O SISTEMA FINANCEIRO MAIS PREJUDICA QUE AJUDA A SOCIEDADE HOJE!
Boa noite, Cinderela
Ladislau
Dowbor*
Fraudes. Propinas para políticos. Manipulações.
Um estudo devastador sobre o sistema financeiro revela
como,
por trás dos anúncios cheios de pessoas felizes,
os bancos sugam a riqueza social.
Resenha do artigo:
Overcharged: the high cost of high finance
[Tradução livre: Cobrando demais: o alto custo da alta finança]
de Gerald
Epstein e Juan Antonio Montecino,
The Roosevelt Institute, Junho de 2016
[acesse clicando aqui]
WALL STREET Famosa rua e bairro financeiro de Nova York - Estados Unidos da América |
Às
vezes precisamos de um espelho. Com o grau de deformação ideológica dos
argumentos quando se trata da realidade brasileira, é bom dar uma olhada como todo o debate sobre o resgate do sistema
financeiro está se dando no resto do mundo. Não somos uma ilha, e muito
menos o nosso sistema financeiro, ainda que aqui algumas deformações sejam
muito maiores. Hoje já não podemos ignorar o sólido acervo de pesquisas, que
deslancharam após a crise de 2008, e
que mostram a que ponto o sistema
financeiro se distanciou dos seus objetivos iniciais de financiar o
investimento e o crescimento econômico. Aqui apresentamos a excelente pesquisa de Epstein e Montecino
sobre o sistema americano, organizando as ideias chave, e este espelho gera
um impressionante efeito de ver na imagem refletida a sombra dos nossos dramas.
O
estudo de Epstein e Montecino oferece uma visão
de conjunto do impacto econômico da intermediação financeira, tal como
funciona nos Estados Unidos da América (EUA). O sistema não só não fomenta a economia, como a drena. O título, Cobrando demais: o alto custo da alta
finança, já diz tudo, e pela primeira vez temos aqui uma visão sistêmica e
integrada do quanto custa à economia americana uma máquina financeira que se
agigantou e se deformou radicalmente. Hoje
não fomenta a economia, pelo contrário, inibe-a, gerando mais custos do que
estímulo produtivo. A pesquisa faz parte de um conjunto de iniciativas do
Roosevelt Institute, que tem como economista chefe Joseph Stiglitz, prêmio “Nobel” de economia, e que já foi
economista chefe do governo Clinton e do Banco Mundial.
Esta pesquisa tem muita
importância para nós no Brasil, pois o sistema financeiro internacional
funciona aqui a pleno vapor, e a cultura da intermediação financeira não varia muito entre a City
de Londres, Wall Street ou o sistema de usura que se implantou no Brasil. Hoje
existe uma cultura financeira global. No nosso caso, o desajuste fica evidente quando constatamos que em 2015 o PIB recuou
de 3,8%, enquanto no mesmo período o lucro declarado do Bradesco aumentou em
25,9%, e o do Itaú aumentou em 30,2%. A máquina financeira está vivendo às
custas da economia real. Nosso sistema
de intermediação financeira não serve a economia, dela se serve. É
produtividade líquida negativa. Ajuda, e dá confiança às nossas pesquisas aqui
no Brasil, esta constatação lapidar do próprio Stiglitz: “Enquanto antes as finanças constituíam um mecanismo para colocar
dinheiro nas empresas, agora funcionam para extrair dinheiro delas.” [1]
Há
pessoas que têm dificuldade em imaginar um grande banco internacional achacando
os seus clientes, e imaginam que nos EUA as coisas seriam sérias, quanto mais
na Europa. É preciso aqui lembrar algumas coisas óbvias. Por fraude com milhões de clientes, o Deutsche Bank foi condenado em
setembro de 2016, pela justiça americana, a uma multa de 14 bilhões de dólares
(uma vez e meia o orçamento anual do Bolsa Família, que tirou 50 milhões de
pessoas da miséria, só para dar uma ordem de grandeza dos tamanhos das fraudes
bancárias). É bom lembrar que um banco
tão sério como Citigroup já foi condenado a pagar US$ 12 bilhões (fechou
por US$ 7 bilhões), Goldman Sachs está
pagando $ 5,06 bilhões, JPMorgan
Chase&Co está pagando US$ 13 bilhões, o Bank of America US$ 16,7 bilhões. Os crimes são dos mais diversos
tipos, desde fraude nas informações aos clientes até falsificações dos mais
diversos tipos, depenando clientes, enganando o fisco, falsificando informações
sobre taxas de juros e semelhantes. [2]
Todos
ouviram falar da financeirização, mas poucos se dão conta da profundidade da
deformação generalizada dos processos econômicos, sociais e ambientais que
resultam da migração dos nossos recursos do fomento econômico através de
investimentos, para ganhos improdutivos através de aplicações financeiras.
