Um diagnóstico do cenário brasileiro atual
O nevoeiro persiste e as bolas de ferro nos pés
nos mantêm no mesmo lugar
Entrevista com Luiz Werneck Vianna
Sociólogo
e Professor-Pesquisador da PUC-Rio
Patricia
Fachin
Modernizar o país, libertar-nos, à direita e à
esquerda, de tudo
aquilo que nos impede de combater uma triste realidade:
“hoje somos, sem o menor orgulho, uma das sociedades
mais desiguais do mundo”. E adverte: “O nacional-estatismo já deu o que tinha
que dar”
LUIZ WERNECK VIANNA |
A
análise da conjuntura brasileira, acompanhada de um entendimento da história do
país, dos elementos constitutivos do Estado brasileiro e das escolhas políticas
feitas nos últimos 80 anos, fornecem os subsídios para o sociólogo Luiz Werneck Vianna apresentar alguns diagnósticos sobre o
atual momento brasileiro. O primeiro deles,
frisa, é o de que a crise não passou após o impeachment
da ex-presidente Dilma Rousseff. O segundo é de
que essa crise tem “raízes muito poderosas na história brasileira” tanto à
direita, com a sustentação do patrimonialismo e das oligarquias, quanto à
esquerda, “pelo seu colossal abismo diante da cena contemporânea”, diz à IHU
On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.
Essa
constatação leva a uma terceira, a de que a
história do Brasil está permeada por uma “estadolatria”
que nasceu como oposição ao “capitalismo imperialista dos EUA”, o qual nos
“levou a isto que se vê por aí: a perda
de distinção entre o público e o privado, como aparece nas políticas
exercitadas pelos fundos de pensão. Isso trouxe uma riqueza para quem? Criou
uma sociedade mais igual ou desigual?”, questiona. E acrescenta: “O capitalismo de Estado no Brasil nunca
esteve interessado no tema da igualdade de oportunidades, mas na expansão
da lucratividade, das forças produtivas materiais”, e a consequência é que “hoje somos, sem o menor orgulho, uma das
sociedades mais desiguais do mundo”. E adverte: “O nacional-estatismo já deu o que tinha que dar”.
O quarto diagnóstico é de que, apesar dos protestos que
pedem a saída do presidente Michel Temer, não se propõe uma “alternativa
moderna” para o país. “Se sai o Temer, põe quem no lugar dele? A volta de Dilma
e do nacional-desenvolvimentismo recessivo e anacrônico que nos trouxe ao longo
do exercício do seu mandato nos leva aonde? (...) Qual é a alternativa moderna que está se pondo para a sociedade
brasileira? Não se tem nada à vista”. “O
movimento saudável”, argumenta, “seria
procurar, nesses dois anos, caminhos, alternativas a partir de conflitos, e lá
por 2018 apresentarmos à sociedade projetos consistentes, mas isso não é o que
se pratica”. Ao contrário, lamenta, “os
corações estão desconectados da cabeça; estão batendo ao ritmo do passado e
não querem bater ao ritmo da hora presente e da hora futura”.
Para
ele, se há uma alternativa para sair da
crise e modernizar o país, “nós não a tentamos”.
E a esquerda, que “classicamente”,
“desde Marx”, busca a “autonomia, a criação de novas instituições estatais a
partir de baixo” e tem a “utopia” da
“remoção do Estado”, “num passe de mágica” se tornou “estatizada” e “isso foi
uma abdicação”, de tal modo que hoje o “país tem medo de andar para frente,
de romper com as suas tradições mais fundas, e a tradição mais funda que temos aqui é a de Estado”, critica.
Romper com o Estado, explica, não significa apostar apenas no livre mercado,
mas defender a ideia de que o Estado
“não pode ocupar esse papel determinante e monopólico”.
Sobre
uma possível Reforma Trabalhista que será iniciada no governo Temer, Werneck
disse que as notícias sobre o tema ainda estão na “região dos boatos”, mas foi
categórico ao afirmar que neste momento
de crise o trabalhador tem que garantir a “sua empregabilidade”, e para
isso “trabalhadores e empresários precisam encontrar formas de negociação”.
