UM VIGARISTA NA CASA BRANCA?
O lado ainda mais sombrio de Donald Trump
Entrevista
com David Cay Johnston
Repórter
investigativo e escritor norte-americano
Lúcia
Guimarães
Autor de um novo best-seller sobre Donald Trump, o
vencedor do Pulitzer
David Cay Johnston revela uma face mais nefasta ainda
do candidato
republicano à Casa Branca. Ele não é só xenófobo,
racista e defensor da tortura – é ligado à máfia, ao narcotráfico e a vigarices
como fraudes fiscais e suborno de promotores. “Se comporta como um ditador”,
resume o jornalista, que acompanha o magnata desde os anos 1980
DAVID CAY JOHNSTON |
Na
sexta-feira, Donald Trump transformou outrora combativos jornalistas políticos
norte-americanos em garotos propaganda de seu novo hotel em Washington. Não é
uma façanha qualquer. É uma imprensa que, em outra geração, derrubou Richard
Nixon.
A
inauguração do Trump International Hotel
[veja foto abaixo] foi precedida por
mais uma bombástica declaração sobre o local do nascimento de Barack Obama. Um
chocalho agitado em nome do “birtherism”,
o movimento racista alimentado por Trump
para colocar a pecha de ilegitimidade no primeiro presidente negro dos Estados
Unidos. Para coincidir com a inauguração do hotel de luxo, o candidato republicano fingiu admitir,
finalmente, que Obama nasceu nos Estados Unidos e acusou falsamente Hillary
Clinton de ter questionado a nacionalidade do presidente em 2008.
Como
chegamos aqui?
Um
novo best-seller, The Making of Donald Trump, (“A Formação de Donald Trump”, editora Melville House, ainda não
lançado no Brasil) tem a distinção de
revelar muito do que os norte-americanos – e o resto do mundo – ignoram sobre o
bilionário. Um lado ainda mais sombrio, ligado à máfia e ao narcotráfico. O
autor, David Cay Johnston, ganhador do
Prêmio Pulitzer, é um repórter investigativo na cola de Trump desde os anos
1980. Ele percebeu, quando Trump anunciou a candidatura, em junho de 2015, que,
desta vez, a ameaça era séria.
No
livro, Johnston dá crédito ao jornalista que ele aponta como o mais afiado
repórter da história recente de Nova York. Wayne
Barrett, que passou 20 anos no tabloide Village
Voice, foi o primeiro jornalista a
apontar a ligação de Trump com a Máfia e outros personagens nefastos.
No
dia 10 de outubro, o nome Trump vai desaparecer do terceiro e último cassino
operado pelo candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, o Taj Mahal, com perda de 3 mil empregos.
A empresa operadora de cassinos fundada
por Trump atravessou, sob a gestão do empresário, quatro falências que renderam
a ele milhões de dólares, enquanto forçava fornecedores a arcar com perdas.
Nas
últimas semanas, novas patifarias atribuídas ao candidato republicano vão
ganhando manchetes. O Washington Post
revelou que a Fundação Trump é um
conduto de doações controversas, e o promotor federal de Nova York acaba de
anunciar que vai investigar a fundação.
TRUMP INTERNATIONAL HOTEL - Las Vegas (EUA) |
A
agora defunta Trump University, não
uma universidade, mas uma falcatrua que usava salas alugadas em hotéis e levou
ao endividamento de milhares de estudantes crédulos, volta ao centro das
atenções com a revelação de que Trump
doou dinheiro para a campanha de reeleição da promotora da Flórida que acabou
por desistir de processá-lo.
David
Cay Johnston afirma que Trump tem um
talento extraordinário para começar negócios sem investir seu dinheiro e, quando, problemas aparecem, em grande
parte graças à incompetência de sua gestão, cai fora legando prejuízos aos
outros.
Eis
a entrevista.
Depois
de tantos anos cobrindo Donald Trump, o que encontrou de novo para lançar o
livro?
David Cay
Johnston: Não
escrevi o livro por ódio a Donald Trump. Escrevi porque é importante o público
conhecer a história completa. Trump enriqueceu e se colocou no centro de
atenções desviando atenção da mídia para o foco que interessa a ele. Temos hoje, nos Estados Unidos,
organizações de mídia que não fazem jornalismo. Espalham memes, não
investigam. Entre cidadãos educados, em Rochester, onde moro, ouço comentários
absurdos sobre Hillary Clinton, como, “você não sabe quantas pessoas ela mandou
matar.”
Quando Trump anunciou a
candidatura, em junho de 2015, fui um dos únicos que o levou a sério. Ele decidiu concorrer, em
parte, porque seu programa “Celebrity
Apprentice”, na rede NBC, corria o risco de ser cancelado. Mas, ao
contrário da mídia, que tratou a candidatura como mais um truque, como em 2012,
acreditei que ele tinha chances de chegar à reta final. Temos uma direita
extremista que detesta o que acontece no país, quer um país branco – gente que
só respeita a Constituição se servir a eles. Para mim, há uma ironia enorme no
fato de ter escrito livros sobre desigualdade e impostos, sobre como o
contribuinte subsidia bilionários cortejados por democratas. E, aí, vem um demagogo ignorante como Trump e eles
pensam que vai tirá-los do aperto econômico.
Sua
mudança para Atlantic City, em 1988, foi motivada pela crença de que ia haver
uma explosão de jogo nos Estados Unidos. Qual foi sua primeira impressão de
Donald Trump?
David Cay
Johnston: Logo
ficou claro, nas conversas com empresários de cassinos e outros na cidade, que Trump não entendia nada do negócio do jogo.
Quando comecei a ter contato com ele, pensei, este homem é um novo P.T. Barnum!
(Phineas Taylor Barnum era o lendário político escroque e fundador do circo
P.T. Barnum, no século 19). No nosso primeiro encontro, inseri um fato
inexistente numa pergunta sobre cassinos e ele imediatamente assumiu como fato.
Era evidente que estava diante de um
vigarista.
LIVRO REVELAÇÃO SOBRE A VIDA DE DONALD TRUMP |
Outro
ponto que levantou é o fato de ele ter obtido licença para operar cassinos,
quando o estado de Nova Jersey exige que o empresário do jogo tenha condições
de pagar contas e não se associe a criminosos.
David Cay
Johnston: Trump teve ligações com
mafiosos, vigaristas e com um importante traficante de cocaína. Sofreu milhares de
processos por fraudar investidores, fornecedores e empregados. Conto a história
de Joey Weichselbaum, cuja frota de helicópteros foi contratada
por Trump para transportar clientes dos cassinos. Havia outras empresas
mais sólidas para prestar o mesmo serviço. Weichselbaum
também era traficante de drogas.
Trump
nunca usou drogas ou bebeu álcool. Mas não era nenhum segredo que clientes de
cassinos tinham seus pedidos discretamente satisfeitos. Weichselbaum foi indiciado em 1985, por tráfico de cocaína e maconha
que trazia da Colômbia. Dois meses depois, ele e seu irmão e sócio alugaram
um apartamento num edifício de Trump em Manhattan por menos da metade do preço
de mercado. Por um motivo até hoje inexplicável para a promotoria e a defesa, o
caso do traficante foi transferido de Ohio, onde começou, para Nova Jersey e
aterrissou na mesa de uma juíza federal chamada Maryanne Trump Barry, irmã de
Donald. Ela esperou três semanas para pedir para ser removida do caso, mas não
antes de explicar ao tribunal que também usava a frota de helicópteros, o que
traria ainda mais embaraço a uma corte federal. Ninguém explica como o chefe, Weichselbaum, pegou apenas 3 anos e
cumpriu 18 meses e seus empregados no tráfico pegaram 20 anos. Trump
escreveu uma carta atestando a lisura de caráter do traficante amigo! Ao ser
investigado, em 1990, pela comissão de cassinos de Nova Jersey, ele mentiu sob
juramento. Reconheceu sua assinatura na carta, mas disse que não se lembrava de
ter escrito nada.
Uma
reportagem sua, em 1990, revelou que Trump não era então um bilionário. Por
que, na sua opinião, Trump esconde suas declarações de imposto de renda?
David Cay
Johnston: Trump superestima sua renda
para obter publicidade e a subestima para fraudar o erário. Não há chance de ele
possuir a fortuna que alega hoje, depende do dia, entre US$ 8 e US$ 10 bilhões.
Em 1984, ano em que a Trump Tower foi inaugurada na Quinta Avenida, em
Manhattan, ele declarou perdas de mais de US$ 600 mil. Ele sofreu uma auditoria
da receita de Nova York. Quando questionado, respondeu, “é minha assinatura,
mas não fui eu quem preparou a declaração.” Há vários indícios de que ele cometeu fraude fiscal.
Um
caso conhecido foi o das “Caixas Vazias” da joalheria Bulgari, na Quinta
Avenida, que pegou famosos como Frank Sinatra e até Henry Kissinger.
David Cay
Johnston: Sim,
em 1983, Trump comprou um colar de US$ 50 mil e mandou entregar num endereço
fora do estado de Nova York. Depois comprou outra joia por US$ 15 mil e mandou
entregar na casa de campo de seu advogado em Connecticut. As caixas de joias
estavam vazias. O objetivo era evadir os
impostos municipais sobre a venda de artigos de luxo. Auditores da receita
de Nova York descobriram o golpe. Um
indiciamento por evasão teria tornado impossível uma concessão para Trump
operar cassinos. Mas o promotor estadual resolveu ir atrás dos alvos mais
fáceis, o gerente da joalheria e um dos donos.
ROY COHN (1927-1986) Advogado e braço direito do senador Joseph McCarthy perseguidor de comunistas e defensor de várias famílias mafiosas, advogou e foi um tutor de Donald Trump |
O
livro resgata um mentor importante de Trump, Roy Cohn, o advogado que era o
braço direito do senador Joseph McCarthy, no período da caçada anticomunista
dos anos 1950.
David Cay
Johnston: Sim,
Cohn era o cão de ataque de McCarthy e foi tratado por Trump como um segundo
pai. Ele era um homossexual que
perseguia e chantageava homossexuais. Era muito cruel e Trump declarou gostar dele porque “ele
brutalizava os outros” no seu lugar. Cohn foi advogado de defesa dos chefes
das famílias mafiosas Gambino e Genovese e sabia,
como ninguém, explorar o sistema, algo que ensinou a Trump. E ele só
aceitava ser pago em dinheiro vivo.
Cohn
defendeu Trump e seu pai Fred Trump quando processados por discriminação
racial. Como o episódio é típico do caráter de Trump?
David Cay
Johnston: Pai e filho eram
proprietários de 14 mil apartamentos no Brooklyn. Não era a primeira vez que
Fred Trump tinha sido acusado de negar moradia a minorias raciais. A lei de
defesa dos direitos civis de 1968, introduziu o Fair Housing Act, que proibia discriminação por parte de
proprietários de imóveis. Em 1973,
depois de uma investigação em que enviou agentes disfarçados de inquilinos
potenciais, o Departamento de Justiça,
acusou Fred e Donald Trump de se recusarem a alugar apartamentos para negros.
Cohn comprou a briga e afirmou que os Trumps não tinham obrigação de alugar
para “indesejáveis.” Moveu uma ação pedindo US$ 100 milhões do governo por
tentar obrigar os clientes a alugar para inquilinos vivendo de assistência
pública. O caso era sobre raça, não
renda. No final, os Trumps foram
forçados a fazer um acordo extrajudicial, segundo o governo, uma das maiores
multas pagas em casos do gênero. Na versão de Trump, ele venceu porque não
foi condenado. Os documentos estão selados.
Seu
livro alega que Roy Cohn foi uma ponte entre Trump e famílias mafiosas que
controlavam canteiros de obras em Nova York.
David Cay
Johnston: A construção da Trump Tower
empregou firmas que tinham ligações com a Máfia. Naquele período, no final
dos anos 1970, os empresários da indústria imobiliária já faziam apelos ao FBI
para desmontar o cartel de mafiosos que controlavam o preço do concreto para
construção. A construção da Trump Tower,
em vez de empregar vigas de aço, usou mistura de concreto, uma escolha que
tornava o projeto vulnerável à sabotagem de trabalhadores, uma vez que o
concreto tinha que ser despejado antes de endurecer. E o material foi comprado
de uma empresa de propriedade de dois mafiosos, Anthony “Fat Tony” Salerno e Paul
Castellano. Duas testemunhas entrevistadas pelo repórter Wayne Barrett
dizem que Trump se reuniu com Salerno na casa de Roy Cohn.
Com
um passado de associações criminosas e novas revelações sobre ilegalidades, se
Trump chegar à Casa Branca, pode sofrer impeachment?
David Cay
Johnston: Um governo Trump vai ser uma
rotina de crises. Ele não tem a menor ideia das atribuições e limitações de um
presidente, acha que pode se comportar como um ditador. Suponho que comandantes
militares estão examinando os limites da lei para desobedecer ordens. Trump é atraído por violência. Imagine
um presidente usando a receita federal para punir quem atravessa seu caminho.
Ou usando o aparato de vigilância da inteligência para espionar inimigos em
Washington. Não acredito que Trump possa
completar um mandato sem pedirem seu impeachment.
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