Vamos falar de um assunto tabu???
Suicídio, quando o silêncio pode ser letal
Monica Manir
No Setembro Amarelo, grupos e ONGs com histórico de
serviço social, como o CVV, buscam ainda conscientizar sobre a necessidade de
se falar do assunto
“Às
vezes, tem um suicida na sua frente e você não vê.” Bilhetes derradeiros
costumam marcar eternamente os familiares de quem se matou. Esse, de um motoboy
de 41 anos que se jogou do alto do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa abraçado ao
filho de 4, ecoou além. Envolvia uma criança; era o segundo suicídio, em cinco
meses, nesse mesmo lugar de São Paulo; e antecipava em poucos dias o Setembro
Amarelo, iniciativa que tenta iluminar a sociedade para o fato de que se está
falando de uma epidemia - e o silêncio sobre o assunto pode ser letal.
“O
sexo, o câncer e a aids já romperam algumas barreiras; o suicídio, ainda não”,
diz Robert Paris, presidente nacional do Centro de Valorização da Vida (CVV),
uma das entidades que encabeçam o Setembro Amarelo no Brasil. Para esse
empresário, que há 22 anos concilia sua profissão com a de voluntário do
programa, a questão é cumulativa e procriativa. “O tabu do suicídio é filhote
do tabu da morte.” Ele explica. Se antes muitas famílias velavam seus entes
queridos em casa e isso era visto até pelas crianças, hoje a morte está
restrita à assepsia e à impessoalidade dos hospitais. Ficou distante do dia a
dia, algo que não se concebe trazer à mesa do jantar. “O problema é que o
suicídio é morte, mas morte autoinfligida”, diz.
Além
disso, cerca de 90% das pessoas que tentam ou chegam a se suicidar apresentam
algum tipo de transtorno, seja afetivo, de personalidade, de ansiedade, que
talvez implicasse tratamento. “Se você vai ao médico e tem pneumonia, tem
pneumonia e pronto, mas, se está se sentindo deprimido, tem escrúpulos em
falar.”
Mais
que falar, o CVV se presta a ouvir, o que faz há 54 anos. Hoje é uma franquia
social com 72 unidades espalhadas pelo País e 2 mil voluntários. Os turnos
normais são de quatro horas e poucas unidades atendem full time. “Bem verdade
que desespero não tem hora”, diz Carlos Correia, voluntário há 22 anos, como
Robert. Mas também é verdade que a maior parte das ligações se concentra no
período noturno, daí o “CVV, boa noite!”, bordão do atendimento.
A
marca nasceu sob o signo do telefone, ainda considerado essencial para a oferta
do serviço. O número 141 é clássico, porém outro foi acoplado ao sistema há um
ano, desta vez gratuitamente. Pelo 188, moradores do Rio Grande do Sul podem
receber apoio emocional sem se preocupar com o tempo da ligação, que pode ser
longo. Robert lembra que, no Corujão, plantão que se estende pela madrugada,
chegou a passar seis horas conversando com uma pessoa. O pedido do 188 foi
feito ao Ministério da Saúde pelo próprio CVV depois da tragédia em 2013 da
Boate Kiss, em Santa Maria, e se estuda sua extensão para todo o território
nacional. Assim como passa por detalhes burocráticos e operacionais a adoção do
WhatsApp, que se juntaria ao chat, ao Skype (sem imagem) e ao e-mail, já
adotados pelo Centro, sob a régua, todos eles, do sigilo e da privacidade.
A
ideia de incorporar novas tecnologias ao sistema vem da necessidade de se
aproximar dos jovens, que têm encorpado as estatísticas de suicídio. Embora
idosos ainda estejam no topo do ranking, a taxa entre aqueles entre 15 e 19
anos aumentou 33,5%. “Eu me considerava muito independente, tomar a atitude de
ligar para o CVV e alguém ouvir meu problema era, tipo, ‘ridículo’”, reconhece
o Youtuber Hugo Nasck, de 22 anos, que tentou o suicídio algumas vezes. “Fora
isso, acho que a gente muitas vezes consegue ser mais sincero digitando do que
falando.”