Ele
pontuou ainda que “é consensual a necessidade de um ajuste fiscal”, e entre as
questões a serem respondidas neste momento, estão: “Vale ou não vale ampliar o
mercado de trabalho? Vale ou não vale ampliar a logística e a malha de
ferrovias ou hidrovias? Dispomos de recursos para isso ou não? É o Estado que
deve satisfazer a essas necessidades? Mas
o Estado está falido. (...) Como vamos conseguir recursos para enfrentar a
tarefa mais nobre que este país requer, que é a da educação?” E responde: “A saída nós temos que ir tateando na
parede, procurando onde ela está. Não vai ser agarrados às velhas opiniões que
vamos encontrá-las. (...) Diria que apostar na livre associação é um belo
remédio. É claro que sozinho isso não leva a nada; é preciso uma orientação
política, a qual, dirigida para o Estado, é sua democratização”.
LUIZ WERNECK VIANNA |
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia
Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São
Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de
Janeiro: Revan, 1997); A judicialização
da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999);
e Democracia e os três poderes no Brasil
(Belo Horizonte: UFMG, 2002).
Sobre
seu pensamento, leia a obra Uma
sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto
(Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).
Confira
a entrevista.
IHU
On-Line: Recentemente o senhor publicou um artigo afirmando que o “denso
nevoeiro” começa “a desanuviar”. Como está vendo este momento político do país,
pós-impeachment? Ainda há nevoeiro?
Werneck Vianna: É errado dizer que a crise
passou. Ela é muito profunda e suas causas têm raízes muito poderosas na
história brasileira, à direita e à esquerda. À direita com o patrimonialismo que persiste, com a preservação de
estruturas oligárquicas que ainda detêm algumas rédeas políticas no país. À esquerda, pelo seu colossal abismo
diante da cena contemporânea. A esquerda brasileira não nasceu com o feitio, o
perfil, com as concepções de mundo que hoje ela porta; ela nasceu do mundo sindical.
GETÚLIO VARGAS (1882-1954) - Ex-Presidente da República Governou como ditador de 1930-1934; constitucionalmente de 1934-1937; Estado Novo de 1937 a 1945; eleito novamente para o período de 1951 a 1954 |
História
da esquerda no Brasil
A fundação do Partido Comunista é de 1922.
Ele foi instituído como um partido
operário voltado para as questões do mundo do trabalho e com uma agenda
muito determinada no sentido de produzir uma legislação social que ampara o
trabalhador e de institucionalização da vida sindical até então à margem da
lei, em nome do princípio da Carta
Constitucional de 1891, a primeira Carta republicana, que dizia que nada
podia obstar a liberdade no mercado de trabalho; a ação sindical obstaria e,
nesse sentido, aos sindicatos deveria ser recusada a vida institucional e
legal.
Como
se sabe, a Revolução de 1930 é
resultado de uma combinação muito heterogênea
de forças políticas e sociais. Esses são tempos em que o país se modernizou
profundamente quando ali se iniciou o grande movimento migratório no sentido
Norte-Sul, que alterou significativamente o mundo da política e o mundo social,
ele próprio. Nessa circunstância de retorno à centralização política e
administrativa que, a partir da Revolução de 30, se sedimenta cada vez mais
entre nós, uma série de instituições foram criadas e as velhas inquietações e demandas do movimento sindical dos anos 20
foram incorporadas via uma progressiva legislação sindical e trabalhista que
faz da esquerda - que era uma esquerda operária - uma região da política que
passou a atuar sob a vigilância e, em alguns casos e mais à frente, tutelada
pelo Estado.
Essa
esquerda, que era autonomista quanto ao Estado, saiu de cena e ameaçou voltar
com a redemocratização de 1945 e a partir da Constituição de 1946. O autonomismo foi uma marca dos movimentos
sindicais e operários no começo dos anos 1950, à época do Manifesto de
Agosto do Partido Comunista, que era orientado para uma política de classe
contra classe. A partir de 1953, no
entanto, se inicia uma virada do mundo sindical e operário no sentido de se
encontrar com a estrutura corporativa sindical, e com isso os sindicatos e os movimentos operários
aderem às estruturas deixadas pelo Estado Novo de Vargas, de 1937.
COMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONAL - VOLTA REDONDA (RJ) SÍMBOLO DO ESTATISMO E DA FORÇA SINDICAL DOS FUNCIONÁRIOS DO ESTADO |
O
contexto da Guerra Fria e estadolatria
à brasileira
Mas
não estávamos nem éramos uma ilha perdida no mundo. Lá fora o ambiente dos anos
do pós-guerra logo se definiu por uma polarização entre a União Soviética de um
lado e o mundo capitalista de outro, no período da chamada Guerra Fria. Então,
como a Guerra Fria era vista como uma
disputa entre a União Soviética e os EUA – potência hegemônica do mundo
capitalista -, essa circunstância
internacional favoreceu a que o tema do Estado e a emancipação do Estado, a denúncia do imperialismo americano em
particular, fosse cada vez mais definida.
Na
esteira dessa política, o processo de
modernização burguesa que o país vivia desde os anos 30, capitaneado pelo
Estado – não se pode entender Volta Redonda, nem a montagem da
infraestrutura industrial, ou a industrialização que veio depois, sem a ação
interventora e indutora do Estado –, era
visto como naturalmente oposto ao capitalismo, ao imperialismo, particularmente
o americano. Nesse sentido, a velha tradição brasileira com a qual o Brasil
nasceu, a da prevalência do Estado sobre
a sociedade, foi ao seu ápice: criou-se aqui uma “estadolatria”, inclusive, com
um sindicalismo potente e ligado às empresas estatais e não às empresas de
mercado. O sindicalismo da Petrobras, de Volta Redonda, das estatais em
geral, dos estaleiros, era um sindicalismo dominado pelos comunistas e, quando não dominado, sob forte influência deles e
frequentemente em aliança com os setores
do PTB.
Com
isso, o sindicato e o sindicalismo em
geral passaram a orbitar no interior do Estado. Ao lado disso, a modernização do parque industrial gerou
uma nova categoria e uma nova fundação do movimento sindical e operário,
particularmente no ABC, de onde provirá o Lula e posteriormente o PT, que são claramente contra – dito e
proclamado – a consolidação das leis do trabalho [CLT], que seria o AI-5 do
trabalhador. Isso foi dito pelo ex-presidente Lula numa manifestação pública e
está registrado em vários lugares. Para
o PT, o movimento sindical deveria seguir uma linha de autonomia em relação ao
Estado e às suas instituições, e o lugar do movimento sindical seria o da
disputa direta no mercado, na sociedade, entre capital e trabalho. Vale dizer, é como se tivéssemos voltado aos anos 20,
época da fundação do Partido Comunista Brasileiro.
LULA DIANTE DE UMA ASSEMBLEIA DE OPERÁRIOS NO ABC - ANOS 1970 |
A
esquerda dos anos 70
Esse movimento de retorno à
autonomia dos trabalhadores, que é dos anos 70, e de exercício do sindicalismo
petista na região do ABC, teve um enorme fastígio, através do qual esse
movimento conseguiu superar os limites do mundo operário e sindical e se tornar cada vez mais
influente na vida social. Com que agenda conseguiram isso? Uma agenda de
autonomia, de confronto de classe contra classe no mundo do trabalho, de conquista de direitos extraídos a partir de
greves e não de outorgas advindas do Estado. Isso levou a que uma grande
franja da intelectualidade viesse a se solidarizar e apoiar o PT.
Cito
alguns dos grandes intelectuais que fizeram esse movimento em função dessa nova
agenda: Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, entre tantos
outros, dando uma legitimidade imensa a esse movimento social que logo se
constituiria em partido político. Essa
agenda fez também com que setores progressistas da Igreja Católica viessem a
legitimar a emergência desse novo ator da sociedade brasileira, isto é, de
um partido com extração do movimento sindical dos trabalhadores em geral.
PT:
de um partido da sociedade a um partido de Estado
O
movimento sindical e operário também não está solto no mundo. Na medida em que
esse partido novo ingressa no mundo da política e começa a competir em
eleições, principalmente na sucessão presidencial, ele se vê diante da seguinte
alternativa:
a) ou seguir fiel a si mesmo, à sua origem,
que é fundamentalmente ligada à sociedade civil e não ao Estado, tentando
adquirir ao longo do tempo mais musculatura política, sem privilegiar o
objetivo da imediata conquista pela via eleitoral, ou
b) fazer o jogo e se integrar
ao jogo da política tradicional.
Como
se sabe, aos poucos quase sem sentir,
esse partido tão alvissareiro, com essa origem tão particular, qual seja,
sociedade civil e mundo do trabalho, vai assimilando e introjetando práticas
objetivas que eram próprias da tradição burguesa brasileira. Dessa forma,
por uma verdadeira mutação, esse partido vai
se tornando, por força das novas circunstâncias, um partido de Estado e, com isso, recuperando e dando nova vida à cultura de
Estado predominantemente entre nós.
As
lutas contra a privatização em que o PT se envolveu ao longo do governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC) estavam claramente fincadas no objetivo de defender a presença do Estado na vida
econômica e na modernização do país. Cria-se em então – para ficar na
metáfora com que você me provoca – um nevoeiro imenso em que os interesses e as
classes sociais se tornam indistintos. O
que importava era a preservação do Estado, e mais do que a sua preservação,
a sua expansão, como se o avanço do
capitalismo de Estado fosse uma câmara, uma antessala para uma transição futura ao socialismo. [É bem isso que está na mente de muitas pessoas que se
consideram de esquerda, hoje, no Brasil! – Esqueceram-se das origens do PT e do
movimento sindical que lhe deu suporte!]
VÁRIAS FORAM AS MANIFESTAÇÕES PROMOVIDAS PELO PT E CUT CONTRA PRIVATIZAÇÕES |
Perda
de distintividade
Quais
são os interesses dos trabalhadores nesse jogo? São interesses próprios, autônomos
ou os interesses dessa política que precisava se manter e se sustentar? Com
essa movimentação, iniciou um movimento que, longe de ser uma força de
descontinuidade com a tradição, se tornou uma força legitimadora da tradição.
Basta ver, por exemplo, como o PT passou
a valorizar a Era Vargas, como passou a valorizar, inclusive, a Era Geisel, do Regime Militar. Em nome de quê? De
demandas de autonomia da sociedade, em defesa dos trabalhadores, ou em defesa do reforço do Estado e de uma industrialização
comandada pelo Estado?
A
meu ver essa perda de distintividade fez com que o que havia de potente na
sociedade emergente perdesse virilidade, vigor, aliás, como teria ocorrido com
o sindicalismo dos anos 50, que teria abdicado da sua autonomia em função do
projeto nacional-desenvolvimentista. É uma volta. Este país tem medo de andar para frente, de romper com as suas
tradições mais fundas, e a tradição mais funda que temos aqui é a de Estado. [E como isso é
forte em nossas mentes! – Assemelha-se à necessidade do “pai” que cuida,
protege, ampara, o “padrinho” de todas as horas!]
IHU
On-Line: Essa “estadolatria” foi negativa para o país?
Werneck Vianna: Sem dúvida.
IHU
On-Line: Hoje a esquerda defende a intervenção do Estado como condição
necessária para regular a economia e a área social, por exemplo. O que seria
uma alternativa sem a presença do Estado?
Werneck Vianna: A alternativa, nós não a
tentamos. O que a esquerda classicamente viveu, desde Marx e de uma tradição
que vem com Gramsci e outros, é a busca por autonomia, a criação de novas
instituições estatais a partir de baixo. A
utopia do movimento socialista, da esquerda em geral, foi sempre a da remoção
do Estado, do fim do Estado e isso, num passe de mágica, foi convertido por
circunstâncias nossas, a nossa tradição, a maneira como nós nascemos – nós
nascemos a partir do Estado – e pelas circunstâncias internacionais, e fomos criando uma esquerda estatalizada,
com uma relação mórbida com os grandes interesses da sociedade. Isso foi
uma abdicação. [Dizendo em palavras mais claras: não
há uma verdadeira “esquerda” no país! – Até nisso, somos tupiniquins!]
IHU
On-Line: Essa possível mudança na postura da esquerda pode estar relacionada
com uma estratégia de não querer se identificar com o modelo neoliberal que
defende um Estado mínimo, especialmente na área econômica? Foi por essa razão
que a esquerda reforçou a importância do Estado ou o que aconteceu para que
houvesse uma mudança de rota, abdicando da autonomia e reforçando o papel do
Estado?
Werneck Vianna: A sua questão é muito
pertinente. Houve esse temor, sim, mas ao mundo do trabalho não cabe se deixar
levar por esses esquemas que são estranhos a ele. O que é próprio ao mundo do trabalho é a criação da sua identidade, da
sua autonomia, do seu projeto.
MICHEL TEMER Tomando posse como Presidente da República e fazendo seu juramento de respeitar a Constituição Brasileira Brasília (quarta-feira), 31 de agosto de 2016 |
IHU
On-Line: Está circulando a notícia de que o governo Temer pretende dar
encaminhamento a uma reforma trabalhista, a qual poderá regular jornadas de
trabalho de até 12 horas semanais e permitir contratações por hora trabalhada.
Werneck Vianna: Por hora, não vejo como me
manifestar sobre isso, porque leio essas notícias ainda na região dos boatos.
IHU
On-Line: Mas a minha pergunta é como garantir os direitos trabalhistas,
autonomia do trabalhador, e não retroceder? O Estado é fundamental nesse
processo? A esquerda defende que sem um Estado forte não se garante isso. O que
seria uma alternativa?
Werneck Vianna: Estamos num momento muito
complicado da história do mundo, porque o trabalhador tem que defender também,
sobretudo neste momento de crise do capitalismo e de grandes mutações sociais,
a sua empregabilidade. Então, nesse sentido, esse mundo tem que ser um mundo negociado. Trabalhadores e
empresários precisam encontrar formas de negociação. Como manter um mercado de trabalho ativo, capaz de atrair cada vez mais
gente para o seu interior? O mundo todo tem que se repensar e está se
repensando, mas aqui nós nos recusamos a
pensar esses novos processos; a nossa posição é fundamentalmente defensiva.
São possíveis políticas ofensivas a partir da auto-organização da vida social,
é possível os trabalhadores terem um papel mais ativo dentro das empresas, é
possível, sobretudo, que haja uma intervenção cada vez mais forte da sociedade civil nas políticas públicas, mas para isso é preciso que ela seja educada sobre o que
se passa no mundo, que se tornou de uma enorme complexidade.
Muitas
das categorias que governaram o nosso mundo até, digamos, 1970, já não têm mais
vigência, perderam sentido, e o fato de
nós termos uma esquerda que desanimou de pensar
e inovar, criou embaraços monumentais. Não se está mais no mundo de 1950
aqui no Brasil, mas o comportamento é como se ainda estivéssemos e isso não
traz solução para a crise intelectual, econômica, social e política em que nos
encontramos.
Fora
Temer
Diz-se
que está ganhando um foro, pelo menos nas redes sociais e manifestações de rua,
a manifestação “fora Temer”. Está bem, mas
se sai o Temer, põe quem no lugar dele? A volta de Dilma e do
nacional-desenvolvimentismo recessivo e anacrônico que nos trouxe ao longo do
exercício do seu mandato nos leva aonde? Ao aprofundamento da crise política,
econômica e social. Fora Temer e põe o que no lugar? Qual é a alternativa moderna que está se pondo para a sociedade
brasileira? Não se tem nada à vista.
Então, para responder a sua primeira pergunta, diria que o nevoeiro persiste
não apenas pelas camadas pesadas de chumbo que nos vêm do passado, mas porque
não somos senhores da nossa circunstância; obedecemos
aos velhos comandos que nos trouxeram a essa situação.
IHU
On-Line: O seu diagnóstico é o de que a crise continua. Mas, apesar disso, ela
tem novos elementos com a saída de Dilma? Trata-se de uma nova fase da crise?
Werneck Vianna: Foi uma tentativa de sair da
crise, mas se você me perguntar se essa tentativa vai ser frutífera, eu diria:
só Deus sabe, porque as resistências que
vêm dessa cultura do passado a qualquer mudança pesam como chumbo na vida
dos contemporâneos e removê-las não é trabalho fácil, porque não temos
lideranças para isso. As lideranças de
esquerda que temos são comprometidas com o passado, com a tradição. [Ou seja, não evoluíram, não estudaram, não inovaram, estão
fora de sintonia com o mundo e a realidade atuais!]
IHU
On-Line: O que o senhor está dizendo é que não temos que resistir às mudanças
que estão sendo propostas?
Werneck Vianna: Não sei quais são as
mudanças. Esse elenco de mudanças ainda não foi apresentado, a não ser
pontualmente.
IHU
On-Line: Entre mudanças propostas, o governo Temer está sugerindo a PEC 241,
que determinará um novo regime fiscal. Essa é uma proposta adequada para esse
novo tempo ou não?
Werneck Vianna: Eu não domino os detalhes
dessa problemática, mas que é consensual
a necessidade de um ajuste fiscal, isso é. A própria Dilma, no início do
seu segundo mandato, concordou com isso ao convidar o ex-ministro Joaquim Levy
para o Ministério da Fazenda. Aí há imperativos e as circunstâncias não são
favoráveis para que se tomem direções sem consultar os seus riscos:
* vale ou não vale ampliar o
mercado de trabalho?
* Vale ou não vale ampliar a
logística e a malha de ferrovias ou hidrovias – que não temos?
* Dispomos de recursos para
isso ou não?
* É o Estado que deve
satisfazer a essas necessidades?
Mas
o Estado está falido. Então, há entre
nós, fruto da nossa formação, uma aversão natural ao mercado, ao lucro, porque
nós somos ibéricos, viemos da catolicidade da Contrarreforma. Como vamos
conseguir recursos para enfrentar a tarefa mais nobre que este país requer, que
é a da educação?
IHU
On-Line: Então, recuperar a agenda da modernização e olhar para frente neste
momento significa o que para o senhor? O Brasil tem que se modernizar abrindo
mais possibilidades para o mercado ou mantendo a intervenção estatal ou
buscando outra via? O que seria?
Werneck Vianna: Com a intervenção do Estado,
com ação reguladora do Estado.
Agora, o Estado sozinho pode o quê? Ele
fez algumas coisas importantes, sobretudo na era Vargas, mas Volta Redonda foi feita com capital
americano. Eu estive – não sei se foi um sonho – no quarto em que Getúlio Vargas se matou e sou capaz de
jurar que vi numa parede uma fotografia dele ao lado do Roosevelt, desfilando em carro aberto na Avenida Rio Branco
(Natal-RN).
O
capitalismo de Estado e a fusão entre o público e o privado
Nós
não somos a Coreia do Norte, um capitalismo autárquico. O nosso capitalismo nasceu dessa associação com o capitalismo
internacional. Eu estaria dizendo que o Estado deve recuar disso? Longe de
mim e da minha história. Estou dizendo
que ele não pode ocupar esse papel determinante, monopólico. Esse Estado
insulado levou a isto que se vê por aí: a perda de distinção entre o público e
o privado, como aparece nas políticas exercitadas pelos fundos de pensão. Isso trouxe uma riqueza para quem? Criou
uma sociedade mais igual ou desigual?
O capitalismo de Estado no Brasil nunca esteve
interessado no tema da igualdade de oportunidades, mas na expansão da
lucratividade, das forças produtivas materiais; são políticas muito residuais.
Então, hoje somos, sem o menor orgulho, uma das sociedades mais desiguais do
mundo. Há todo um espaço novo para se
pensar, mas nós temos bolas de ferro nos pés que nos mantêm no mesmo lugar.
IHU
On-Line: Que intelectuais ou teorias nos ajudariam a pensar um rumo diferente
para o Brasil e a modernização daqui para frente?
Werneck Vianna: Ah, é tão difícil responder
isso. Vou tentar sair um pouco dessa questão para, mais à frente, tentar
respondê-la. Veja as cerimônias de
abertura e encerramento das Olimpíadas e Paraolimpíadas. Veja que riqueza,
que capacidade de invenção. O Brasil é
uma grande novidade no mundo, a sua cultura, as suas tradições, a maneira como
as raças e religiões entre nós convivem é exemplar. Nós temos um tesouro
civil nessas Olimpíadas, que foram concebidas por intelectuais que foram à
nossa história e trouxeram o que há de vivo, de interessante nela. Mas nós
deixamos de pensar há muito tempo, porque na verdade, o inventário dessas cerimônias são concepções de intelectuais dos anos
35, 40: ali estão Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Ary Barroso, e novamente
apareceu o funk, a ópera de rua, que é uma criação nossa. Isso precisa ser
trazido de volta à reflexão.
Que país somos, o que
queremos ser e como vamos pavimentar o caminho para esse futuro? Se você me perguntar como
vamos fazer isso, vou te responder com sinceridade que não sei, porque é preciso de um movimento coletivo, de
uma animação, de uma crença de que é
possível mudar e não ficarmos atrelados a experiências do passado.
O nacional-estatismo
já deu o que tinha que dar. O regime militar levou isso às últimas
consequências. E quais são os resultados? Lesões
ambientais sem tamanho, aprofundamento
da desigualdade, e deve-se reconhecer o desenvolvimento de algumas forças
produtivas, sem dúvida, mas faz o balanço disso: mais se perdeu do que se ganhou.
