Religião vira serviço "delivery" - entrega em domicílio!
Amazon faz “delivery” de monges no Japão
Jonathan Soble
THE NEW
YORK TIMES
Nova
York – EUA
Nada escapa ao tino comercial da gigante do comércio
eletrônico:
no Japão, cerimônia budista básica custa o equivalente
a US$ 344
JUNKU SOKO monge de 39 anos vai em domicílios realizar serviços religiosos budistas - Japão |
O
monge budista de cabelo aparado acende o incenso no pequeno altar exatamente
como os membros da sua ordem fazem há séculos. Enquanto o monge entoava sutras,
Yutaka Kai fechou os olhos e orou
pela mulher, que morreu no ano passado em decorrência de complicações de uma
cirurgia substitutiva no joelho.
Kai,
68 anos, deixou de lado a fé budista da família ao sair de sua cidade natal
décadas atrás, na zona rural, para trabalhar numa fábrica de pneus. Por isso,
não encontrou nas imediações um templo em que pudesse ir no primeiro aniversário da morte da mulher,
data considerada um marco para os
budistas japoneses.
Entra
em cena a internet. No Japão moderno, é
possível encontrar um monge budista com poucos cliques, bastando recorrer à Amazon.com. “O
preço é acessível e claramente informado”, disse o filho mais velho de Kai,
Shuichi, 40 anos. “Não precisamos descobrir sozinhos de quanto
deveria ser uma doação aceitável.”
O
monge que participou da cerimônia de Kai, Junku
Soko, faz parte de um negócio controverso que está perturbando as
tradicionais cerimônias fúnebres japonesas. Num país em que regulamentações
sufocaram boa parte da chamada economia dos “bicos” – o Uber, por exemplo, tem
presença ínfima no país –, uma rede de
monges freelance está avançando no improvável mercado da religião.
O empreendimento deles é
considerado inapropriado por algumas pessoas e recebeu a condenação de
lideranças budistas. Um abrangente grupo que representa as muitas seitas budistas do Japão
se queixou publicamente depois que a Amazon começou a oferecer serviços de obosan-bin (“delivery de monges”) em seu site japonês no ano passado, em
parceria com uma startup local.
COMO
FUNCIONA
Para agendar um monge pela
Amazon, os usuários clicam em uma das muitas opções e a adicionam a um carrinho de compras, exatamente como fariam no caso de um par de
sapatos. Os preços são fixos. Uma cerimônia básica no lar do morto custa 35
mil ienes (US$ 344 – trezentos e quarenta e quatro dólares). O pacote mais
caro, que inclui uma segunda cerimônia no cemitério e um batismo budista
póstumo, quase dobra de preço.
O
serviço foi pensado originalmente pela startup
Minrevi, com fins lucrativos. Antes de assinar um acordo com a Amazon no
ano passado, a empresa construiu uma
rede de 400 monges e começou a fazer os agendamentos em seu próprio site, que
continua no ar, bem como agendamentos por telefone. A empresa diz ficar com
cerca de 30% dos valores cobrados; o restante fica com o monge.
A empresa incorporou outros
cem monges para atender à demanda gerada pela nova parceria com a Amazon, disse o porta-voz Jumpei Masano. Espera-se um aumento de 20% nos
agendamentos este ano, chegando a cerca de 12 mil.
PRESERVAÇÃO
Os
monges e seus defensores dizem estar atendendo a necessidades reais. Eles afirmam que o serviço está ajudando a
preservar as tradições do budismo ao torná-las acessíveis a milhões de
japoneses que se afastaram da religião. “Os templos nos mandam velas de 10
ienes, mas cobram 100 ienes pelo serviço”, disse Soko, 39. “Estão protegendo os próprios interesses.”
Os
argumentos desse tipo soarão familiares para quem quer que já tenha acompanhado
a perturbação que as empresas de comércio eletrônico trazem para determinados
setores da economia, da edição de livros até as companhias aéreas, táxis e
hotéis.
No
Japão, mesmo em segmentos muito menos ligados à sensibilidade do que a
religião, os recém-chegados costumam ser recebidos com frieza, e as startups
são mais raras do que em outros países ricos. Entre as explicações: escassez de
capital de risco, a influência política exercida por empresas já consolidadas e
uma cultura que valoriza mais a estabilidade do que a criatividade destrutiva
que impulsiona o crescimento em países como os Estados Unidos.
Mas
a religião pode ser uma exceção à regra. Trata-se de um assunto tão opaco – e
tão distante do cotidiano de muitos japoneses modernos – que uma pequena dose
de perturbação tecnológica pode se mostrar bem-vinda. Além de espiritual, a questão é material. Assim como ocorre com
instituições religiosas em muitos outros países, os templos no Japão recebem generosas isenções fiscais.
Para monge, templos também são negócios
Assim como ocorre com os praticantes de
outras religiões, os budistas costumam oferecer doações aos monges em troca de
seus serviços.
Os defensores dos obosan-bin (os tais monges que podem ser solicitados diretamente no
site da Amazon) defendem que os
templos convencionais já funcionam como negócios.
Na visão dos defensores do novo serviço, a solicitação
pela internet deixa a relação mais clara, num sinal de respeito ao consumidor.
[Isso mesmo! Religião é um “consumo” como outro
qualquer, segundo essa visão!]
O monge Junku Soko diz que, ao deixar o
doador decidir a quantia, o que ocorre é que muitos acabam pagando demais.
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