Francisco aos bispos recém-nomeados
“O mundo está cansado de mentirosos, de padres da moda,
de arautos de cruzadas”
Iacopo
Scaramuzzi
Vatican
Insider
18-09-2016
“Não tenham medo de propor a Misericórdia como resumo
daquilo que Deus oferece ao mundo, porque o coração do homem não pode aspirar a
nada maior”
PAPA FRANCISCO dirige um discurso aos participantes do Curso de Formação para Novos Bispos Sala Clementina (Vaticano), Sexta-feira, 16 de setembro de 2016 |
Aos
novos bispos do curso anual de formação,
o papa afirma que fazer pastoral da misericórdia não é fazer liquidação de
pérolas. “Não poupem esforços para ir ao encontro do povo de Deus, estejam perto
das famílias com fragilidade. Nos
seminários, apontem para a qualidade, não para a quantidade. Desconfiem dos
seminaristas que se refugiam na rigidez.”
“O
mundo está cansado de encantadores
mentirosos… e, eu me permito dizer, de padres
ou bispos na moda. As pessoas ‘farejam’ e se afastam quando reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os
defensores das causas próprias, os arautos de cruzadas vãs.” [Infelizmente, a “moda” atual em Seminários e Cleros
Diocesanos pelo mundo afora é esta! E muitos, inocentemente, alimentam esse
tipo de seminaristas, padres e bispos!]
O
Papa Francisco dirigiu um longo discurso aos bispos recém-nomeados, em Roma,
para um curso de formação, tocando diversas questões do seu ministério, a
partir da necessidade de tornar pastoral – “isto é, acessível, tangível,
encontrável” – a misericórdia, que é o “resumo daquilo que Deus oferece ao
mundo”.
Os bispos, disse Jorge Mario
Bergoglio, devem ser capazes de encantar
e de atrair os homens e as mulheres do nosso tempo a Deus, sem
“lamentações”, sem “deixar nada de não tentado a fim de alcançá-los” ou
“recuperá-los”, e graças aos percursos de iniciação (“Hoje, pedem-se frutos demais de árvores que não foram cultivadas o
suficiente”).
Além
disso, é necessário vigiar a formação
dos futuros sacerdotes, apontando para a “qualidade do discipulado”, e não para a “quantidade” de
seminaristas, e usando “cautela e
responsabilidade” ao acolher sacerdotes na diocese. Francisco também
convidou os novos bispos a estarem perto do seu clero, àqueles que Deus coloca
“por acaso” no seu caminho e às famílias com as suas “fragilidades”.
Bispos
sem medo de propor a Misericórdia
“Perguntem
a Deus, que é rico em misericórdia – disse o papa aos 154 novos bispos (16 dos
territórios de missão) que participaram do curso anual de formação promovido
conjuntamente pela Congregação para os
Bispos e pela Congregação para as
Igrejas Orientais – o segredo para tornar pastoral a Sua misericórdia nas
suas dioceses. De fato, é preciso que a
misericórdia forme e informe as estruturas pastorais das
nossas Igrejas. Não se trata de rebaixar as exigências ou vender barato as
nossas pérolas. Ou, melhor, a única condição que a pérola preciosa dá àqueles
que a encontram é a de não poder reivindicar menos do que tudo. Não tenham medo de propor a Misericórdia
como resumo daquilo que Deus oferece ao mundo, porque o coração do homem não
pode aspirar a nada maior”, disse Francisco, que, sobre a misericórdia como
“limite para o mal”, citou Bento XVI, acrescentando duas perguntas retóricas:
“Por acaso, as nossas inseguranças e desconfianças são capazes de suscitar
doçura e consolação na solidão e no abandono?”.
Para
tornar a misericórdia “acessível, tangível, encontrável”, acima de tudo, o papa
recordou que “um Deus distante e
indiferente pode ser ignorado, mas não resistimos facilmente a um Deus tão
próximo e, além disso, ferido por amor. A bondade, a beleza, a verdade, o
amor, o bem – eis o que podemos oferecer a este mundo mendicante, ainda que em
vasos meio quebrados. No entanto, não se
trata de atrair a si mesmos. O mundo – disse Francisco – está cansado de
encantadores mentirosos… e, eu me permito dizer, de padres ou bispos na moda. As pessoas ‘farejam’ e se afastam quando
reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os defensores de causas próprias,
os arautos de cruzadas vãs. Em vez disso, tentem ajudar a Deus, que já Se
introduz antes ainda da chegada de vocês”.
Nesse
sentido, “Deus não se rende nunca!
Somos nós, que, acostumados ao rendimento, muitas vezes nos acomodamos,
preferindo nos deixar convencer que realmente puderam eliminá-Lo e inventamos discursos amargos para
justificar a preguiça que nos bloqueia no som imóvel das lamentações vãs: as lamentações de um bispo são coisas feias”.
