macabro assassinato de Vítor Kaingang,
uma criança de apenas 2 anos, em Santa Catarina, em dezembro de 2015. Na TI
Tupinambá de Olivença, Adenilson da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca, importante liderança de seu
povo que lutava pela regularização
fundiária da terra tradicional, foi assassinado numa emboscada por disparos de
arma de fogo.
No
estado do Maranhão, na TI Alto Turiaçu, a liderança Euzébio Ka’apor, que também liderava seu povo na luta pela defesa de
seu território e, especialmente contra a exploração madeireira, foi assassinado a tiros quando estava
no município de Centro do Guilherme.
EUZÉBIO KA'APOR (em destaque de camiseta listrada) |
Outro
caso preocupante ocorreu no Mato Grosso do Sul, o Guarani e Kaiowá Simeão Vilhalva
foi assassinado depois que os fazendeiros e políticos da região do
município de Antônio João promoveram um ato público convocando a população a se
rebelar contra a comunidade indígena de Ñhanderu Marangatu. Os indígenas haviam realizado algumas ações
de recuperação de parcelas de seu território, que havia sido homologado em 2005
mas, no entanto, permanece sob a posse de não índios.
Ainda
em relação à violência contra a pessoa,
houve o registro de:
* 31 tentativas de assassinato;
* 18 casos de homicídio
culposo;
* 12 registros de ameaça de
morte;
* 25 casos de ameaças várias;
* 12 casos de lesões corporais
dolosas;
* 8 de abuso de poder;
* 13 casos de racismo; e
* 9 de violência sexual.
SIMEÃO VILHALVA - índio Guarani-Kaiowá |
Dos
87 casos de suicídio em todo o país
registrados pela Sesai e pelo Dsei-MS, 45
ocorreram no Mato Grosso do Sul, especialmente entre os Guarani e Kaiowá. Entre 2000 e 2015 foram registrados 752
casos de suicídio apenas neste estado. Um recente estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef) e do Grupo Internacional de
Trabalho sobre Assuntos Indígenas (IWGIA) sobre os Guarani e Kaiowá afirma:
“...esses jovens indígenas carregam um
trauma humanitário cheio de histórias contadas por seus parentes, histórias de
exploração, violências, mortes, perda da dignidade, enfim, a história recente
de muitos povos indígenas. Histórias carregadas de traumas, presas a um
presente de frustrações e impotência. Nessas circunstâncias, estes jovens são o
produto do que se costuma chamar uma geração que sofre do que se chama Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT)”.
Com
base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi obteve, da Sesai e do Dsei-MS, dados
parciais da mortalidade indígena na infância. Somando as duas bases de dados,
chega-se a um total de 599 óbitos de crianças menores de 5 anos em todo o
país. Trata-se de números parciais,
visto que pelo menos três Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) deixaram de informar se houve mortes na
área de sua abrangência (Alto Rio Juruá, Bahia e Parintins).
As três principais causas das mortes foram:
* pneumonia não especificada, com 48 mortes (8,2%);
* diarreia e
* gastroenterite de origem infecciosa resumível, com 41 mortes (7%).
CRIANÇAS INDÍGENAS MORREM POR DOENÇAS FACILMENTE TRATÁVEIS É O DESCASO DO PODER PÚBLICO |
Pneumonia, diarreia e
gastroenterite são doenças perfeitamente tratáveis, mas causaram a morte de
pelo menos 99 crianças menores de 5 anos. A região Norte do país concentra o maior número de
óbitos, com 349 mortes de crianças menores de 5 cinco anos, ou 58% do total dos
dados parciais. Os povos indígenas mais afetados são das áreas de abrangência
dos Dsei Xavante, com 79 óbitos, Alto Rio Solimões, com 77 óbitos, e Yanomami,
com 72 óbitos.
Os dados do Dsei Mato Grosso
do Sul revelam um coeficiente de mortalidade infantil duas vezes maior que o da
média nacional, com 26,35 por mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade
infantil no Brasil, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 13,82 por mil nascidos
vivos (dados de 2013). Os dados mostram ainda que o maior número de óbitos ocorreu no polo base de Dourados, com 11
mortes.
Ainda
em relação à violência por omissão do poder
público, foram registrados:
* 52 casos de desassistência
na área de saúde;
* 3 mortes por desassistência
à saúde;
* 5 casos de disseminação de
bebida alcoólica e outras drogas;
* 41 registros de
desassistência na área de educação escolar indígena; e
* 36 casos de desassistência
geral.
CLEBER CÉSAR BUZATTO - Secretário do Cimi Conselho Indigenista Missionário - CNBB |
RETROCESSO E CRIMINALIZAÇÃO
Nas
análises publicadas no relatório, o Cimi avalia que a ofensiva sobre os direitos indígenas realizada pelos Três Poderes,
e protagonizada especialmente pela bancada ruralista no Congresso Nacional, assim como pelo Executivo
em relação à omissão nas demarcações de terras, é diretamente responsável pela
permanência do quadro de severa violência e violações aos povos indígenas no
Brasil, assim como pelo agravamento dos cruéis ataques no Mato Grosso do
Sul.
Nesse
contexto, em um dos textos da apresentação, o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, ressalta a agudez
da criminalização em 2015. “A tentativa
de criminalizar lideranças indígenas, profissionais de antropologia,
organizações e pessoas da sociedade civil que atuam em defesa dos projetos de
vida dos povos indígenas no Brasil também foi intensificada pelos ruralistas em
2015”, avalia Buzatto, referindo-se, por exemplo, às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) contra o Cimi, instalada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso
do Sul, e a da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), instalada na Câmara dos Deputados.
Comentários
Postar um comentário