Inclusive, os bancos e a mídia chamam tudo de “investimento”, parece mais nobre
do que aplicação financeira ou especulação. A revista Economist até inventou a expressão “speculative investors” e Stiglitz sente-se obrigado a se referir a
“productive invesments” para
diferenciar. Mas não há como escapar desta realidade simples: quando você compra papéis, eles podem
render, mas você não produziu nada. E abrir uma empresa, contratar
trabalhadores, produzir e pagar impostos é mais trabalhoso do que por exemplo
aplicar em papéis da dívida pública. O primeiro estimula a economia, o segundo
gera rendimentos sem contrapartida, e a partir de um certo nível torna-se um
peso morto sobre as atividades econômicas em geral.
Voltando
ao artigo de Epstein e Montecino, em termos de funcionalidade econômica os
autores se referem a uma “spectacular
failure” [fracasso espetacular]:
“Um sistema financeiro saudável é aquele que canaliza recursos financeiros para
investimento produtivo, ajuda as famílias a poupar para poder financiar grandes
despesas tais como educação superior e aposentadorias, fornece produtos tais
como seguros para ajudar a reduzir riscos, cria suficiente quantidade de
liquidez útil, gere um mecanismo eficiente de pagamentos, e gera inovações
financeiras para fazer todas estas coisas úteis de forma mais barata e efetiva.
Todas estas funções são cruciais para uma economia de mercado estável e
produtiva. Mas depois de décadas de desregulação, o sistema financeiro atual dos EUA se tornou um sistema altamente
especulativo que falhou de maneira bastante espetacular em realizar estas
tarefas críticas.” (pág. 1)
Do lado das alternativas, é
resgatar o sistema de regulação, reestruturar o sistema para que sirva a
economia e não dela se sirva apenas, e gerar sistemas alternativos de
intermediação financeira para que as pessoas voltem a poder ter escolha: “Esses custos excessivos
das finanças podem ser reduzidos e o setor financeiro pode de novo jogar um
papel mais produtivo na sociedade. Para alcançá-lo, precisamos de três enfoques complementares:
1º)
melhorar a regulação financeira, aproveitando o que a [lei] Dodd-Frank já
conseguiu;
2º) uma reestruturação do sistema financeiro para que sirva melhor as necessidades das nossas comunidades, pequenos negócios, famílias, e entidades públicas; e
2º) uma reestruturação do sistema financeiro para que sirva melhor as necessidades das nossas comunidades, pequenos negócios, famílias, e entidades públicas; e
3º)
alternativas financeira públicas, tais como bancos cooperativos e bancos
especializados, para equilibrar o jogo.” (pág. 3)
NEW YORK STOCK EXCHANGE [NYSE] = Bolsa de Valores de Nova York |
Como foi se deformando o
sistema financeiro, que atualmente impõe enormes custos para a economia real,
obrigada a sustentar uma imensa superestrutura especulativa?
“Mostramos
como a indústria de gestão de recursos (assets)
cobra taxas excessivas e traz retornos medíocres para as famílias que buscam
poupar para a aposentadoria; como empresas privadas de gestão de ações se
apropriam de níveis excessivos de pagamentos dos fundos de pensão e outros
investidores enquanto frequentemente penalizam os salários e oportunidades de
emprego dos trabalhadores nas empresas que compram; como os fundos
especulativos (hedge funds)
apresentam mau desempenho; e como emprestadores predatórios exploram algumas
das pessoas mais vulneráveis da nossa sociedade. Olhando desta maneira desde
abaixo, podemos ver de forma mais clara como os níveis de excessos de cobrança
(overcharging) que identificamos no
nível macro se organizam de maneira prática.” (pág. 3)
O resultado prático é que os
trilhões de dólares captados pelo sistema de intermediação financeira e os
diversos fundos representam em termos líquidos um dreno para a economia
americana.
Este sistema, como no Brasil, representa uma produtividade negativa, e gera ganhos líquidos sem contrapartida produtiva
correspondente: “Assim, as finanças têm operado nestes últimos anos um jogo
de soma negativa. Isto significa que nos
custa mais do que um dólar transferir um dólar de riqueza para os financistas –
significativamente mais. Por isso, mesmo que você pense que os nossos
financistas merecem cada centavo que conseguem, sairia muito mais barato
simplesmente enviar-lhes um cheque todo ano do que deixá-los continuar a tocar
os negócios como sempre.” (pág. 4)
Bancos
pequenos e médios nos EUA continuaram a desempenhar as suas atividades de commercial banking, mas dez gigantes passaram a dominar o sistema
financeiro, concentrando-se em
outros produtos, essencialmente especulativos. Este grupo dominante,
segundo a pesquisa, concentrou-se “em novos produtos e práticas ligadas à crise
financeira – inclusive securitização, derivativos e comércio proprietário (proprietary trading), tudo financiado por empréstimos de muito
curto prazo.” (pág. 10) A oligopolização é aqui central, apoiada não só na não-transparência dos produtos, como no
seu poder político de obter subsídios
(o que, no Brasil, é a taxa Selic elevada). Trata-se “do poder monopolístico ou
oligopolístico que as instituições financeiras podiam exercer por meio de
produtos financeiros não transparentes, bem como da facilidade de acesso a volumes maciços de capital por
causa dos subsídios devidos à sua condição de ‘grandes demais para quebrar’”.
(pág. 19)
Segundo
os autores, os numerosos bancos menores nos EUA terminam sendo tributários
destes gigantes: “Os grandes bancos de
Wall Street estão no epicentro do sistema financeiro. Como resultado,
praticamente todos os aspectos dominantes das finanças que discutimos até aqui
– hedge funds, ativos privados,
créditos predatórios, mercado hipotecário e o chamado sistema de ‘bancos das
sombras’ (shadow banking) – todos estão ligados até certo ponto com os grandes
‘core banks’.” Por sua vez, estes
grandes bancos passam a exercer um poder político que torna qualquer reforma
pouco viável: “No caso da reforma
financeira, o poder que o setor financeiro exerce sobre o processo político tem
sido uma força com a qual é difícil lidar.” (pág. 41)
Esta
pirâmide de poder, tanto sobre o conjunto do sistema financeiro, envolvendo até
os pequenos bancos comerciais locais ou regionais, como sobre o processo
decisório político que deveria permitir a regulação, permitiu a estruturação de uma máquina que extrai
recursos da economia de maneira desproporcional relativamente ao seu aporte
produtivo. “Precisamos enfatizar o fato que na nossa análise, estamos
estimando os custos líquidos (ênfase dos autores) do nosso sistema financeiro:
os custos que ultrapassam de longe o que
um sistema financeiro eficiente deveria custar à sociedade. As rentas
financeiras medem quanto a mais os clientes e pessoas que pagam impostos têm de
pagar aos banqueiros para ter direito aos serviços (benefícios) que recebem. Os
custos de má alocação medem os custos de termos um crescimento econômico menor
do que teríamos se as finanças tivessem uma dimensão otimizada e funcionassem
de maneira eficiente. Estes custos são líquidos no sentido de que o cálculo
reconhece que o sistema financeiro cria
benefícios significativos, mas que estes benefícios seriam maiores se o sistema
operasse em escala correta e de maneira correta. Finalmente, os custos da
crise financeira constituem um custo líquido no sentido de que medem quanta
produção foi perdida relativamente ao que seria possível se não tivéssemos tido
a crise financeira.” (pág. 14)
O conceito de custo líquido do sistema financeiro
é muito útil, pois envolve diretamente a questão da produtividade sistêmica das
finanças de um país. Para o Brasil,
considerando os custos da crise 2015/2016, da qual o sistema financeiro foi a
causa principal, podemos igualmente calcular o custo sistêmico. No caso
americano, os autores consideram que “precisamos incorporar os custos das
crises financeiras associadas com a especulação excessiva e as atividades
econômicas destrutivas que são agora bem compreendidas, no sentido de terem
sido chave na crise econômica recente.” (pág. 16) A diferença é que nos EUA se reconhece as raízes da crise financeira de
2008, enquanto aqui se atribui a crise ao ridículo déficit fiscal, de menos de
2% do PIB. O rombo na realidade é criado pelo nível surrealista de juros sobre a dívida pública, a taxa Selic,
que só no ano de 2015 significou uma
transferência de 501 bilhões de reais, 9% do PIB, dos nossos impostos para
os grupos financeiros. [3]
(No Brasil continuamos a achar que o problema é o déficit
fiscal e o remédio seja, apenas, um ajuste fiscal! Na verdade, são os juros
pagos ao sistema financeiro que “comem” toda a riqueza do país! E nisso,
ninguém fala em mexer!)
O
conceito de renta financeira (financial
rent) é importante, e o próprio
conceito de “renta”, diferente de renda, tem de ser introduzido nas nossas
análises no Brasil. O fato é que a “renta” como forma de acesso aos
recursos sem a contribuição produtiva correspondente ajuda a entender o
processo (no Brasil, curiosamente, utilizamos a expressão “rentismo” mas não
existe ainda o conceito de “renta”). Em
inglês se distingue claramente o mecanismo produtivo que gera a renda (income) e a aplicação financeira que gera “renta” (rent).
Em francês é igualmente clara a diferença
de “revenu” e “rente”, respectivamente. Não há como entender por exemplo os
trabalhos do Piketty sem esta
distinção. Segundo os autores, “no caso
das finanças modernas, as rentas vêm em duas formas básicas:
1ª)
uma é o pagamento excessivo feito aos
banqueiros – top traders, CEOs, engenheiros financeiros e outros empregados
de bancos e outras instituições financeiras com altas remunerações; a outra
forma são
2ª)
os lucros excessivos, ou retornos muito
acima dos retornos de longo prazo que são distribuídos aos acionistas como
resultado dos serviços financeiros providenciados por uma empresa.” Os ganhos
financeiros deste tipo agigantam-se a partir dos anos 1990. (págs. 17, 19)
Os custos destas atividades
rentistas
que travam as atividades econômicas em vez de promovê-las, têm de ser suportados pela sociedade: “O custo das finanças para a
sociedade não é apenas o resultado de transferências de renda e riqueza da
sociedade como um todo para as finanças; há
custos adicionais se a mesma finança mina a saúde da economia para as famílias
e os trabalhadores.” (pág. 22) Uma citação interessante trazida pelos
autores é a de James Tobin, já em
1984: “Estamos jogando um volume cada vez
maior dos nossos recursos, inclusive a nata da nossa juventude, em atividades
financeiras distantes da produção de bens e serviços, em atividades que geram
retornos privados elevados sem proporção com a sua produtividade social.”
[É a sociedade do papel! Onde pouquíssimos lucram muito e a
maioria da sociedade nem vê a cor do dinheiro!]
THOMAS PIKETTY Economista francês tornou-se famoso ao demonstrar que está crescendo assustadoramente a concentração de capital no mundo |
Tobin foi um dos primeiros a
constatar esta deformação sistêmica da intermediação financeira. (pág. 23) Tenho encontrado
esta citação em outros textos, pois é muito relevante, inclusive pelo uso do
conceito de “produtividade social”,
ou seja, utilidade para a economia e a
sociedade em geral, e não apenas para o banco ou outro grupo que desempenha
uma atividade. O conceito de SROI – Social
Return on Investment – começa também a ser utilizado mais amplamente. No nível pessoal, inclusive, muitos
profissionais começam a se perguntar se, independentemente de quanto ganham, a
atividade que desempenham é socialmente útil. E quando é claramente nociva,
surgem as contradições e as crises existenciais, como estudado por exemplo no
excelente Swimming with Sharks
[trad.: Nadando com tubarões], de Luyendijk, focando os altos
funcionários da City de Londres. [4] Não são
aqui divagações filosóficas, as pessoas querem cada vez mais que os seus
esforços façam sentido.
A realidade é que o desvio
dos recursos das atividades produtivas para ganhos especulativos trava o
conjunto da economia, mas a indignação fica restrita pela simples razão que o
sistema é extremamente opaco. Os autores aqui são conscientes desta dificuldade,
e aproveitam para mostrar que diversas pesquisas sobre os sistemas financeiros
convergem pra as mesmas conclusões: “Os sistemas financeiros privados de
maiores dimensões podem ser associados com ‘finanças especulativas’, trading em
maior escala, e um setor pouco associado ao fornecimento de crédito à ‘economia
real’. Como argumenta Stiglitz, estes sistemas financeiros podem se orientar
para a extração de recursos da economia real, e não para colocar mais recursos
na economia real (ver também Mason, 2015). Este tipo de sistema financeiro pode
muito bem se orientar para investimentos de curto prazo (Haldane, 2011) e
empregar o que William Lazonick
chama de estratégia de “desinvestir e
distribuir” em vez de “reter e reinvestir”, o que significa que mais
recursos são extraídos das empresas não-financeiras. Esta orientação deve também reduzir o crescimento da produtividade e o
investimento, e em consequência o crescimento econômico.” (pág. 23)
O
texto de Mason mencionado, também excelente leitura, constata que “as finanças
já não são um instrumento para colocar dinheiro em empresas produtivas, mas em
vez disto para delas tirar dinheiro.” (pág. 3) Segundo o autor, nos anos 1960 e 1970 cada dólar de ganhos e
crédito suplementares levava a um aumento de investimentos da ordem de 40 cents.
Desde os anos 1980 leva a um aumento de
apenas 10 cents. É uma mudança radical em termos de produtividade das
aplicações financeiras. Segundo Mason,
“isto resulta de mudanças legais, administrativas e estruturais que são a
consequência da revolução dos detentores de ações nos anos 1980. No modelo
administrativo anterior, mais dinheiro que entra numa empresa – por vendas ou
por crédito – tipicamente significava mais dinheiro colocado em investimento
fixo. No novo modelo dominado pelo
rentismo, mais dinheiro que entra significa mais dinheiro saindo para as mãos
de detentores de ações sob forma de dividendos e recompra de ações.” (Mason,1)
[5] Como os dividendos são pouco taxados pelo sistema tributário – o que foi
conseguido pela capacidade de pressão política – o círculo da financeirização e
da riqueza não produtiva se fecha.
O novo sistema de
intermediação financeira gerou também uma massa de advogados, conselheiros,
contadores, gestores de fundos e semelhantes, todos ávidos por maximizar os
retornos e os bônus correspondentes.
“Os
serviços de gestão de riqueza cresceram
de um universo de 51 empresas
administrando US$ 4 bilhões, em 1940, para mais de US$
63 trilhões em riqueza (assets) com mais de 11 mil consultores e
quase 10 mil fundos mútuos registrados com o SEC em 2014”. (pág. 41) Para efeitos de comparação, lembremos que o
PIB mundial de 2014 é da ordem de US$ 75 trilhões.
Esta massa de profissionais gerou por sua vez um cluster importante de poder,
com forte influência, em particular, no conjunto da comunicação financeira na grande mídia, que apresenta quase que exclusivamente a visão dos interesses dos grandes
grupos financeiros.
No
nosso caso brasileiro não dispomos de estudos correspondentes sobre a estrutura
de intermediação e de poder político que estes interesses geram, capaz de
atropelar qualquer tentativa de reduzir os seus lucros. Mas é evidente que
quando o governo Dilma tentou reduzir os juros absurdos (tanto sobre a dívida
pública como para pessoas jurídicas e pessoas físicas) em 2013, partiram para a
guerra total. O fato é que o mundo financeiro e os rentistas reagiram em bloco,
movimento por sua vez aproveitado por diversas esferas de oportunismo político.
O paralelo com os Estados Unidos é
neste sentido interessante, quando se
viu os imensos recursos públicos que o governo transferiu para os bancos a partir
de 2008. Não é só aqui que o sistema financeiro se tornou a força política
maior.
Como
foi que chegamos a este nível de deformação do sistema financeiro, que já foi
tão essencial para os processos produtivos e hoje os trava? Os autores identificam cinco mecanismos:
“Como no caso da maior parte das finanças, as
chaves para rentas excessivas obtidas pelas empresas financeiras e traders são:
1)
a opacidade, frequentemente criada de maneira deliberada, por meio
de excesso de complexidade, falta de transparência (disclosure), ou mais diretamente informação enganosa que é
facilitada pelo frágil marco regulatório;
2) elevada concentração do mercado dentro
de linhas específicas de negócios levando a que haja pouco competição;
3) subsídios governamentais de vários tipos,
inclusive resgates (bailouts),
impostos subsidiados, facilidade nas regras contábeis, e vantagens legais criadas por arranjos legislativos, administrativos
ou legais;
4) retirada de provisões
públicas
que geram um mercado aberto para as finanças e torna a população vulnerável a
todos esses canais com excessos de renda e de retornos;
5) regulamentação fiduciária fraca que
permite que floresçam conflitos de interesses.” (pág. 35)
Autor deste artigo |
A
parte de baixo da sociedade é a que sustenta o maior choque desta
reorganização:
“As famílias recebem informações falsas e
caras por parte de conselheiros que têm um incentivo para enganar (mislead) e que podem fazê-lo graças a um ambiente legal e regulatório permissivo.”
(pág. 36) Isto por sua vez gera o aprofundamento das desigualdades: “Práticas e rendimentos financeiros têm
contribuído muito para a desigualdade de renda e de riqueza nos EUA nas
recentes décadas. Além disso, algumas práticas financeiras contribuem para
a criação e manutenção da pobreza. Em nenhum lugar estas conexões entre
finanças, desigualdade e pobreza são mais aparentes do que na provisão de
serviços bancários para os pobres e para famílias em dificuldades financeiras.”
(pág. 40) Aqui, o paralelo com os juros extorsivos nos crediários e nos bancos
no Brasil é evidente, sendo que no
nosso caso, com juros de três dígitos,
as distorções são simplesmente muito mais escandalosas.
Para os autores, a
necessidade de uma profunda reorganização do sistema financeiro torna-se óbvia: “De forma geral, para
enfrentar as questões aqui levantadas, referentes aos enormes custos do nosso
sistema financeiro corrente, precisamos de três abordagens complementares:
regulação financeira, reconstrução financeira, e alternativas financeiras…Para atingir estes objetivos, precisaremos
provavelmente:
1º) de
uma nova lei Glass-Steagall para eliminar a rede de segurança social de que
gozam as atividades financeiras altamente especulativas,
2º)
limites mais estritos quanto à
alavancagem e tamanho dos bancos de forma a dividir (break up) as instituições financeiras maiores e mais
perigosas, e
3º)
uma regulação mais rigorosa para limitar
quanto se paga por estas atividades de alto risco.” (pág. 43)
E
temos a consequente reformulação dos
objetivos do sistema financeiro, para que volte a ser útil (e não mais
prejudicial) para a economia e para a sociedade: “Nosso sistema financeiro
precisa ser reestruturado de forma que sirva melhor as necessidades das nossas
comunidades, pequenos negócios, famílias, e entidades públicas, tais como
municípios e estados. Eliminar os subsídios dos bancos ‘grandes demais para
quebrar’ ajudará a abrir espaço para instituições financeiras menores e mais
orientadas para as necessidades das comunidades; no entanto, é pouco provável
que isto permita gerar um número suficiente de instituições financeiras para
apoiar as necessidades das nossas comunidades. Como resultado, é provável que
necessitemos de um número maior de alternativas financeiras: bancos públicos,
bancos cooperativos, e bancos especializados tais como os green banks e bancos
para infraestruturas”. (pág. 43)
Os
avanços deste tipo de pesquisas nos Estados Unidos reforçam a necessidade de
procedermos ao estudo do fluxo financeiro integrado no Brasil, buscando o
resgate da função econômica da intermediação financeira nas suas diversas
dimensões.
*
LADISLAU DOWBOR é professor de economia nas
pós-graduações em economia e em administração da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), e consultor de várias agências das Nações
Unidas.
NOTAS:
[ 1 ] –
Stiglitz. Rewriting the Rules of the
American Economy, pode ser encontrado na íntegra clicando aqui.
[ 2 ] –
O Guardian de 16 de setembro de 2016
traz um pequeno resumo, veja aqui;
no Financial Times é assunto
cotidiano, como por exemplo é o caso de manipulações atingindo 2 milhões de
clientes por parte do banco Wells Fargo,
noticiado na edição de 20/09/2016 do FT e reproduzido no Guardian da mesma data.
[ 3 ] –
Ver o nosso estudo correspondente do sistema financeiro no Brasil, em Resgatando o potencial financeiro do país:
clique aqui.
[ 4 ] –
Joris Luyendijk. Swimming with sharks.
Guardian Books, London, 2015. Acesse, clicando aqui.
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