«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

As mulheres, São Paulo e a Igreja

Paulo e as mulheres:
a Igreja condicionada por alguns versículos

Vito Mancuso
Jornal “Avvenire” – Roma
11-09-2016
ROSANNA VIRGILI - biblista italiana

Eu acho que a professora Rosanna Virgili errou completamente o alvo ao criticar duramente, no jornal Avvenire do dia 1º de setembro [acesse o artigo em italiano, clicando aqui], o meu artigo redacionalmente intitulado "O Islã, o cristianismo e a polêmica sobre o burkini" [acesso-o, clicando aqui], publicado no jornal La Repubblica do dia 27 de agosto passado.

O objetivo da minha contribuição, de fato, não era, de modo algum, a exegese e a hermenêutica do controverso pensamento de São Paulo sobre as mulheres, mas sim uma reflexão sobre a diferença entre Ocidente e Islã a partir de três fatos inequívocos:
1) que, durante séculos e séculos, no mundo ocidental e no mundo islâmico, houve uma flagrante submissão da mulher ao poder masculino;
2) que, hoje, no mundo ocidental, essa submissão da mulher não existe mais;
3) que o vestuário é uma clara indicação dessa evolução, já que, primeiro, as mulheres ocidentais não mostravam pernas e braços em público e usavam o véu na igreja, enquanto, hoje, agem totalmente ao contrário.

A meu ver, a submissão feminina do passado não pode deixar de ter uma raiz também no texto que, durante esses séculos, era o ponto de referência indiscutível, isto é, a Bíblia, incluindo o Novo Testamento, assim como, hoje, a condição da mulher no mundo islâmico também se explica com base no Alcorão.

Pretendendo negar essa minha abordagem e afirmar, em vez disso, que a submissão da mulher não tem fundamento bíblico, Virgili me acusa de informações incorretas, apresenta alguns textos de São Paulo e, depois, conclui: "Não se pode negar uma presença de autoridade e em nada ‘submissa’ das mulheres nas comunidades cristãs, que usavam ou não o véu quando rezavam, ou que se calavam durante as assembleias".

Assumindo beneficamente tal afirmação, acho que é preciso perguntar: mas depois o que aconteceu? Como é que essa presença de autoridade e em nada submissa das mulheres nas comunidades cristãs desapareceu de repente quase totalmente? Como a hierarquia eclesiástica do cristianismo pôde se configurar unicamente como masculina?

A menos que se sustente que a tradição eclesiástica operou tal leitura desviada da Bíblia a ponto de se configurar como traição, é evidente que a leitura tradicional tinha a possibilidade de encontrar na Bíblia não só o que Virgili afirma sobre o papel das mulheres, mas também o seu contrário.

E é exatamente o caso da passagem de São Paulo em 1Coríntios 11,3-10 por mim citado no artigo em questão e que à mentalidade da época apresentava três conceitos específicos:
1) que a mulher está submetida ao homem, assim como o homem está submetido a Cristo, e Cristo está submetido a Deus, de acordo com uma clara hierarquia ascendente;
2) que a mulher não apenas está submetida, mas é até finalizada ao homem, no sentido de ter sido criada para o homem, do qual é chamada a ser a "glória";
3) que a mulher deve cobrir a sua cabeça em sinal de aceitação da autoridade à qual está submetida.
VITO MANCUSO - teólogo italiano

O fato de Paulo dizer outras coisas em outros lugares diz respeito ao seu pensamento em si e por si mesmo, não à história dos efeitos produzidos por algumas de suas afirmações. Há séculos de história repletos de subordinação feminina, há um preciso direito matrimonial que sancionava a inferioridade da mulher em relação ao marido, testemunhando os efeitos produzidos por um texto como 1Cor 11,3-10.

Portanto, não tem nenhum sentido, no contexto do meu artigo, dizer que São Paulo não pensava sempre assim, porque o mérito do meu raciocínio não dizia respeito a São Paulo em si, mas à evolução do Ocidente em relação à condição feminina.