É
claro que alguns elementos são nossos e originários, porque são marcas de pele
e, nesse sentido, o Estado sempre será
importante entre nós, mas é mais do que necessário democratizar esse Estado,
porque como se viu ao longo desses anos que vivemos, o Estado não foi democratizado; ele foi capturado por interesses
particularistas. [Em certos momentos pela
aristocracia e em outros pela elite sindical-política!]
IHU
On-Line: Mas não vislumbra o que seria a possibilidade de saída?
Werneck Vianna: Tudo o que há é reverência
ao passado, temor do futuro e imobilização mental em quadros anquilosados. A nossa universidade parou de pensar há
muito tempo. A saída nós temos que ir tateando na parede, procurando onde ela
está. Não vai ser agarrados às velhas opiniões que vamos encontrá-las.
IHU
On-Line: Em termos de reestruturação política dos grandes partidos, como PT,
PMDB, PSDB, o que deve acontecer?
Werneck Vianna: Penso que esses partidos já
estão bastante complicados. Os partidos
dominantes, PT e PSDB, não respiram nada novo. E na esquerda, o que se vê
entre os jovens? Uma volta aos tempos míticos da revolução, da insurreição das
ruas; é triste.
IHU
On-Line: Alguns têm dito que entre os jovens está aumentando uma visão mais
neoliberal. Concorda?
Werneck Vianna: Não concordo, não. Isso
existe, mas não vem nascendo com força. Isso também seria uma volta ao passado
pela direita. À direita e à esquerda, volta-se ao passado. O país está retido e esses 13 anos de PT – que me perdoem os petistas –
foram anos em que o pensamento não teve como avançar, porque ele ficou
prisioneiro das possibilidades de um homem providencial, o Lula, encontrar uma
saída para tudo. Nesse sentido, o PT abdicou de pensar, o pensamento foi
elaborado por cima e o país foi
anestesiado por uma política, essa sim, de cunho neoliberal, do consumismo, de
satisfazer as necessidades das pessoas pelo consumo – o carro novo, o
utensílio novo – e não pelos direitos.
Diria
que apostar na
livre associação é um belo remédio.
É claro que sozinho isso não leva a nada; é preciso uma orientação política, a
qual, dirigida para o Estado, é sua democratização. Há quem fale em
empreendedorismo, como o professor Mangabeira Unger. Está bem, que se estimule o empreendedorismo,
essa é uma política correta, mas é preciso ter uma orientação política para
isso.
Que sociedade queremos? Uma sociedade projetada
para uma imediata transição ao socialismo? Só uma pessoa inteiramente
desqualificada poderia admitir essa hipótese. Então, temos que conviver com o capitalismo e impor limites a ele,
domesticá-lo e abrir alternativas para que essa nova sociedade que está aí
chegue à economia, o que de maneira rudimentar vem acontecendo. É difícil
conceber uma alternativa para isso que aí está. Agora, pior de tudo é desistir
de procurá-la.
O país abandonou a
experiência da livre associação que, em alguns momentos, germinou entre nós, mas
não mais se procurou associar, porque havia,
por cima, uma entidade litúrgica político-religiosa que resolveria todas as
nossas questões.
IHU
On-Line: Mas alguns ainda apostam no retorno do ex-presidente Lula em 2018.
Werneck Vianna: Mas se vier, vem diferente,
porque essa possibilidade não lhe é mais dada. Não tem mais como exercer o
encantamento sobre as massas à base de políticas compensatórias, à base do
consumo. Essa política consumerista é
neoliberal. [E quantos da chamada “esquerda” não
defendem isso: o povo, dizem, foi retirado da pobreza! Que ilusão!]
IHU
On-Line: Mas vê a possibilidade de a esquerda se reposicionar politicamente
depois de 13 anos de governo petista?
Werneck Vianna: Acho muito difícil. Ela vai
precisar de tempo e de liberdade de desenvolvimento intelectual, porque a nossa esquerda está prisioneira de si
mesma, da sua história, com cultos antigos, Che Guevara, Marighela. A nossa esquerda é muito atrasada.
IHU
On-Line: E aquela esquerda que levanta a discussão sobre as questões ambientais
e faz uma crítica à financeirização do capitalismo?