PAPA FRANCISCO após seu discurso, acolhe e saúda pessoalmente os participantes do Curso de Formação para Novos Bispos Sala Clementina (Vaticano), Sexta-feira, 16 de setembro de 2016 |
A
importância de “iniciar” as pessoas
Em
segundo lugar, é necessário, segundo o papa, “iniciar” aqueles que são
confiados aos pastores: “Eu lhes peço para não terem outra perspectiva para
olhar os seus fiéis do que a da sua unicidade, de não deixarem nada de não
tentado a fim de alcançá-los, de não poupar qualquer esforço para recuperá-los.
Sejam bispos capazes de iniciar as suas Igrejas nesse abismo de amor. Hoje –
disse Francisco – pedem-se frutos demais de árvores que não foram cultivadas o
suficiente. Perdeu-se o sentido da
iniciação, e, no entanto, nas coisas realmente essenciais da vida, tem-se
acesso apenas mediante a iniciação. Pensem
na emergência educativa, na transmissão tanto dos conteúdos quanto dos valores,
no analfabetismo afetivo, nos percursos vocacionais, no discernimento nas
famílias, na busca da paz: tudo isso requer iniciação e percursos guiados,
com perseverança, paciência e constância, que são os sinais que distinguem o
bom pastor do mercenário”.
Atenção
especial aos seminaristas e ao clero
Francisco
se debruçou com atenção particular sobre o tema da formação dos futuros padres:
“Peço-lhes que cuidem com especial
solicitude as estruturas de iniciação das suas Igrejas, em particular os
seminários. Não os deixem ser tentados pelos números e pela quantidade das
vocações, mas busquem a qualidade do discipulado. Não privem os seminaristas da sua firme e terna paternidade.
Façam-nos crescer a ponto de adquirir a liberdade de estar em Deus ‘tranquilos’
e serenos como crianças desmamadas nos braços da sua mãe”; não como presas dos
próprios caprichos e escravos das próprias fragilidades, mas livres para
abraçar aquilo que Deus lhes pede, mesmo quando isso não parece tão doce quanto
o seio materno era no início. E fiquem
atentos quando alguns seminaristas se refugiam na rigidez; por baixo, sempre há
algo de feio”. [São os jovens seminaristas mais
tradicionalistas que padres de avançada idade e que viveram em outra sociedade
e tempos! Gérmen do clericalismo.]
E
ainda: “Eu lhes peço também para agirem com grande prudência e responsabilidade ao acolher candidatos ou incardinar
sacerdotes nas suas Igrejas locais. Por favor, prudência e responsabilidade
nisso. Lembrem-se de que, desde o início, quis-se como inseparável a relação
entre uma Igreja local e os seus sacerdotes, e nunca se aceitou um clero vagante ou em trânsito de um lugar
para outro. E essa é uma doença dos nossos tempos”.
Bispos
que acompanhem seu clero e as famílias
Por
fim, o papa pediu que os bispos sejam
“capazes de acompanhar”, citando, a esse respeito, a parábola do bom
samaritano: “Sejam bispos com o coração ferido por tal misericórdia e,
portanto, incansável na humilde tarefa de acompanhar o homem que, ‘por acaso’,
Deus colocou no seu caminho”.
E,
ainda, recomendou o papa aos novos bispos,
“acompanhem por primeiro, e com paciente solicitude, o seu clero” e “reservem um acompanhamento especial para
todas as famílias, regozijando-se com o seu amor generoso e encorajando o
imenso bem que elas dispensam neste mundo. Acompanhem sobretudo as mais feridas.
Não ‘passem ao largo’ diante da sua fragilidade”.
Deixar-se
desestabilizar e não usar máscaras
“Fico
alegre por acolhê-los e por poder compartilhar com vocês alguns pensamentos que
vêm ao coração do sucessor de Pedro, quando vejo diante de mim aqueles que
foram ‘pescados’ pelo coração de Deus para guiar o Seu povo santo”, tinha
iniciado o papa.
“Deus
os livre de tornar vão tal frêmito, de domesticá-lo e esvaziá-lo da sua
potência ‘desestabilizadora’. Deixem-se
desestabilizar, é bom para um bispo”, disse Francisco.
“Muitos, hoje, se mascaram e se escondem.
Eles gostam de construir personagens e inventar perfis. Tornam-se escravos
dos parcos recursos que recolhem e aos quais se agarram como se bastassem para
comprar o amor que não tem preço. Não suportam o frêmito de se saberem
conhecidos por Alguém que é maior e não despreza o nosso pouco, é mais Santo e
não culpa a nossa fraqueza, é realmente bom e não se escandaliza com as nossas
chagas. Não seja assim para vocês”, concluiu: “Deixem que tal frêmito percorra
vocês. Não removam-nos nem o silenciem”.
O discurso de Papa Francisco aos bispos recém-nomeados
pode ser lido na íntegra, clicando aqui (em italiano somente)
Comentários
Postar um comentário