Virgili, depois, me acusa de ter cortado indevidamente a passagem de 1Coríntios e de fazer "má informação bíblica", mas se trata de uma acusação infundada e que, aliás, pode ser dirigida novamente a ela mesma.

É infundada porque os oito versículos paulinos por mim reproduzidos na íntegra, sem qualquer corte mínimo, e porque os versículos que se seguem, nos quais Virgili insiste (11-12), não mudam em nada a questão da submissão feminina em nível eclesial: a paridade ontológica proposta por São Paulo em nível místico naqueles versículos não produz para ele a paridade eclesiástica.

Prova disso são os versículos seguintes, 13-16, nos quais São Paulo retoma o tema da diferença homem-mulher para dizer que a mulher deve ter a cabeça encoberta, e o homem não.

A acusação de cortes indevidos, além disso, pode ser dirigida novamente a Virgili, em primeiro lugar porque ela não cita os versículos de 1Cor 11,13-16 para completar a perícope em questão, e, acima de tudo, porque, assumindo o papel de advogada de defesa de São Paulo, ela recorda alguns textos paulinos (1Co 7; Ef 5; Gl 3, 28), mas omite os mais embaraçosos a propósito das mulheres, como 1Cor 14,34-35 e 1Tm 2,11-15.

Eis o primeiro [1Cor 14,34-35]: "Que as mulheres fiquem caladas nas assembleias, como se faz em todas as igrejas dos cristãos, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a Lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, perguntem aos maridos em casa; não é conveniente que a mulher fale nas assembleias" [versão da Bíblia Pastoral].

E eis o segundo [1Tm 2,11-15]: "Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine ou domine o homem. Portanto, que ela conserve o silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, pecou. Entretanto, ela será salva pela sua maternidade, desde que permaneça com modéstia na fé, no amor e na santidade".

É a partir de textos como esse que provém, na arte ocidental, a frequente representação da Serpente tentadora com o rosto de mulher, assim como a estruturação institucional masculina da Igreja, por cuja mudança as teólogas e as biblistas contemporâneas lutam justamente, teólogas e biblistas que são uma clara contradição do pensamento paulino, porque o Paulo histórico não teria lhes permitido ensinar.

Virgili afirma que "não há exegese sem hermenêutica". É muito verdade, mas a questão decisiva diz respeito à intenção que anima a hermenêutica. Porque, durante muitos séculos, os textos citados acima eram fielmente respeitados, e hoje, em vez disso, causam problema para a consciência, a ponto de nos envergonhar, e preferiríamos evitar isso?

Virgili remete ao Concílio Vaticano II, mas se trata de uma resposta parcial, porque o Vaticano II, por sua vez, foi a consequência de um processo que iniciou muito antes e que se chama de modernidade. Foi a modernidade que fez evoluir a consciência ocidental à paridade homem-mulher e, portanto, que fez sentir a inaceitabilidade de algumas expressões bíblicas, incluindo as de São Paulo mencionadas acima.

E também foi a modernidade que marcou a maior diferença entre mundo ocidental e Islã, incluindo o vestuário feminino. O Vaticano II chamou a modernidade de "sinais dos tempos" e viu nela o trabalho do Espírito de Deus que sempre auxilia a evolução do mundo.

Ser moderno em âmbito teológico não significa ser genericamente progressista. Ao contrário, significa conferir o primado não mais à autoridade do texto, mas ao bem do ser humano, a serviço do qual se chega até a curvar o texto bíblico e o patrimônio doutrinal da Igreja, porque se considera que não há nada de mais precioso do que a vida humana e o seu florescimento.

É a partir daí que nasce a intenção que alimenta aquela hermenêutica capaz de uma exegese nova e mais libertadora, que Rosanna Virgili enfatizou na sua infundada crítica ao meu artigo.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Segunda-feira, 12 de setembro de 2016 – Pág. A6 – Internet: clique aqui.

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