Papa: o novo desafio ao mundo é o desenvolvimento sustentável e integral
“Atualmente, o mundo não cria desenvolvimento,
mas mais pobreza”, afirma arcebispo argentino,
assessor de Papa Francisco
Entrevista
com Marcelo Sánchez Sorondo
Arcebispo
argentino e Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e das Ciências
Sociais
Mariano De
Vedia
Jornal
“La Nación” – Buenos Aires
24-09-2016
Há
50 anos, o Papa Paulo VI escreveu na Populorum
Progressio que o desenvolvimento era
o novo nome da paz. Hoje, à luz da encíclica Laudato Si’, na qual Francisco faz um apelo dramático para o
cuidado do ambiente, se poderia concluir que o desafio é o desenvolvimento sustentável e integral, que inclui o uso
das energias renováveis.
É
como o entende o arcebispo argentino Marcelo
Sánchez Sorondo, chanceler da Pontifícia
Academia das Ciências e das Ciências Sociais, a mesma que integraram
Galileu Galilei e alguns dos 35 prêmios Nobel. Na quinta-feira passada, Sorondo
chegou a Buenos Aires vindo do Vaticano, onde trabalha há mais de 40 anos, para
fazer uma exposição sobre a encíclica do Papa no Congresso Nacional CREA.
“A Laudato
Si’ é fundamentalmente uma
encíclica social. Os problemas da Terra têm impactos no plano social. Em vez de desenvolvimento, o mundo produz
mais pobreza e involução. Isso influi naquilo que Francisco chama de formas
mais extremas da globalização da indiferença, que são o trabalho forçado, a
prostituição, a venda de órgãos e o crime organizado”, disse Sánchez Sorondo em
uma entrevista concedida ao La Nación, ao explicar os alcances do urgente apelo
para cuidar do planeta.
Eis
a entrevista.
A
encíclica enfrenta fortes lobbies?
Sánchez Sorondo: Ela não foi escrita para
enfrentar os lobbies, mas é uma das que mais os enfrenta.
Quais
são as principais resistências?
Sánchez Sorondo: A principal resistência vem
dos lobbies do petróleo. Eles não querem aceitar que se diga que podem
arruinar o clima. Dizem que o Papa não pode falar sobre estes temas, porque
não são temas de moral. Mas acontece que é também um tema moral, porque se nós arruinamos a Terra degradamos o
habitat, e isso é um problema moral.
A
comunidade científica apoia o diagnóstico do Papa?
Sánchez Sorondo: Quem descreve tecnicamente o
problema são os cientistas. O holandês Paul
Crutzen e o mexicano Mario Molina,
que receberam o prêmio Nobel por terem denunciado o buraco na camada de ozônio, o apoiaram e se pronunciaram a favor do
cuidado do planeta.
A
Igreja propicia a ideia do desenvolvimento sustentável?
Sánchez Sorondo: O desenvolvimento
sustentável é uma ideia muito arraigada no magistério da Igreja. Tem suas
origens em Paulo VI, quando falava do desenvolvimento na encíclica Populorum Progressio, e o manifestam
economistas como Jeffrey Sachs. Como
dizia aquele papa, Deus colocou na
providência potencialidades, e é tarefa dos cientistas descobri-las e agir em
benefício de todos. Trata-se de acompanhar a natureza em suas
possibilidades, colaborando com a obra do Criador. Cabe a nós respeitá-la e
guiá-la. Não ter uma atitude passiva, como se protegêssemos as peças de um
museu, nem achar que com ela eu posso fazer qualquer coisa.
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Que
impactos a encíclica produziu?
Sánchez Sorondo: A Laudato Si’ encara o
grande desafio ecológico e social: o problema do clima. Chama para evitar a prática da ecologia superficial e
substituí-la por uma ecologia integral.
Se alteramos o ciclo da água podemos chegar a não ter mais vida no planeta. Com
o uso de materiais fósseis, como o petróleo e o carvão, estamos produzindo uma
espécie de manta na estratosfera, que impede a respiração da Terra. A mudança
climática consiste no aquecimento da Terra com ácidos que são maravilhosos,
porque o anidrido carbônico torna a vida das plantas possível, mas levado a um
extremo produz desastres.
A
encíclica conseguiu avanços?
Sánchez Sorondo: Foi fundamental e muito oportuna. A intenção
era influir na COP 21, a cúpula sobre a mudança climática que se reuniu em
Paris. E, pela primeira vez, depois de 21 encontros, colocou-se de modo claro a gravidade do aquecimento e propôs-se
diminuir dois graus para evitar desequilíbrios. Os presságios não são bons
e o Papa, com toda clareza, apesar
de todas as pressões e lobbies, disse
que a atividade humana que utiliza o material fóssil determina o aquecimento
global, baseado na comunidade científica. [Esta
foi uma postura e atitude históricas!]
A
ONU acompanha os postulados da encíclica?
Sánchez Sorondo: Produziu-se uma sinergia com
a ONU. O Papa publicou a encíclica em maio de 2015 e depois a relançou em sua
visita aos Estados Unidos, onde os lobbies do petróleo são muito fortes. Conseguiu mudar o cenário em favor da tomada
de consciência do problema e muitos grandes
capitais já pensam em investir em outras coisas, por exemplo, em energias
renováveis.
Basta
uma tomada de consciência ou devemos esperar passos mais audazes?
Sánchez Sorondo: Antes, a comunidade
internacional apresentava o tema de forma tão complicada que ninguém entendia o
que estava acontecendo. Agora, pela
primeira vez, fala-se claramente: o problema é o clima e devemos mudá-lo.
Que
resposta dá àqueles que questionam o papa por falar de temas nos quais não é
infalível?
Sánchez Sorondo: A verdade tem diversos
aspectos. O Papa usa as verdades filosóficas quando fala de determinados temas
e usa as verdades científicas para o bem da humanidade. Ele adota uma tese da comunidade científica, assim com assume outra
tese filosófica quando fala da pessoa humana.
Traduzido do espanhol por André Langer. Para acessar a versão
original desta entrevista, clique aqui.
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