Oferecer
o 188 depois da morte de 242 pessoas na Kiss, a maioria estudantes, vem da
certeza de que os enlutados também estão em perigo. O oficial de justiça Ivo
Oliveira Farias percebeu isso depois da morte por enforcamento da filha de 18
anos, em 2014. Diante do instantâneo (no almoço, a filha parecia bem, disse que
ia tirar a carta de motorista e, três horas depois, a irmã a encontrou morta),
recorreu a grupos de apoio a sobreviventes do suicídio. Não só pelo
instantâneo, mas pelo inexplicável. “Ela deixou um bilhete dizendo ‘Gente morta
não decepciona ninguém’, e até hoje não sabemos o que isso significava”, afirma
Ivo, lembrando que, algum tempo depois do falecimento da filha, saiu o
resultado do vestibular. Ela havia passado em Direito, a mesma profissão do
pai.
Para
sempre
Ivo
participa de dois grupos de apoio, um no CVV e outro no Vita Alere, instituto
cuja proposta é promover a prevenção e a “pós-venção” do suicídio por meio de
ações de divulgação, conscientização, educação, pesquisa e tratamento. A
psicóloga Karen Scavacini, uma das fundadoras, tem uma explicação para ter
aumentado o número de casos entre jovens: “Eles ignoram que a morte é para
sempre.” Mas obviamente junta a isso possíveis outros fatores, como:
* abusos
físicos e sexuais,
* abandono,
* baixa autoestima,
* bullying,
* excesso de cobranças,
* acesso fácil a meios para pôr fim à própria vida.
10 motivos para falar sobre suicídio
O
suicídio é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um problema
de saúde pública. Apesar da gravidade do tema, tocar no assunto ainda é um tabu
na sociedade. Os poucos dados disponíveis sobre o suicídio também podem
dificultar ações de prevenção.
Setembro é considerado o mês
de prevenção do suicídio.
Veja
a seguir, dez informações relevantes sobre o suicídio e saiba como evitar.
1º) Mais de 800 mil pessoas morrem por
suicídio todos os anos no mundo.
2º) Para cada morte, há um grande
número de pessoas que tentaram suicídio a cada ano. A tentativa de suicídio é o
fator de risco mais importante para o suicídio na população em geral.
3º) O suicídio é a segunda principal
causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos, segundo a OMS.
4º) A maior parte deles (75%) ocorre em
países de baixa e média renda.
5º) Ingestão de venenos, enforcamento e
armas de fogo estão entre os métodos mais comuns de suicídio em todo o mundo.
BEBIDAS ALCOÓLICAS INGERIDAS EM EXCESSO PODEM SER SINTOMA DE CRISES QUE PRECISAM RECEBER ATENÇÃO! |
6º) Embora exista a relação entre
distúrbios suicidas e mentais (em particular, distúrbios alimentares, depressão
e uso de álcool), muitos suicídios acontecem impulsivamente em momentos de
crise, como problemas financeiros, de relacionamento, dor crônica e doença.
7º) As taxas de suicídio são também
elevadas nos grupos vulneráveis que sofrem discriminação, como entre refugiados
e migrantes; pessoas indígenas; lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros; e
presos.
8º) O fator de risco maior para o
suicídio é uma tentativa de suicídio anterior.
O APOIO, A ATENÇÃO, O DIÁLOGO E A SENSIBILIDADE AOS DRAMAS DOS OUTROS SÃO ATITUDES QUE PREVINEM O SUICÍDIO |
9º) Os suicídios podem ser evitados. Entre as medidas para preveni-lo, estão:
* reduzir o acesso aos meios de
suicídio,
* publicar informações responsáveis
sobre o tema nos meios de comunicação;
* elaborar políticas para reduzir o
uso nocivo de álcool;
* identificar precocemente e iniciar
o tratamento de pessoas com transtornos mentais, dores crônicas e estresse
emocional agudo;
* formar trabalhadores de saúde para
identificar um comportamento suicida;
* oferecer cuidados necessários para
as pessoas que tentaram suicídio.
10º) O Centro de Valorização da Vida [CVV],
fundado em São Paulo em 1962, presta serviço voluntário e gratuito de apoio
emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam
conversar, sob total sigilo. Os contatos podem ser feitos pelo telefone 141 (24 horas), pessoalmente (nos 72 postos de
atendimento) ou pelo site www.cvv.org.br
via chat, VoIP (Skype) e e-mail.
“Seguidores de crenças têm taxas mais
baixas de suicídio que ateus”
Monica Manir
Para pesquisador, entre as estratégias para prevenir o
suicídio está
a quebra do sigilo em tratar do tema
DR. JOSÉ MANOEL BERTOLOTE |
Autor
de O Suicídio e Sua Prevenção,
lançado em 2013 pela Editora Unesp, o psiquiatra e professor da Faculdade de
Medicina de Botucatu [Unesp], José
Manoel Bertolote, remonta há 10 mil anos os primeiros registros de
suicídio. E enfatiza que, entre as estratégias para preveni-lo, está a quebra
do sigilo em tratar do tema.
Qual
é a população mais vulnerável?
José Manoel
Bertolote: O suicídio é medido em taxas
por 100 mil habitantes. Nesses termos, as taxas mais altas, na maioria dos
países analisados, são observadas entre idosos do sexo masculino, embora haja
exceções notáveis, como a Nova Zelândia, onde os números mais elevados são de
homens de idade entre 20 a 30 anos, e no Japão, em homens entre 45 e 55 anos.
Em
que medida convicções religiosas ajudam a prevenir ou levam ao suicídio?
J. M. Bertolote: A
maioria das religiões - cristianismo (católicos, protestantes e
espiritualistas), islã, budismo, hinduísmo - desaprova e condena fortemente o
suicídio. Nos seguidores dessas crenças, as taxas de suicídio são
consideravelmente mais baixas do que entre os ateus.
Sexualidade e risco de suicídio
Hugo Nasck
22 anos
de idade e já tentou o suicídio algumas vezes
Sou
uma pessoa trans-não-binária, a minha sexualidade não se prende a homem ou a
mulher. Isso foi uma questão forte em mim desde pequeno. Mas também sempre foi
motivo de bullying, e sofri muito na
escola.
Passei
por muitos anos de depressão e por diversas tentativas de suicídio. Me cortava,
me queimava... Era uma forma de trocar aquela dor sem controle, descomunal, por
uma dor isolada, local. A tentativa mais grave foi aos 16 anos e, quando
aconteceu, as pessoas ao redor tomaram a dimensão de que frases como “Ah, eu não queria existir” não eram
brincadeira. Minha família, meus amigos
e o psicólogo foram fundamentais na minha recuperação.
Percebo
também que, por meio do meu canal, posso tocar nesses tópicos e ajudar pessoas
marginalizadas por causa da sua orientação sexual. Porque jovens LGBTs têm 4 vezes mais risco de tentar o suicídio. Na
verdade, não é suicídio, é assassinato.
Há pelo menos um caso de suicídio
por hora no País
Clarissa Thomé
Diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria diz que
é preciso sensibilizar os médicos para perceber os sinais dados pelos
pacientes
A
cada hora, pelo menos uma pessoa se mata no Brasil. Foram 10.653 vítimas no País, em 2014. Essas mortes poderiam ser
evitadas, afirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva. Segundo ele, falta rede pública de amparo a essas
pessoas. A maioria delas procurou ajuda médica no mês anterior à tentativa
de suicídio e metade tentou tirar a vida novamente nos três meses seguintes ao
primeiro ato.
Para
tentar reduzir as estatísticas, a ABP lançou uma série de iniciativas para
marcar o Setembro Amarelo - da distribuição de cartilhas para médicos ao
lançamento de material informativo para jornalistas. A entidade informou ainda
que buscará parceria com conselhos de engenharia e arquitetura para a criação
do “selo amarelo”, que identificará construções que ajudem na
prevenção ao suicídio. Hoje, o Cristo Redentor será iluminado de amarelo,
com o objetivo de chamar a atenção para o problema.
De
acordo com Silva, que cita a revisão de 31 artigos científicos que analisaram
15.629 casos de suicídio no mundo, em
96,8% dos suicídios as pessoas tinham algum diagnóstico de transtorno mental
quando se mataram:
* 35,8% sofriam de transtornos de
humor (depressão e transtorno bipolar são os mais comuns);
* 22,4% tinham histórico de abuso
de álcool e drogas;
* 10,6% sofriam de esquizofrenia.
“Quando
você detecta que alguém tem aids, faz-se uma notificação compulsória e o Estado
vai atrás para tratar. Não temos isso em caso de suicídio. Onde no Brasil você consegue marcar consulta com psiquiatra em menos de
três meses na rede pública?”
É preciso sensibilizar ainda
os médicos para perceber os sinais emitidos pelo paciente. “Cerca de 70% das pessoas avisam de alguma forma que
vão tentar se matar. Elas procuram alguma ajuda médica com queixas como dor
de cabeça, na coluna, dor do estômago. É preciso treinar o médico para perguntar
sobre o lado emocional”, afirmou o psiquiatra João Romildo Bueno, diretor da
ABP.
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