A liberdade sempre mais em risco!

O que o mundo pode perder com
as eleições dos EUA

Fred Hiatt
Washington Post

Mesmo uma vitória de Hillary Clinton não ajudará a reverter o recuo mundial no campo da democracia e dos direitos humanos, a não ser que ela mude o rumo político adotado pelo atual governo 
DONALD TRUP & HILLARY CLINTON
O primeiro, é candidato do Partido Republicano e a segunda, é candidata do Partido Democrata para
a Presidência da República dos Estados Unidos

A eleição presidencial americana pode ser crucial para o futuro da democracia, não só para os Estados Unidos da América (EUA). O impacto global de uma presidência sob o comando de Donald Trump seria desastroso. Mas mesmo uma vitória de Hillary Clinton não ajudará a reverter o recuo mundial no campo da democracia e dos direitos humanos, a não ser que ela mude o rumo político adotado pelo atual governo. Se você acha isso um pouco desalentador, analise o que ocorreu na última década.

Os poderes autoritários mais influentes do mundo – China, Rússia e Irã – tornaram-se mais rígidos internamente e mais agressivos além de suas fronteiras. Provaram que a internet, contrariamente às primeiras expectativas, pode se tornar uma arma de controle. E também que um país pode ingressar na economia global e, ao mesmo tempo, reprimir internamente a livre expressão, a liberdade de culto e o direito de reunião. Formaram uma vaga aliança de ditadores, trabalhando juntos para corroer e desacreditar os princípios de economia liberal e direitos individuais.

Por outro lado, nações que supostamente estariam inseridas no campo das democracias se inclinaram para o autoritarismo:
* Em algumas, como a Tailândia, a regressão se verificou por meio de golpes militares.
* Em outros, como Filipinas, Hungria, Turquia, Nicarágua – governos eleitos vêm anulando as proteções democráticas.
* E há ainda outras nações onde governantes autoritários prometeram abertura, mas seguiram o caminho contrário: Egito, Etiópia, Bahrein, Malásia, entre outros.

Freedom House, organização sem fins lucrativos que monitora essas questões desde que foi fundada por Eleanor Roosevelt há 75 anos, possui dados deploráveis a respeito. Durante a década passada, a liberdade diminuiu em 105 países e avançou em apenas 61. E 2015 foi o pior ano, com 72 nações perdendo terreno. No mundo todo, em 2015 a liberdade de imprensa atingiu o ponto mais baixo em 12 anos.

Trump insuflaria o ímpeto dos ditadores. Se um indivíduo intolerante desqualificado consegue ascender ao topo da mais antiga democracia do mundo, como poderá a Freedom House, ou um terceiro, defender plausivelmente que outras nações adotem o sistema de governo dos EUA?

Trump também corroerá a democracia no exterior diante do seu desrespeito pelas normas democráticas dentro do próprio país. Ele tem defendido a tortura e outros atos ilegais, degradado a liberdade da imprensa, socavado um Judiciário livre, sua campanha é movida a insultos, não por meio do debate, e ele alertou seus críticos que sofrerão se for eleito. E se já não fosse o suficiente para estimular líderes autoritários com valores similares, Trump tem expressado admiração aberta pelos piores brutamontes do mundo, de Vladimir Putin aos criminosos da Praça Tiananmen.
VLADIMIR PUTIN
Presidente da Rússia

Mesmo que ele perca a eleição, a reputação da democracia já sofreu um golpe: como um homem como Trump se tornou candidato de um partido importante? Mas talvez um outro cenário possa surgir também: mesmo em períodos de desordem econômica, diante de uma alternativa que muitos eleitores desgostavam, os americanos se mostraram muito sensatos e não permitiram que o pior ocorresse. Mas uma presidência Hillary só mudará o ímpeto global se adotar metas que Barack Obama consagrou como candidato, mas abandonou em grande parte como presidente.

A promoção da democracia desapareceu como objetivo quando Obama chegou à Casa Branca. Em negociações com China, Irã, Cuba e Coreia do Norte, os direitos humanos nunca foram prioridade. Ele se desculpou aos argentinos pelo fato de os EUA, durante a Guerra Fria, terem aceitado a “guerra suja” no seu país. Mas subestimou abusos similares ou piores em países aliados na guerra contra o terror, como Egito, Etiópia e Arábia Saudita. Ele esperava que estabelecer um bom exemplo internamente – pondo fim à tortura, fechando Guantánamo – repercutiria no exterior, mas os resultados foram decepcionantes.

Até que ponto o governo evoluiu desde a visão de Obama em 2007 pode ser avaliado num artigo do vice-presidente Joe Biden na Foreign Policy, no qual quase não toca em democracia ou direitos humanos. Biden estabelece as tarefas para o próximo governo para “um futuro mais próspero e pacífico”, mas não explicitamente relacionando-o com a liberdade: reforço das alianças na Ásia, enfrentamento da mudança climática e terrorismo, aprimorando os vínculos com as potências regionais. São todos assuntos importantes. Mas serão mais ilusórios se a democracia continua a desvanecer.

Traduzido do inglês por Terezinha Martino.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional/Cenário – Quarta-feira, 31 de agosto de 2016 – Pág. A13 – Internet: clique aqui.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética