Uma eleição melancólica
Editorial
As semanas de campanha revelaram um nível de
mediocridade
poucas vezes visto na história paulistana
Causa
profunda decepção perceber que, às vésperas da votação para a escolha do novo
prefeito de São Paulo, nenhum candidato
tenha se mostrado realmente à altura do enorme desafio de governar esta cidade.
As semanas de campanha revelaram um nível de mediocridade poucas vezes visto na
história paulistana, com os postulantes engalfinhando-se por irrelevâncias, que
só dizem respeito ao embate político dos caciques partidários, totalmente
indiferentes ao destino de São Paulo. Decerto
desencantados, os moradores, que esperavam ouvir propostas sérias para resolver
os inúmeros problemas locais, terão agora de se esforçar para escolher o candidato menos ruim.
Infelizmente,
São Paulo revelou-se, nesta eleição municipal, um microcosmo da política
nacional. Naquela esfera, como se sabe, vem triunfando, há mais de uma década,
além do fisiologismo e da corrupção, o profundo descompromisso com o interesse
nacional. Certos políticos parecem
trabalhar apenas para si mesmos, de acordo com uma rasteira contabilidade de
ganhos e perdas pessoais. Para que o saldo dessa conta seja sempre
positivo, mente-se compulsivamente, recorre-se ao gangsterismo puro e simples,
pisoteia-se a verdade.
Ignorando
as reais necessidades do País, esses políticos disputam acesso aos recursos
públicos não para investir na melhoria da vida dos brasileiros, mas para obter
lucros eleitorais e arrancar vantagens pessoais ou partidárias. Os que não estão envolvidos em corrupção se
revelam profundamente incapazes de apresentar-se como alternativa política
viável, em razão de sua patente mediocridade. E há também aqueles que
ninguém sabe quem são – os aventureiros que, sem nenhum patrimônio político,
tudo podem fazer porque nada têm a perder.
Desse
modo, os paulistanos veem-se diante de uma escolha muito difícil – e desde já
sabem que o próximo prefeito será ou um autêntico representante da velha
política carcomida ou algum desconhecido que se apresenta como novidade,
explorando o desejo de mudança dos eleitores. Nos dois casos, o perigo de desastre é grande.
A
eleição em São Paulo está repleta de rostos conhecidos – além do atual
prefeito, Fernando Haddad (PT),
estão na disputa duas ex-prefeitas, Marta
Suplicy (PMDB) e Luiza Erundina (PSOL).
Essa turma já disse ao que veio.
Todos eles representam experiências
fracassadas, ou por desvios
ideológicos, que reduzem tudo à surrada luta de classes, ou por pura e
simples incompetência administrativa.
Entre
os não testados, João Doria (PSDB) e
Celso Russomanno (PRB) tentam
explorar o desencanto dos eleitores com os velhos políticos de sempre, mas, sob qualquer ângulo que se olhe, o voto
neles é um salto no escuro. E a experiência desastrosa da gestão de Haddad
mostra o que acontece quando se elege alguém totalmente desconhecido. Apelidado de “poste” pelos próprios
petistas, o atual prefeito foi uma invenção do ex-presidente Lula, que com
isso pretendia provar seu poder demiúrgico. Provou, mas o resultado é uma administração autoritária, inepta e divorciada da
realidade.
A
mediocridade da campanha paulistana ficou ainda mais evidente graças à saudável
proibição das doações eleitorais por parte de empresas. Com menos dinheiro para
gastar com pirotecnias marqueteiras, os candidatos acabam por se expor mais,
deixando evidentes as suas limitações.
É
claro que não se pode esperar que os candidatos de uma cidade importante como
São Paulo deixem de abordar temas que têm mobilizado as atenções nacionais,
ainda mais em tempos de profunda crise política, econômica e moral, que a todos
afeta. O problema é que a campanha, graças à indigência política dos
candidatos, se tornou um mero tira-teima sobre quem lucrou mais com a debacle
petista no plano federal, coisa que nada tem a ver, por exemplo, com a qualidade
do asfalto nas cronicamente esburacadas ruas e avenidas de São Paulo. Portanto,
resta aos eleitores a tarefa de
informar-se melhor sobre o candidato em quem pretendem votar e, principalmente,
de cobrar do eleito que se preocupe não com o grande jogo político de Brasília,
mas com os graves problemas desta cidade.
PROPOSTAS IRREAIS
E DEMAGÓGICAS
Promessas custariam até R$ 29,6 bilhões
em São Paulo
Adriana Ferraz
e Marianna Holanda
Valores de propostas somados das principais
candidaturas revelam desafio para o cumprimento em quatro anos; especialistas
veem risco de frustração
São Paulo precisaria de ao
menos R$ 29,6 bilhões em caixa para colocar em prática as principais propostas
apresentadas pelos candidatos a prefeito. Esse é o valor estimado, por exemplo, para:
* congelar a tarifa do
transporte público em R$ 3,80 pelos quatro anos de mandato,
* construir 100 quilômetros
de corredores de ônibus,
* oferecer escola integral a
100 mil crianças e
* contratar 2 mil médicos,
entre
outras promessas alardeadas durante a disputa eleitoral.
A
estimativa do jornal O Estado de S. Paulo
foi alcançada com base em dados da Prefeitura e em projeções feitas com a ajuda
de especialistas, tendo em vista os maiores compromissos firmados até agora.
Apesar do custo alto e do período econômico difícil pelo qual passa o País, os candidatos mais bem posicionados nas
pesquisas de intenções de voto não falam em crise, muito menos explicam como
vão conseguir recursos para colocar suas propostas em prática. [É esse tipo de atitude que provoca frustrações e decepções
da população com a classe política e os governos!]
Quem
ganhar a preferência do eleitor vai ter de lidar com um cenário financeiro no
mínimo apertado. O teto previsto para
investimentos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017 é de R$ 2,9
bilhões, valor 56% menor do que o aprovado para este ano. É como se o
próximo prefeito ou prefeita tivesse de ampliar essa previsão dez vezes durante
o mandato para viabilizar parte dos compromissos ou então gastar mais da metade
do atual Orçamento, fixado em R$ 54
bilhões.
Só a manutenção da tarifa de
ônibus em R$ 3,80 pelos próximos quatro anos, como prometem Marta
Suplicy (PMDB) e João Doria (PSDB), demandaria R$ 6,4 bilhões a mais em
subsídios para as empresas de transporte. Já a implementação de um sistema
de transporte moderno, nos moldes do chamado BRT (transporte rápido por
ônibus), onde o passageiro paga a passagem antes de embarcar, exigiria R$ 70
milhões por km – Marta promete 100 km.
“O BRT seria muito bem-vindo, desde que haja
dinheiro. Já congelar a tarifa seria uma temeridade na atual situação. E o
principal beneficiário nem seria o usuário, mas os empresários, que não teriam
de pagar mais em vale-transporte”, diz o consultor de engenharia de tráfego Flamínio Fichmann.
SAÚDE
Considerada pela população a
área mais deficitária, a saúde é a que reúne o maior número de propostas vendidas como a
solução para os problemas da rede. Contratação de médicos, expansão do
prontuário eletrônico com uso de cartão com chip e oferta de consultas e exames
durante o período noturno ou mesmo de madrugada estão entre as medidas
anunciadas.
Caso
vença, Celso Russomanno (PRB) precisará de nada menos do que R$ 1,8
bilhão por ano, ou R$ 7,2 bilhões em quatro, para cumprir a promessa de dobrar
o salário dos 5,7 mil médicos da rede direta. Isso se for levado em conta
apenas o salário inicial pago pela Prefeitura, de R$ 13,1 mil, sem os
benefícios nem 13º salário. Com esses
mesmos números é possível calcular quanto custaria contratar 2 mil médicos em
quatro anos: R$ 1,2 bilhão. Já estender
o funcionamento das unidades de saúde até as 23 horas demandaria R$ 503 milhões
por ano ou R$ 2 bilhões até 2020.
“Os candidatos estão fingindo
que é tudo céu de brigadeiro, isso não é real”, afirma Laura Macruz, professora de Saúde
Pública da Universidade de São Paulo (USP). “Caso a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) para limitar os gastos públicos for aprovada, haverá impacto
direto na gestão municipal. A fatia de
recursos do Orçamento para a saúde, hoje em torno de 20%, pode diminuir, e os
candidatos nem levam isso em consideração”, diz. [Portanto,
a maioria das promessas não passarão disso: promessas!]
MARCO ANTONIO TEIXEIRA Cientista Político - FGV/SP |
EDUCAÇÃO
Na
educação, mais uma ideia cara: a de ampliar o ensino integral, de oito horas.
Sob esse formato, o custo do aluno sobe 29%, segundo o Plano Nacional de
Educação. Todos os candidatos, com exceção de Luiza Erundina (PSOL), abordam o
tema, recorrente, aliás, em campanhas eleitorais.
Marta é
a única a citar números. Promete
matricular 100 mil crianças nesse sistema. Para isso, terá de obter cerca de R$ 2,5 bilhões – tendo como base
o valor anual de R$ 5 mil por aluno na escola regular. Outro compromisso batido, o de abrir vagas em creche, teria custo
semelhante, de R$ 2,7 bilhões, para Fernando Haddad
(PT) num eventual segundo mandato. O
petista diz que ampliará a rede em mais 100 mil vagas.
Para
o cientista político Marco Antonio
Teixeira, da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), a conta final revela falta de responsabilidade fiscal dos candidatos.
“Condutas como essas só colaboram para aumentar a frustração dos eleitores,
que, ao fim do governo, não veem suas demandas atendidas.”
“Fala-se muito em gestão nesta campanha, mas gestão é maximizar os
recursos existentes, não propor gastar mais do que se tem.”
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