Werneck Vianna: Eu apostaria mais nessa
direção. Mas é preciso também que tenha
políticos mais maduros, mais cultivados. A Marina, com todo o respeito que ela merece, tem uma agenda de
traços modernos, mas por outro lado, muito recessivos, inclusive na questão
comportamental. Mas sem dúvida ela é uma presença novidadeira nesse quadro de
mesmice que caracteriza o nosso pensamento.
IHU
On-Line: Como está a sociedade brasileira pós-impeachment? Saímos desse processo como uma sociedade mais frágil,
mais imatura ou mais amadurecida politicamente, mais forte, mais apática ou
mais política, mais antidemocrática ou democrática? Que mudanças esse processo
político trouxe ou ainda trará para a sociedade brasileira?
Werneck Vianna: Nós ainda não saímos dessa
fase. O impeachment teve uma solução legal, mas nós não demos as costas ao
passado. Estamos tentando edificá-lo. O
movimento “fora Temer” quer dizer isto: não há impeachment; é preciso retomar imediatamente a experiência anterior.
O movimento saudável seria
procurar, nesses dois anos, caminhos, alternativas a partir de conflitos, e lá por 2018
apresentarmos à sociedade projetos consistentes, mas isso não é o que se
pratica. Vive-se cada momento como se
fosse o último; radicaliza-se tudo em nome de coisas
já perdidas. A experiência presidencial Dilma Rousseff é perdida e
não há quem ponha aquele projeto de volta; nem ela. Aliás, ela já tinha declinado
desse projeto. Foi ela quem nomeou
Joaquim Levy.
IHU
On-Line: Mas muitos dizem que Temer vai dar seguimento a esse projeto.
Werneck Vianna: Não, Temer está aí tateando,
procurando alguma saída para ele.
IHU
On-Line: Já é possível saber qual é o projeto desse governo?
Werneck Vianna: Por ora, é um governo
imaturo. É preciso que esse governo se torne governo. Esse governo está ameaçado pelas forças
do passado e não está animado por nenhuma força emergente que aponte para o futuro. Não por culpa pessoal
do Temer, mas porque as circunstâncias são essas.
MANIFESTAÇÕES PELAS "DIRETAS JÁ" - PELA REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL Hoje necessitamos de consensos como tivemos naquela década de 1980!!! Somente assim, "amanhã vai ser outro dia!" |
IHU
On-Line: O senhor tem dito que o Brasil está precisando do “espírito de
concórdia”. O país ficou dividido entre os que defenderam o discurso do golpe e
os que foram contrários. A concórdia será possível daqui para frente?
Werneck Vianna: Vejo essa possibilidade com
muito pessimismo, porque a concórdia é
uma virtude do coração, como diz a própria palavra. E os corações estão desconectados da cabeça; estão batendo ao ritmo do
passado e não querem bater ao ritmo da hora presente e da hora futura.
Então,
que defendam os privilégios, os monopólios, os particularismos, as corporações,
esse corporativismo que nos mata.
Que defendam isso. E fazer o que com este país de 200 milhões de habitantes,
com as massas afundadas em situações de escassas oportunidades de vida, sem emprego,
sem serviços públicos à altura? Difícil. [Basta
constatar, que boa parte da militância petista provém de funcionários do setor
público! Precisa dizer algo mais?]
Sempre aparece uma saída
quando se procura por ela. Para isso não se pode dizer que se quer aquela saída, aquela que me
reponha aos anos de 1950, porque esses anos não voltam mais e se tornaram
anacrônicos; o mundo mudou. É só
olhar para a política americana do Obama e ver o que era. E eu diria mais: o mundo vem mudando para melhor, com todas
as dificuldades existentes.
A
política de refugiados da Ângela Merkel não pode perder. Ela pode até vir a
perder, mas não podemos deixar de socorrê-la com nosso apoio, porque a vida se faz a cada instante. Não tem
a descoberta de um caminho que avance; cada
momento é um passo e tem que procurar dar o passo certo neste momento em que
vivemos. Vamos ver o que vai acontecer com as eleições municipais, porque
elas são um indicador. Talvez elas nos surpreendam e mostrem uma sociedade que
está buscando novas possibilidades. Vamos aguardar.
IHU
On-Line: Deseja acrescentar algo?
Werneck Vianna: Gostaria que você tivesse
piedade de mim, que aligeirasse as partes mais malditas da minha fala para que
não levantasse uma onda de cólera contra a minha pessoa. (Risos).
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