O falso Messias brasileiro

Messianismo às avessas

Roberto Pereira Miguel*

Se Jesus resistiu às três tentações, o movimento messiânico lulopetista
sucumbiu a todas elas 
NESTA CHARGE, DE COSTAS, CHEGA LULA, O "MESSIAS"

Lula ainda é o Messias que, na esperança de muitos, poderia salvar o Brasil do retrocesso, e promover a partilha do pão e do vinho, da comida e da bebida. Dilma, a discípula que deveria dar ouvidos ao Mestre. Temer, o apóstolo que aguarda pacientemente a oportunidade de ocupar o lugar do Mestre. Renan, o discípulo que ora fica ao lado do Mestre, ora de Caifás. E Cunha, o Judas, que se vendeu por 30 dinheiros (...).”

A sentença acima, proferida pelo teólogo da libertação Frei Betto – amigo pessoal de Lula e que foi coordenador do extinto Programa Fome Zero – em entrevista ao jornal digital Brasil 247 em dezembro de 2015, ilustra bem o messianismo político que desde sempre foi associado ao PT e a seu líder máximo, o ex-presidente Lula, e que continua até hoje repercutindo nas mentes e nos corações de petistas e simpatizantes. Cabe, entretanto, analisar em que se constitui o messianismo cristão para o qual Frei Betto aponta, a fim de diferenciá-lo do messianismo lulopetista, que é tanto um arremedo quanto uma perversão daquele.

O termo “Messias”, originário do hebraico (mâshîah) e em grego traduzido por Christos, significa “ungido” e nos remete a uma figura histórica ansiosamente esperada que seria responsável por uma mudança radical e definitiva na História. Para os antigos hebreus, o “Messias” estava intimamente associado à realeza e os profetas já falavam de um rei que redimiria Israel e traria um período de paz e justiça à Terra. Mais tarde, diante dos milagres e da mensagem proclamada por Jesus, seus seguidores passaram a interrogá-lo sobre a sua qualidade de Messias. Pedro foi o primeiro a confessar: “Tu és o Messias”. E imediatamente após a ressurreição de Jesus a Igreja primitiva passou a conferir-lhe o título de “Cristo”, o qual é até hoje afirmado entre os seus seguidores.

Segundo a tradição cristã, logo no início do seu ministério, e pouco após haver sido batizado nas águas do Rio Jordão por João, Jesus – o Messias dos cristãos – foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, para ser três vezes tentado pelo diabo:

1ª) À primeira tentação apresentada por Satanás – transformar pedras em pães, simbolicamente exprimindo a ânsia de coisas materiais, como propõe o filósofo Erich Fromm – Jesus responde: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”.

2ª) Satanás propõe a Jesus, então, que se atire do alto do pináculo, garantindo-lhe poder total sobre as leis que regem a natureza. Jesus igualmente recusa, citando as Escrituras: “Não tentarás o Senhor, teu Deus”.

3ª) Finalmente, o diabo transporta Jesus a um monte muito alto, mostra-lhe todos os reinos do mundo e lhe promete: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares”. Jesus rejeita de novo e afirma: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele servirás”.
LULA, HADDAD E PAULO MALUF
foto tirada nos jardins da residência de Maluf, onde Lula foi pedir apoio à candidatura de Haddad à
Prefeitura de São Paulo
Segunda-feira, 18 de junho de 2012

Se Jesus resistiu à tríplice tentação, o movimento messiânico lulopetista, por sua vez, sucumbiu a todas elas:

3ª tentação: Começando de trás para a frente, aliou-se ao pior que havia na política brasileira (Renan Calheiros, Orestes Quércia, Fernando Collor de Mello, Jader Barbalho, Paulo Maluf, etc.) para pavimentar o seu acesso à Presidência da República e ali se perpetuar. Em 2009, comentando sobre a necessidade de tais acordos eleitorais, Lula disse: “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão”. Naturalmente, Lula sempre identificou a si mesmo como Jesus e aos outros como Judas. Sua discípula Dilma Rousseff, dando ouvidos ao mestre, afirmou às vésperas da sua própria reeleição, em 2014: “Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Em outros termos, “diante da possibilidade de chegarmos ao poder e dominarmos o reino, por que não servir ao diabo?”.

2ª tentação: No que se refere à segunda tentação, Lula e os petistas desconsideraram as leis que regem a sociedade e se atiraram precipício abaixo achando que estariam imunes às repercussões penais que atingem os demais mortais envolvidos em ilícitos:
* Caixa 2,
* formação de quadrilha,
* lavagem de dinheiro,
* falsidade ideológica,
* compra de apoio parlamentar,
* estelionato,
* tráfico de influência,
* ocultação de patrimônio e
* as “pedaladas fiscais”
fazem parte do rol de artimanhas e crimes cometidos por integrantes do partido que se proclamava o bastião da ética. Mas como o diabo é o pai da mentira, seu engodo logo se manifestou no indiciamento ao pretenso messias, nas condenações e prisões sofridas por seus “discípulos” (José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo Cunha, João Vaccari Neto, etc.) e no impeachment de Dilma Rousseff. Antes disso, em 9 de março deste ano, Renan Calheiros, aquele que ora serve ao mestre, ora a Caifás – como disse Frei Betto –, ironicamente presenteou o messias petista, já moralmente esborrachado no chão, com o texto da Constituição brasileira, aquele mesmo corpo de leis que ele rejeitou ao se atirar do alto do pináculo. Eis a própria imagem do diabo escarnecendo do incauto que lhe deu crédito.

1ª tentação: Sobre a primeira tentação, a ânsia pelos bens materiais, pouco é preciso dizer diante do gigantesco montante surrupiado das empresas estatais que foi direcionado à “causa” (o projeto de poder petista) e ao enriquecimento desproporcional daqueles que seriam os responsáveis por redimir o Brasil de todos os males. Carros, propriedades rurais, barcos e apartamentos luxuosamente mobiliados estão entre os inúmeros bens adquiridos por meios escusos. O sítio em Atibaia e o triplex no Guarujá que pertenceriam de fato ao mestre citado por Frei Betto, bem como os inúmeros bens do ex-presidente estocados num guarda-móveis pago pela OAS ao custo de mais de R$ 1 milhão, são apenas a exemplar representação do culto a Mamon [deus dinheiro] prestado pelos integrantes desse movimento messiânico às avessas, já bastante carcomido, e por um pseudomessias que, até aqui, ganhou o mundo inteiro e perdeu a sua alma.

* ROBERTO PEREIRA MIGUEL é teólogo, é mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 6 de setembro de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

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