Deixar o mercado fazer o que quiser não dá certo!
“Em uma sociedade democrática é preciso se assegurar de
que a economia funcione para todos, e a nossa não o faz.”
Entrevista
com Joseph Stiglitz
Economista
e Prêmio Nobel de 2001
Amanda Mars
O professor da Columbia University e assessor do
ex-presidente
Bill Clinton acredita que o maior problema da União Europeia é o
euro
JOSEPH STIGLITZ |
No
outono de 2015, Joseph Stiglitz
(Gary, Irlanda, 1943) dizia: o euro
atual “é um desastre”, qualquer outra coisa “seria melhor”, inclusive
quebrar a zona do euro. Um ano depois, no livro O Euro: Como a Moeda Comum Ameaça o Futuro da Europa (inédito no Brasil),
o Nobel de Economia afirma que só uma
reforma da união monetária, com uma sorte de “euro flexível”, poderia salvar o
futuro do clube europeu. Stiglitz recebe a reportagem em seu escritório na
Universidade Columbia, onde mostra um verdadeiro interesse pela situação
política da Espanha. Assessor principal do ex-presidente Bill Clinton, ele admite que os grandes partidos dos
Estados Unidos da América (EUA) não atenderam aos perdedores da globalização
e que Donald Trump soube ler melhor a frustração dos norte-americanos.
Pergunta.
Em seu livro, o Sr. diz que o euro é o maior problema da União Europeia. Mas o
primeiro país ao abandoná-la, o Reino Unido, não estava na zona do euro. O que
aconteceu?
Joseph Stiglitz: O Reino Unido sempre teve
esse forte sentimento de identidade, de não ser como os demais, de estar do
outro lado do Canal, mas creio que os
problemas do euro foram cruciais no caminho rumo ao Brexit [a saída do Reino Unido da União Europeia].
Uma das imagens da União Europeia (UE) que os conservadores propagaram é a
dessa Bruxelas rígida e burocrática, e a forma em que a troika geriu a crise dos países teve uma rigidez muito negativa.
Além disso, o fato de que tenha ficado claro que não havia democracia na eurozona, que a Alemanha e alguns sócios
estavam ditando as regras, fez com que os britânicos pensassem que isso não era
uma democracia saudável. Se estivesse no Reino Unido e visse o que ocorre fora
da zona do euro, você se perguntaria: “É a este clube que quero pertencer?” A zona do euro geriu tão mal o euro que
tornou a UE menos atrativa.
Agora
que o Brexit é um fato, o que é mais perigoso para a União Europeia: que a
saída seja positiva ou que fracassem?
Joseph Stiglitz: Esse é um ponto fantástico.
Para mim, a atitude de Jean Claude
Juncker [presidente da Comissão Europeia] de que devemos ser muito duros,
punindo o Reino Unido para que ninguém mais queira sair, é terrível. O que ele
deveria dizer é que não explicamos bem as vantagens da UE, não mostramos por
que esse é um clube do qual ninguém deveria querer sair. Você não pode querer que as pessoas continuem por medo, isso não é
saudável nem democrático. Assim não conseguiremos o tipo de solidariedade
que permitirá que a UE resolva os problemas comuns de migração e mudança
climática. Se todo mundo sentir que está
nesse clube porque não tem alternativa, será uma união muito infeliz.
Tradução do título desta obra de JOSEPH E. STIGLITZ: "O Euro: Como a Moeda Comum Ameaça o Futuro da Europa" |
E
se a saída deixar de assustar, poderá se tornar um incentivo para ir embora.
Joseph Stiglitz: Tem que ser um incentivo para que a UE funcione melhor.
Um exemplo de algo que acredito que foi muito bom é a decisão de Margrethe Vestager [comissária europeia
para a Concorrência] de dizer que a Irlanda e a Apple estavam trapaceando e roubando receitas fiscais, porque esse
é um exemplo de comportamento de um país que prejudica os demais. Por isso,
você precisa de normas.
E
enquanto isso o euro existe. É possível deixá-lo?
Joseph Stiglitz: É a mesma pergunta que é
feita na UE e, se for possível, será uma experiência. E acho que a resposta
será que sim. Prova disso são as relações entre Estados Unidos e Canadá. Temos
um mercado comum de algum modo, mas não livre migração nem mercado único.
Não li nenhum economista que dissesse que haveria uma grande diferença se
tivessem um mercado único. As
consequências políticas, para mim, são mais importantes do que as econômicas.
Mostram que houve um processo de integração durante 70 anos e que agora começa
um movimento em direção contrária.
Na origem da União Europeia está o mercado
único. Com a atual reviravolta desse chamado sentimento protecionista, acredita
que hoje esse projeto poderia ser incentivado?
Joseph Stiglitz: Quando a UE foi criada e se
impuseram as regras, foi um momento específico da história na qual havia muito
mais confiança nos mercados e a crença – muito estúpida, de um ponto de vista
econômico – de que se os governos mantivessem as contas públicas saneadas, os
mercados funcionariam, haveria pleno emprego e todo o mundo se beneficiaria.
Mas a teoria econômica diz que se há
integração, há ganhadores e perdedores, a menos que sejam feitas políticas
fortes para proteger esses últimos. Os ideólogos esqueceram a distribuição.
Se hoje fizessem essa união, teria de
ser diferente, deveria proteger os perdedores.
Há
uma onda de um chamado “protecionismo”. Nos
Estados Unidos, tanto o partido Republicano como o Democrata mudaram sua
sensibilidade em relação à globalização. O
senhor vê essa mudança no enfoque de Hillary Clinton? Qual é a sua análise?
Joseph Stiglitz: Não é protecionismo. Nos demos conta de que o
sistema não cumpre o que tinha sido prometido. Nossos líderes e nossa
democracia falharam. Disseram que a liberalização
do mercado financeiro aceleraria o crescimento e o que fez foi dar mais
dinheiro a 1% de cima. A lição é que
precisamos de proteção.
Quando
se fala de proteção, fala-se de protecionismo de forma pejorativa.
Joseph Stiglitz: Em uma sociedade democrática é preciso se assegurar de que a economia
funcione para todos, e a nossa não o faz. A teoria econômica já predisse, e agora temos a
evidência.
O
fenômeno Trump é resultado disso?
Joseph Stiglitz: O fenômeno da ala direita é
a declaração de que os partidos de
centro apoiaram uma série de políticas durante um terço de século que
aumentaram a desigualdade e deixará para trás muitas frações da sociedade.
A diferença é que para o Partido Popular
da Espanha, por exemplo, não parece importar as pessoas que foram deixadas para
trás. Os socialistas se importam, mas
não encontraram uma forma de fazê-lo com a austeridade orçamentária imposta
pela Alemanha.
A
Espanha pode chegar às terceiras eleições? O senhor vê uma origem econômica
nisso?
Joseph Stiglitz: Consequência. Quando nas
sociedades as coisas funcionam bem, você pode se comprometer, pode ter diferenças,
mas não divisões enormes. Se você tem
pessoas que sofreram muito, elas não vão querer se comprometer a sofrer mais.
O
senhor acredita que a União Europeia acabou sendo um projeto egoísta?
Joseph Stiglitz: Não, foi um projeto visionário. Uma tentativa de juntar grandes países. Mas se
baseou nessa ideia de que a economia de
mercado resolveria as coisas por si só e levaria a algo que beneficiaria a
todos. Essa teoria foi o problema.
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